
MP resolveu suspender investigações depois que o nome de Jair Bolsonaro apareceu nas escutas envolvendo parentes do miliciano, pistoleiro e ex-chefe do Escritório do Crime
O Ministério Público (MP) mandou interromper as escutas autorizadas no caso do ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras, e do Escritório do Crime, central de assassinatos das milícias, após surgir nelas o nome de Jair Bolsonaro. As informações constam no relatório técnico da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro e foram divulgadas pelo The Intercept Brasil.
Uma das irmãs do miliciano, Tatiana Magalhães da Nóbrega, afirmou em uma ligação feita em fevereiro de 2020 que queriam ligar Adriano a “Bolsonaro”, se referindo ao presidente. Nesse momento houve a decisão de interromper as escutas. A irmã de Adriano falou ao telefone com uma mulher não identificada no dia 14 de fevereiro de 2020. Durante a ligação, Tatiana lamentou uma dificuldade em liberar o enterro do irmão, e alegou que o ex-Bope “tinha muita coisa e mexia com muita gente “. Em seguida, ela citou o presidente da República, Jair Bolsonaro.
Tatiana diz que trouxeram um perito particular para alegar que ele foi assassinado e o perito não pode mexer no corpo “, diz um trecho da ligação interceptada. Em outro pedaço da ligação, a irmã de Adriano da Nóbrega diz que está “a maior confusão” e que o irmão dela não era miliciano. Ele era “bicheiro”.
Nada mais natural que o nome de Bolsonaro aparecesse nestas escutas. Afinal, eles eram muito “amigos” e tinham ligações de muitos anos. Adriano era admirado como um “militar exemplar” por Bolsonaro e seu filho, Flávio.
As ligações de Bolsonaro e Adriano Nóbrega são muito antigas e intensas. Em 2005, em um discurso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro saiu em defesa de Adriano que, segundo ele, teria sido injustiçado ao ser condenado por um assassinato.
Bolsonaro contestou o resultado do julgamento e chamou o militar condenado de “brilhante oficial”. Adriano, à época, já estava associado ao crime, após participar do esquema de segurança na guerra entre bicheiros do Rio de Janeiro. Ele viria a ser expulso da PM e assumiria em seguida o comando da milícia de Rio das Pedras e posteriormente do Escritório do Crime.
Assista ao discurso de Jair Bolsonaro em 2005 em defesa de Adriano
Antes disso, em 2003, o então deputado Flávio Bolsonaro, filho “zero um” de Bolsonaro, prestou duas homenagens à “bravura demonstrada por Adriano Nóbrega”. Uma dessas homenagens foi feita com a Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração do Estado do Rio de Janeiro. E, o fato mais marcante, é que, quando Adriano recebeu a medalha das mãos de Flávio Bolsonaro, ele já estava preso.
Mais adiante, a mãe e a ex-mulher de Adriano, Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Nóbrega, respectivamente, foram contratadas como funcionárias fantasmas no gabinete de Flávio.
Elas recebiam seus salários e devolviam uma parte para Fabrício Queiroz, que operava o esquema de roubo de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio, de dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro. A outra parte era entregue para Adriano Nóbrega.
Essas transações levaram o Ministério Público do Rio a investigar a participação da milícia no esquema da lavagem de dinheiro do gabinete do filho do presidente. Raimunda e Danielle receberam R$ 1 milhão em salários da Alerj e devolveram pelo menos R$ 202 mil, por meio de transferências para a conta de Queiroz, e outros R$ 200 mil ainda não identificados.
Dois meses antes de morrer numa operação de captura da polícia na Bahia, Adriano recebeu uma proposta feita por Luis Gustavo Boto Maia, advogado de Flávio Bolsonaro, e pela mulher de Fabrício Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar. Os dois foram orientados por Frederick Wassef, o “Anjo”, e Fabrício Queiroz antes de se reunirem com a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães em seu esconderijo no interior de Minas Gerais. Os promotores nunca localizaram a mãe de Adriano porque ela se escondeu em Minas Gerais e recebia orientações jurídicas de Queiroz e de Luiz Gustavo Botto Maia.
Os suspeitos de integrar uma organização criminosa responsável pela continuidade dos negócios de Adriano da Nóbrega passaram a ser monitorados em 6 de fevereiro de 2019, dias após a prisão do ex-PM ser decretada durante uma operação Intocáveis.
O MP abriu uma denúncia contra policiais e ex-policiais militares ligados à milícia de Rio das Pedras e da Muzema, ambos recuperados na zona oeste do Rio de Janeiro. Além da irmã do ex-capitão do Bope, outros suspeitos de integrar a rede de proteção de Adriano, integrantes do ‘Escritório do Crime’, também tiveram como escutas interrompidas, como a do vereador de Esplanada, Gilsinho da Dedé (PSL), proprietário do sítio em que Adriano se escondia no dia em que foi alvejado.
S.C.
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A primeira foto indicada como sendo do Adriano da Nóbrega na verdade é de outro miliciano, o Carlinhos Três Pontes.
Tem razão, leitor. Já corrigimos o erro. Como você mesmo notou, confundir um miliciano com outro não é a coisa mais extraordinária do mundo.