A família de Rayshard Brooks, o negro morto a tiros pelas costas por um policial de Atlanta, realizou seu funeral carregado de simbolismo no mesmo local onde Martin Luther King Jr. era pastor, na última terça-feira, naquela que ficou conhecida como “Igreja da liberdade da América”.
Como tantos outros cujos nomes foram entoados em palavra de ordem em atos que tomaram os Estados Unidos de ponta a ponta “após encontros fatais com a polícia”, assinalaram os manifestantes, “Rayshard Brooks se tornou um símbolo”.
Uma série de oradores se revezaram no histórico púlpito, ligado à luta pelos direitos civis, para condenar o racismo e o preconceito de um sistema de justiça criminal extremamente perverso, que joga todo seu peso sobre a negritude e do qual é impossível de escapar. Dentro deste quadro, denunciaram, só cresce a profunda desconfiança entre as autoridades policiais e a comunidade afro-americana.
“Estamos aqui para sentar com esta família”, disse o reverendo Raphael G. Warnock, pastor da Igreja Batista Ebenezer, referindo-se à esposa e filhos de Brooks que se encontravam diante dele, “mas não seríamos honestos se não discutíssemos o que nos trouxe aqui em primeiro lugar”. “É sobre ele”, acrescentou o pastor Warnock, que também é candidato democrata ao Senado dos Estados Unidos, “mas é muito maior que ele”. Um outro pastor disse que Brooks foi vítima de um sistema que não oferece “uma chance real de redenção”.
A família de Brooks, a maioria vestida de branco, entrou na igreja ao lado de pastores, autoridades eleitas, ativistas e celebridades. A multidão não lotou o local, respeitando o espaçamento de um metro e meio nos bancos e o uso de máscaras em um santuário que se encontrava fechado para cultos desde março, devido ao coronavírus.
Numa cerimônia carregada de simbolismo, os manifestantes aprofundaram a reflexão sobre a vida de um homem negro, de uma pessoa comum, que só se tornou conhecido por causa da forma covarde como morreu.
Brooks, de apenas 27 anos, foi abatido a tiros pelas costas no dia 12 de junho pela polícia de Atlanta, em um momento em que o país lutava nas ruas contra uma herança de extrema violência racial, após uma série de recentes assassinatos policiais.
FILHA DE MARTIN LUTHER KING NA HOMENAGEM
A reverenda Bernice A. King, filha mais nova de Martin Luther King Jr., descreveu como Brooks se encaixava dentro uma luta maior, ressaltando que ele foi morto no mesmo dia em que o ativista dos direitos civis Medgar Evers foi morto a tiros em 1963 e que, um ano depois, Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua por conspirar contra o governo sul-africano branco.
“Estes trágicos momentos nos lembram que somos um só e acionam as cordas de nossos corações. Como alguém que teve o pai morto quando tinha somente 5 anos de idade, meu coração sente e profundamente lamenta pelas crianças de Brooks. Sonho, Memória e Benção”, declarou Bernice.
A sogra de Brooks, Rochelle Gooden, disse que amava músicas antigas de ritmo e blues e gostava de fazer churrasco. “Ele sempre me levou como mãe”, disse ela, referindo-se a como eles se abordavam, “e eu sempre o tomei como filho. Eu nunca o chamei de Rayshard, “mas de meu filho”.
O funeral também conclamou outros afro-americanos cujos assassinatos inflamaram protestos nos últimos meses, incluindo Ahmaud Arbery, um negro de 25 anos que foi morto a tiros enquanto jogava em um bairro da Geórgia.