Trabalhadores e moradores da zona oeste do Rio de Janeiro se indignaram com a atuação truculenta do prefeito Marcelo Crivela na Praça Miami, na Vila Kennedy, na manhã desta sexta-feira. Munidos com ferramentas de demolição e uma retroescavadeira, os funcionários da Prefeitura derrubaram violentamente 52 quiosques usados por ambulantes da localidade. A operação se deu sem nenhum aviso e com a cobertura do Exército, que está ocupando a comunidade, que fica às margens da Avenida Brasil.
As imagens da destruição dos quiosques, com alguns de seus donos desesperados, implorando para que sua única fonte de renda e trabalho não fosse destruída, chocou a cidade. Alguns comerciantes se arriscaram deitando diante das máquinas para tentar salvar seus produtos. Leonardo Damasceno, evangélico, tentou sensibilizar os agentes da prefeitura se ajoelhando diante do quiosque com que sustenta a família há 15 anos. Mas não conseguiu evitar que a construção fosse destruída. A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) justificou a violência dizendo que a prefeitura estava fazendo um “ordenamento urbano na Vila Kennedy”.
“Eu trabalhava há 15 anos em uma barraca que foi completamente destruída. Desde que comecei a trabalhar lá, fui na prefeitura tentar regularizar toda a situação e eles sempre colocavam um empecilho. Podiam ter tentado resolver a situação de forma pacífica, conversar, mas já chegaram na força bruta. Quero apenas trabalhar dignamente”, desabafou Luciana Silva, 34, dona de um dos quiosques removidos.
O episódio provocou grande indignação nas redes sociais. “Fui camelô durante dois anos na Vila Kennedy e a legalização da minha barraca e das 52 que foram encontradas com ilegalidades sempre foi uma utopia. Queremos resposta!”, escreveu Carol du Pré. O usuário Jefferson Xarutin manifestou apoio aos comerciantes. “Vergonhoso o que fizeram na Vila Kennedy. Os moradores precisando de luz e saneamento básico. O governo faz o que? Destrói as fontes de renda deles”.
Moradores da comunidade também reclamaram da conduta violenta dos agentes da prefeitura. “A gente foi tratado com total falta de respeito. Debocharam da gente. Minha nora e meu filho têm uma barraca lá e disseram que se eu quisesse reclamar tinha que procurar a delegacia. A gente não é contra o desenvolvimento da praça mas tem que haver um diálogo”, disse Carlos Henrique, de 62 anos.
A Prefeitura não deu nenhuma explicação de por que agiu sem avisar ninguém, sem procurar os comerciantes para dialogar. De acordo com a prefeitura, os agentes que conduziram a operação identificaram 52 construções fixas irregulares, “ocupando o espaço livre da praça”. Crivela mandou derrubar tudo porque, segundo ele, os trabalhadores ambulantes estavam “desrespeitando a Lei Orgânica do Município”. Os comerciantes insistiram que a derrubada dos quiosques foi feita sem qualquer aviso prévio.
A atuação do Exército no episódio, de dar suporte à violência praticada pela prefeitura, frustrou bastante os moradores, que esperavam outro tipo de comportamento dos militares. Graziele Gomes, de 40 anos, conta que vendia quentinhas há 4 anos na praça, e que tirava dali o sustento de seus cinco filhos. “Ontem o Exército este aqui e me deu rosas pelo Dia da Mulher. Hoje, eles vieram com a Seop e arrancaram meu sustento do nada. Sou mãe de cinco filhos e tirava daqui o dinheiro do meu aluguel. Agora meu sonho acabou – disse, chorando”. Alguns analistas estão dizendo que Vila Kennedy ocupada está servindo como um “laboratório” da intervenção federal no Rio. Este episódio de violência e desrespeito aos moradores na Praça Miami, convenhamos, não contribui em nada para a imagem das “experiências” do tal “laboratório”.
“Por volta das 9h”, conta a mesma moradora citada acima, “recebi uma ligação avisando que a Seop estava na praça demolindo todas as barracas”. “Quando cheguei, estavam derrubando tudo. Só consegui salvar algumas mercadorias e a geladeira. Agora não tenho ideia do que vai ser da minha vida. Arrancaram minha dignidade. O que vou dizer para meus filhos hoje, quando eles pedirem comida?”, questionou ela, que também alimentava as crianças com as comida vendida nas quentinhas.
Após a repercussão negativa da operação, o prefeito Marcelo Crivella tentou se esquivar e divulgou uma nota culpando os seus funcionários e “repudiando” os excessos. Ele disse ter constatado que “houve uso desproporcional da força, atingindo também desnecessariamente trabalhadores”. Disse isso, mas não explicou como os seus funcionários iriam fazer essa operação de despejo sem o uso da força. O texto da nota diz que, além das irregularidades no comércio, havia denúncias de atividades criminosas tais como venda de drogas e de carga roubada. Este fato não justificaria a derrubada dos quiosques. A prefeitura tentou justificar a truculência também dizendo que a operação teria sido um pedido da Polícia Militar.
Após destruir tudo, a Secretaria Municipal de Fazenda do município informou cinicamente, em nota, que será feito um sorteio para garantir a licença dos comerciantes interessados. “Eles passarão a trabalhar em módulos padronizados, que garantem a organização do espaço público e o direito de todos os cidadãos que o frequentam”, diz a nota.
Depois que viu que estava sendo usado como “Guarda Pretoriana da Prefeitura” [tropa que fazia a segurança pessoal do imperador romano], o Comando Conjunto, que reúne as forças armadas e as agências federais envolvidas na intervenção, disse que estava ciente da operação, mas que ela foi desenvolvida por iniciativa exclusiva da prefeitura. É verdade, foi a Prefeitura que tomou a iniciativa de destruir os quiosques, mas contou com o respaldo dos militares. Tanto que, na nota, o Exército reconhece este fato: “Eles aproveitam a estabilidade da área, fornecida pela presença das tropas, para ações de organização do espaço urbano”, justificou.