“Se essa informação circulasse, matariam o Queiroz dentro da minha casa e ainda colocariam a culpa em mim”, acrescentou Wassef
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada neste domingo (12), o ex-advogado de Flávio Bolsonaro e amigo íntimo da família, Frederick Wassef, que recebeu dos fugitivos que ele escondeu em sua casa, Queiroz e sua mulher, Márcia, o codinome de “anjo”, voltou a afirmar que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa de Atibaia, no interior de São Paulo, para protegê-lo de um possível assassinato. E acrescentou que quem não podia saber o paradeiro do ex-assessor era a família Bolsonaro.
“Nunca comuniquei ao presidente, nem ao Flávio e tenho meus motivos. Acreditava que, se eu comunicasse ao presidente ou ao seu filho, em algum momento alguém mais poderia saber. Que contaria a alguém mais e colocaria em risco a vida do Queiroz. Se essa informação circulasse, matariam o Queiroz dentro da minha casa e ainda colocariam a culpa em mim.” Ou seja, a família Bolsonaro, segundo o “anjo”, não podia saber de jeito nenhum o paradeiro de Queiroz.
Wassef disse com todas as letras que não contou para os bolsonaros sobre o esconderijo de Queiroz porque isso colocaria a vida dele em risco. Nem a família nem o seu “entorno” podia saber de nada, insistiu o anjo.
Que informações são essas que Queiroz possuiria e que colocaria em risco a sua vida?
Que informações são essas que Queiroz possuiria e que colocaria em risco a sua vida? Vejamos. Ele foi operador do esquema de lavagem de dinheiro criado dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro. Em sua conta passaram R$ 7 milhões entre 2014 e 2017, segundo relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Ele comandava funcionários fantasmas que devolviam dinheiro público desviado para o deputado. Ele depositou, segundo o Coaf, um cheque no valor de R$ 24 mil na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A versão de “empréstimo”, dada por Jair Bolsonaro, nunca convenceu ninguém.
Queiroz era também unha e carne com o miliciano e assassino profissional Adriano da Nóbrega, que foi expulso da PM do Rio
Queiroz era também unha e carne com o miliciano e assassino profissional Adriano da Nóbrega, que foi expulso da PM do Rio. Os dois foram julgados juntos por assassinato de um morador de Jacarepaguá em 2003, quando eles eram policiais militares. Por interferência sua, Flávio prestou duas homenagens a Adriano da Nóbrega e Jair Bolsonaro fez um discurso em 2005 elogiando e defendendo o miliciano que já estava preso.
Assim que assumiu a assessoria de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, em 2007, Queiroz levou para o gabinete do então deputado estadual, a mãe e a ex-mulher do “capitão Adriano”, que nesta época comandava a milícia de Rio das Pedras. Adriano se tornaria também chefe do Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos das milicias do Rio de Janeiro.
Segundo o Ministério Público do Rio, Raimunda Veras, mãe de Adriano e Danielle Mendonça, sua ex-mulher, eram funcionárias fantasmas do gabinete de Flávio. Raimunda nunca compareceu à Alerj. Ela era sócia de dois restaurantes no bairro do Rio Comprido em seu nome e de seu filho, Adriano.
Registros bancários de Fabrício Queiroz revelam que o Restaurante e Pizzaria Rio Cap, administrado por Raimunda Veras Magalhães, e o Restaurante e Pizzaria Tatyara, administrado por Adriano da Nóbrega Magalhães, transferiram R$ 69.250,00 para a conta de Queiroz mediante cheques e TED.
Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, segundo o MP, foram efetuados 17 depósitos em espécie na conta de Queiroz no valor total de R$ 91.796,00 na agência Rio Comprido do Banco Itaú, localizada na mesma rua dos restaurantes administrados por Raimunda Veras e por seu filho. Os investigadores estimam que Adriano da Nóbrega possa ter transferido grandes valores para as contas de Fabrício Queiroz.
Registros bancários de Fabrício Queiroz revelam que o Restaurante e Pizzaria Rio Cap, administrado por Raimunda Veras Magalhães, e o Restaurante e Pizzaria Tatyara, administrado por Adriano da Nóbrega Magalhães, transferiram R$ 69.250,00 para a conta de Queiroz mediante cheques e TED
Danielle Mendonça da Costa e Raimunda Veras Magalhães, respectivamente esposa e mãe de Adriano da Nóbrega, receberam um total de R$ 1,029 milhão em salários na Alerj, sem trabalhar, segundo a investigação. Deste montante, o total repassado por Danielle e Raimunda “direta ou indiretamente” para a conta bancária de Fabrício Queiroz chegou a R$ 203.002,57, o equivalente a 19,7% dos salários, de acordo com o MP.
Outra parte do dinheiro era repassado para Adriano. Para os investigadores, estas movimentações financeiras são indícios muito fortes de que o gabinete de Flávio lavou dinheiro para a milícia do Rio através da conta de Fabrício Queiroz.
Dois fatos revelam que Queiroz tinha total conhecimento de todas as operações. Um deles é que, assim que estourou o escândalo envolvendo seu nome e o de Flávio Bolsonaro no desvio de dinheiro público da Alerj, ele exonerou Danielle Mendonça do gabinete. Apesar de ter ficado mais de uma década lotada no gabinete de Flávio na Alerj – 6 de setembro de 2007 a 13 de novembro de 2018 – Danielle Mendonça nunca teve crachá na Alerj. O salário dela era de R$ 6.490,35.
A íntegra da conversa entre Queiroz e a mulher de Adriano, quando ela perdeu o cargo, foi extraída do celular de Danielle, apreendido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”.
De acordo com o Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), assim que tudo veio à tona, Adriano Nóbrega fez contato com Danielle por Whatsapp no dia 29 de dezembro de 2018 – período no qual já estava foragido e com a investigação do Caso Queiroz já em curso. Disse a ela que não daria para segurá-la no gabinete, mas veria o que poderia fazer para ajudar.
Em mensagem apreendida, Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete.
Na mensagem de Fabrício Queiroz para a mulher de Adriano, Danielle Mendonça, Queiroz diz:
“sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão.” “Estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada.
Na mensagem de Fabrício Queiroz para a mulher de Adriano, Danielle Mendonça, Queiroz diz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão.” “Estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”. Danielle Mendonça acabou sendo exonerada
Em uma conversa com uma amiga em janeiro de 2019 Danielle admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava. Disse ela: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”. O MP afirmou que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido (Adriano) quem arrumou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj.
O outro fato que demonstra que, mesmo depois de sair do gabinete de Flávio, Fabrício Queiroz continuava manobrando para encobrir os crimes cometidos por ele e pelo então deputado estadual, Flávio Bolsonaro. É que por ordem dele, Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, foi orientada a fugir do Rio de Janeiro para não comparecer aos depoimentos junto ao Ministério Público do Rio, órgão responsável pelas investigações.
Ela acabou indo para uma cidade do interior de Minas Gerais, onde se encontra até hoje. A ordem de Queiroz é que ela não voltasse ao Rio de Janeiro.
Mãe de Adriano foi orientada por Queiroz a fugir do Rio de Janeiro para não comparecer aos depoimentos junto ao Ministério Público do Rio
Queiroz não só orientou a mãe de Adriano a se esconder em Minas Gerais e desaparecer do Rio, para não comparecer ao MP-RJ, como também levou, já em 2019, a ex-funcionária fantasma, Luiza Souza Paes, que já vinha sendo orientada por Queiroz a não comparecer ao MP, para assinar na Alerj uma folha de ponto de 2017.
Esta pressão sobre as testemunhas por parte de Queiroz veio à tona por conta de interceptações pela polícia de conversas entre os investigados. Foi o principal motivo que levou o juiz Flávio Itabaiana Leonel, responsável pelo processo, a decretar a prisão do casal, Queiroz e Márcia.
Depois, Queiroz participou de uma reunião com Frederick Wassef e Luis Gustavo Boto Maia, em Atibaia, em 2 de dezembro de 2019, onde foi preparada uma proposta para ser levada a Adriano da Nóbrega, que nesta altura estava foragido da polícia.
Dois dias após a reunião, em 4 de dezembro de 2019, Márcia Oliveira, mulher de Queiroz, envia uma foto da reunião com a mãe de Adriano e Luis Gustavo Boto Maia, que era advogado de Flávio, na cidadezinha de Astolfo Dutra, no interior de Mias Gerais. Não há muita informação de que proposta foi enviada a Adriano por intermédio de sua mãe, mas o que ficou acertado é que Paulo Emílio Catta Preta, ligado à ex-mulher de Wassef, e, por coincidência, o mesmo que hoje defende Queiroz, assumiria a defesa do miliciano. Dois meses depois dessa reunião, Adriano foi morto no interior da Bahia.
Paulo Emílio Catta Preta, ligado à ex-mulher de Wassef, o mesmo que hoje defende Queiroz, assumiria a defesa do miliciano. Dois meses depois dessa reunião, Adriano foi morto no interior da Bahia
Possuidor de todas essas informações, tendo participado do desmonte do gabinete de Flávio recheado de funcionários fantasmas, que garantia a lavagem do dinheiro, tendo íntimas relações com Adriano da Nóbrega, e ainda ter participado da preparação desta reunião com a mãe dele para que ela levasse a proposta do grupo até o miliciano, Queiroz realmente tem muita coisa a esconder.
Se ele abrir a boca, vai atingir muita gente importante. Foi o próprio Frederick Wassef quem chamou a atenção para o perigo que Fabrício Queiroz corre fora da cadeia. E, nesta última entrevista, fez questão de destacar que a família Bolsonaro não podia saber de nada sobre o paradeiro de Queiroz para não colocar sua vida em risco.
O que Wassef quis dizer com isso é que, para bom entendedor, meia palavra basta. Nessa caso, porém, o que ele disse mesmo foi praticamente uma palavra inteira. Ou seja, o Queiroz que se cuide.
SÉRGIO CRUZ