“Caímos porque incomodamos Nabhan Garcia e seu grupo”, disse um dos demitidos do Incra
O general João Carlos de Jesus Corrêa, que ocupava a presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) até o início deste mês (1°), afirma “haver organizações criminosas” instaladas no órgão e denuncia que o secretário do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, “opera em favor de interesses escusos”.
O general escreveu essas palavras em sua carta de despedida, repassada através do Whatsapp para um grupo restrito de funcionários do Incra, segundo divulgou a revista Crusoé.
Corrêa foi demitido com mais três militares que ocupavam funções no órgão por conta da pressão de ruralistas que estavam insatisfeitos com o general e sua equipe, que acelerava o processo de regularização fundiária que está sendo encaminhado pelo atual governo (v HP 30/09/2019, Para contemplar miliciano da UDR, Bolsonaro demite general Jesus Corrêa do Incra).
Segundo interlocutores, a demissão de Corrêa foi acertada entre Jair Bolsonaro, Tereza Cristina a pedido de Nabhan Garcia, em uma reunião realizada na tarde da última segunda-feira.
O general relata no texto da carta que os militares demitidos estavam “contrariando interesses”. Que eles passaram a ser “pedra no sapato” no momento em que começaram a confrontar as “organizações criminosas” que atuavam e ainda atuam no Incra nos estados.
“O motivo da saída da nossa equipe do INCRA é simples… Levei um grupo qualificado para uma tarefa de saneamento de um órgão que era um esgoto. Realizamos uma boa parte desta tarefa. Estávamos iniciando a parte mais complexa, ao atacar as 30 superintendências do INCRA, onde há, em algumas delas, verdadeiras organizações criminosas instaladas”, escreveu o general Jesus Corrêa. Na carta, o general afirma que esses grupos criminosos atuam “há muito tempo nas superintendências” do Incra.
O coronel da reserva Marco Antônio dos Santos, que foi demitido junto com Corrêa, revelou à revista as pressões que o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, fazia sobre o comando do Incra, para atender a seus próprios interesses e aos de outros amigos.
MINISTRO
O coronel relata que Nabhan vinha pressionando o Incra para regularizar terras, fazendas para gente ligada a ele. “Caímos porque incomodamos Nabhan Garcia e seu grupo, que é um pequeno segmento da bancada ruralista [no Congresso]. Eles julgavam que nós não estávamos atendendo às titulações de terras que ele pedia. Sempre queria que titulasse fazenda e etc. Nunca disse para titular as pessoas assentadas em programas de reforma agrária”, disse o ex-diretor de Gestão Estratégica do Incra.
Santos relata que Nabhan – que gosta de dar conhecimento a todos que é amigo de Bolsonaro – pedia para ser chamado de ministro e que sempre ligava para ele questionando o que os militares estavam fazendo.
“Eu dizia: ‘trabalhando’. Eu dizia: ‘isso não pode ser feito assim’. Tem que haver o devido processo legal”. “Ele [Nabhan] falava não. Eu falava: ‘ministro, a questão será analisada tecnicamente’”. O coronel explica que Nabhan queria que “titulasse [às terras]. Saía por aí dizendo que o Incra precisa titular. Que éramos lentos (…). Era alguém que queria resolver o problema do grupo que ele representava (…)”, denunciou o coronel da reserva Marco Antônio dos Santos.
Na quarta-feira (2), o economista José Líbio de Moraes Matos, que é servidor de carreira do Incra, foi nomeado presidente substituto do órgão, no lugar do general Jesus Corrêa.
Líbio tem seu nome vinculado no caso do Massacre de Eldorado de Carajás, onde 19 sem-terra foram mortos por policiais militares no Pará, em 17 abril de 1996, numa rodovia. Na época, ele era superintende do Incra em Marabá, que emitiu laudo considerando a fazenda Macaxeira como produtiva e foi testemunha de defesa no julgamento.
Jesus Corrêa é o segundo general que Bolsonaro demite a pedido de Nabhan Garcia. O outro foi o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, da presidência da Fundação Nacional do Índio, a Funai (v. HP 12/06/2019, Bolsonaro exonera general presidente da Funai a pedido do chefe da milícia rural).
Luiz Antônio Nabhan Garcia é presidente da União Democrática Ruralista (UDR), notória milícia latifundiária cujo objetivo é combater a reforma agrária – e os trabalhadores rurais que não se submetem ao latifúndio e à grilagem. Durante a campanha eleitoral, Nabhan defendeu o aumento do desmatamento na Amazônia e declarou que o Acordo de Paris, sobre as emissões de gás carbônico na atmosfera, “se fosse papel higiênico, serviria apenas para limpar a bunda”.
ANTONIO ROSA
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