
Servidores que denunciaram a fraude em 2020 foram ameaçados e depois tirados da fiscalização
Mais informações divulgadas neste sábado (17) revelam que não foi só a farra dos descontos fraudulentos de segurados do INSS que começou durante o governo Bolsonaro. Vieram junto as ameaças a servidores do órgão que denunciaram e tentaram interromper o desvio criminoso. A direção do instituto à época, ao invés de proteger seus servidores, deu guarida aos golpistas.
Há registros, segundo reportagem da TV Globo” de sábado (17), de funcionários que, há cinco anos, denunciaram a fraude e passaram a sofrer ameaças. Elas começaram logo depois que eles descredenciaram associações irregulares. Em setembro de 2020, a mãe de um servidor do INSS recebeu uma mensagem no celular, diz a reportagem. O texto pedia o endereço do filho para “fazer uma surpresa”.
Três dias depois, outro servidor do INSS também recebeu outra ameaça pelo celular. “Estamos de olho”, dizia a mensagem, que também citava o nome da mãe dele, o modelo do carro dela e dois endereços do servidor. Esse servidor era, segundo a reportagem, o mesmo que já tinha feito uma denúncia de irregularidades à Polícia Federal. Dois inquéritos foram abertos, mas as investigações foram transferidas para a PF no Paraná, já que o número de telefone de onde partiram as ameaças era de lá.
Os servidores ameaçados atuavam para combater fraudes contra aposentados por meio de descontos ilegais na folha de pagamento. Eles procuraram a Polícia Federal. Em um dos depoimentos, o servidor listou dez entidades que foram descredenciadas em 2019 e 2020 por conta de irregularidades. Numa das denúncias o servidor diz:
“Em decorrência de decisões proferidas em processos administrativos de apuração de irregularidades, foram encerrados 3 acordos”. No depoimento, o servidor listou dez entidades que foram descredenciadas em 2019 e 2020 por conta de irregularidades.
E prosseguiu: “Nos últimos dois meses, outros dois foram suspensos, situação que reflete diretamente no repasse financeiro das entidades acordantes.” E sobre as ameaças recebidas, ele registrou: “considerando que as mensagens contêm informações acerca da minha atividade profissional e o interesse em minha exata localização, temo que as ações tenham como objetivo causar intimidação ou coação.”
Outro servidor do INSS disse à PF que estavam “reforçando um trabalho de controle e que acredita que as mensagens, que ameaças claras, seriam decorrentes do trabalho de suspensão e/ou cancelamento de referidos acordos”. Um mês depois das ameaças, o então presidente do INSS, Leonardo Rolim, editou uma portaria que transferiu essa atribuição de fiscalização para outro setor.
As mudanças tiveram o objetivo de manter o esquema. A partir de outubro de 2020, 24 novas entidades foram credenciadas e outras seis, que tinham sido descredenciadas, foram reabilitadas. Segundo O Globo, dados do Portal da Transparência mostram que essas novas associações, juntas, foram aumentando exponencialmente os descontos. Em 2020, descontaram R$ 36 milhões. Em 2024, R$ 2,4 bilhões. Entre janeiro e março de 2025, foram R$ 655 milhões. Ao todo, essas entidades receberam R$ 4,3 bilhões.
Os inquéritos foram encerrados. Mesmo após o relato dos servidores, a Polícia Federal não ouviu representantes das associações e não realizou nenhuma diligência no INSS e nem nas entidades. O inquérito que levou à Operação Sem Desconto, que revelou várias irregularidades nessas entidades, só foi aberto em abril de 2024. O ex-presidente do INSS, Leonardo Rolim, disse que as mudanças ocorreram no processo de reestruturação do INSS e que ele deixou a presidência do instituto em 2022 e não sabe o que aconteceu com os contratos depois disso.