Na esperança de manter bandidagem trancafiada, salvadorenhos reelegeram Bukele

Bukele já comandou invasão do Congresso de El Salvador (Arquivo)

Além das pandillas, El Salvador precisa se libertar da dolarização

Tendo como cabos eleitorais a queda recorde nos homicídios e o enfrentamento com o crime organizado, as “pandillas”, o presidente Nayib Bukele se reelegeu por amplíssima margem em El Salvador, enquanto a oposição tradicional – tanto de esquerda, a Frente Farabundo Marti, como de direita, a Arena – em termos práticos foi dizimada, pelo menos por agora.

De uma taxa de homicídios acima dos cem a cada 100 mil habitantes em meados da última década, El Salvador sob Bukele no ano passado a viu cair para 2,4 a cada 100 mil. Na campanha eleitoral, ele acusava a oposição de ter como verdadeiro plano “libertar os membros das gangues” e advertia contra a “volta do passado”.

Sem esperar pelo resultado oficial, o próprio Bukele anunciou sua vitória “com 85% dos votos” e “mínimo de 58 de 60 deputados”.

“El Salvador passou do país mais perigoso do mundo para o mais seguro da América Latina”, asseverou Bukele, acrescentando que as gangues mataram pelo menos 120 mil pessoas desde o fim da guerra civil em 1992.

“O que está por vir para El Salvador é um período de prosperidade, porque não há mais impedimento para abrir um negócio, estudar, trabalhar. Já não há mais impedimento para o turismo”, ele acrescentou.

A oposição e grupos de direitos humanos condenam sua política de segurança, denunciando excessos e prisão de inocentes.

MAIOR OBRA, UM PRESÍDIO

A principal obra do primeiro mandato de Bukele foi a construção de uma penitenciária de segurança máxima, enquanto o total de presos no país vai a 70 mil, o que equivale a 1% da população salvadorenha. É a maior taxa de encarceramento do mundo.

Para aprovar verba para sua política de segurança, exacerbou a pressão chegando a invadir com tropas o Congresso, em 2020.

Em entrevista coletiva concedida após votar, Bukele pediu aos salvadorenhos que apoiassem com seu voto a continuidade do estado de emergência, para preservar as conquistas “da guerra” contra os grupos criminosos.

“É importante que votemos, para garantir que tenhamos uma Assembleia Legislativa que possa continuar aprovando o regime de emergência”, disse o presidente.

Apesar da constituição não permitir a reeleição, Bukele deu seu jeito, depois de ter conquistado o controle do legislativo nas eleições de 2021. O que lhe permitiu mudar juízes da Sala Constitucional, com os quais contou agora para ter aval à reeleição.

A ORIGEM DAS PANDILLAS

Um pequeno país da América Central banhado pelo Pacífico, o povo salvadorenho levantou-se na década de 1980 contra uma ditadura bancada por Washington, seguindo o exemplo da Nicarágua com o sandinismo, até que finalmente houve o acordo de redemocratização doze anos depois.

A feroz perseguição nesse período obrigou muitas famílias a buscarem refúgio nos EUA e foi lá, nas favelas de Los Angeles, que se constituíram as “pandillas”, gangues como a Mara Salvatrucha 13 e o Barrio 18, que dali fizeram o caminho de volta para El Salvador, onde começaram a ter um poder cada vez aterrador.

DOLARIZAÇÃO VIGORA DESDE 2001

A Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), inicialmente uma força guerrilheira, que se transformou em um partido sob os acordos de pacificação e chegou ao poder, não conseguiu dar conta desse desafio, nem pôde reverter a dolarização da economia, em vigor desde 2001, quando o governo de direita abriu mão do colon, moeda salvadorenha desde 1892.

Bukele, que inicialmente se elegera pela FMLN a prefeito de uma cidade menor, se tornou depois o prefeito da capital, San Salvador, em 2015, já por outra legenda.

Com o envolvimento de um ex-presidente nos escândalos da Odebrecht, a FMLN acabou saindo chamuscada, o que abriu caminho para a vitória de Bukele na eleição presidencial de 2019.

No governo, Bukele apelou para iniciativas, digamos, pouco ortodoxas, como oficializar o uso de bitcoin no país. Mais um golpe publicitário – aliás, ele é publicitário – do que uma medida relevante para a economia salvadorenha.

A principal relação econômica de El Salvador é com os EUA, onde vivem 2,5 milhões de emigrados, que enviam dinheiro para suas famílias, o que corresponde a 20% do PIB salvadorenho.

VIRADA DE MESA

Em março de 2022, quando os confrontos entre as pandillas levaram a 76 assassinatos em apenas 48 horas, Bukele decidiu bater de frente com o crime organizado, executando prisões em massa e ordenando a construção do maior presídio do país para os chefões das gangues. Ele obteve a aprovação de um estado de emergência, que vem sendo prolongado periodicamente.

Em outra frente, no ano passado a Assembleia Legislativa foi reduzida de 84 para 60 deputados, e o número de municípios caiu de 262 para 44.

XI PARABENIZA

A “vitória histórica” de Bukele foi parabenizada pelo presidente chinês Xi Jinping, em mensagem em que saudou o desenvolvimento “rápido e abrangente” das relações China-El Salvador e conclamou “aprofundar a cooperação em vários campos e elevar continuamente as relações bilaterais a níveis mais altos e em benefício de seus povos”.

Bukele visitou a China em 2019 e tem se dito favorável à iniciativa Rota e Cinturão, também conhecida como Nova Rota da Seda. El Salvador instaurou relações diplomáticas com a China, ainda no governo da FMLN, depois de romper com o governo de Taiwan. Bukele manteve essa decisão.

Em novembro, em San Salvador, foi inaugurada a nova Biblioteca Nacional, construída com financiamento da China, de 24 mil metros quadrados, tida como a maior e mais moderna da região. Com capacidade para mais de 360 mil livros, conexão à internet, espaço para a primeira infância, salas temáticas e de jogos, espaços de realidade virtual e simuladores de voo.

Também com apoio da China, iniciaram-se as obras do Estádio Nacional, para 52 mil torcedores, além de uma estação de tratamento de água e de um cais turístico.

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