Para o economista, as pessoas que estão afirmando que o Brasil vive uma crise fiscal, “não estão falando em nome da ciência, não estão falando em nome do interesse público, elas estão falando em nome de mais de R$ 700 bilhões que são transferidos de toda a sociedade brasileira para os rentistas”
Segundo o economista José Luis Oreiro, o que está acontecendo nos últimos dias com a disparada do dólar “é, claramente, um ataque especulativo contra o real”.
“Atribuir a desvalorização do real frente ao dólar às falas do presidente Lula, é achar que o Brasil está sozinho no mundo”, disse o professor da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista ao HP.
“A desvalorização das moedas da América Latina é um fenômeno geral, não está restrita ao Brasil. No mês de junho, houve uma desvalorização forte das moedas dos países latino-americanos contra o dólar. Inclusive, o peso mexicano e a moeda da Colômbia se desvalorizaram mais do que o real”.
Segundo Oreiro, “a inércia atual do Banco Central é o que está possibilitando ao mercado ficar brincando com a taxa de câmbio”.
“Isso só é possível porque o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, que aliás está de férias desde o dia 28 de junho, e o seu substituto Gabriel Galípolo decidiram não intervir no mercado de câmbio”, enfatiza.
O economista ressalta que todos os bancos centrais do mundo intervêm em defesa de suas moedas. Oreiro afirma que a falta de ação dos diretores do BC contra a especulação do câmbio “contraria o que diz a teoria econômica e a melhor experiência Internacional”. Ele cita o “episódio da crise do euro em 2012, em que houve um forte ataque especulativo contra a Espanha e a Itália por parte do mercado financeiro europeu, que acreditava que a Espanha e Itália, por conta de um alto endividamento público, seriam obrigadas a abandonar o euro”.
“Qual foi a reação do Banco Central Europeu? Foi a mesma do Banco Central do Brasil, de dizer, isso aqui não é comigo, esses países que se danem? Não! Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu [2011 a 2019], naquele momento, fez a seguinte declaração: ‘o Banco Central Europeu fará tudo o que for necessário para garantir a manutenção do euro e, acreditem, será mais do que suficiente’.
“Após essa declaração, as taxas de juros dos títulos soberanos da Itália e da Espanha despencaram. Ou seja, acabou o ataque especulativo”, comentou Oreiro.
INÉRCIA DO BC
Oreiro cita o que se chama, nessa situações, de “profecias autorrealizáveis”. “Se os agentes acham que o câmbio vai se desvalorizar, então, eles vão comprar dólares e o câmbio se desvaloriza, o que confirma as expectativas iniciais e dá incentivo para uma nova onda especulativa a respeito de novas desvalorizações do câmbio”.
“O Banco Central tem que intervir pesado, primeiro dizendo que ele tem condições de intervir e que é um movimento puramente especulativo e que quem apostar contra o real vai perder dinheiro”, defende.
De acordo com Oreiro, o BC tem vários mecanismos para intervir no mercado de câmbio, o primeiro, mais simples, é vender reservas. “Nós temos quase 400 bilhões de reservas internacionais. Em momentos de alta do dólar, que não tem razão nos fundamentos, que é o que está acontecendo agora”, diz.
“Se a gente olhar o prêmio de risco país, medido pelo Emerging Markets Bond Index Plus (EMBI+) do JP Morgan ou pelos contratos de CDS, o prêmio de risco Brasil está abaixo dos níveis prevalecentes em 2021 e 2022. “Nós temos exportações recordes, devemos fechar o ano de 2024 com mais de 100 bilhões de dólares de saldo da Balança Comercial; o investimento direto produtivo que está entrando na economia brasileira é mais do que suficiente para financiar o nosso déficit em conta corrente – que também está abaixo, está menos de 2% do PIB”, constata Oreiro, que continua.
“A inflação está sob controle. As projeções do boletim Focus do BC, sobre o qual pairam suspeitas de manipulação, são de que a inflação em 2024 será de 4%, portanto, confortavelmente, dentro da banda de tolerância do regime de metas de inflação, que é até 4,5%. A expectativa de inflação, segundo o boletim Focus, para 2025 é de 3,87% menor do que a de 2024. O déficit primário vai estar bem menor do que foi no passado. Não vai ser exatamente 0%, mas não vai ser um número alto. Então, o déficit primário está caindo”, completou.
“Não existe nenhuma razão para esse comportamento da taxa de câmbio. Não tem fundamento, então é o caso do BC intervir, pode intervir com venda de reservas, venda de swap cambial e pode intervir com controle de capitais, impondo um imposto de IOF sobre a saída de capitais de residentes do Brasil, o oposto dos não residentes que estão botando dinheiro no Brasil. Isso é um ataque especulativo. É o momento do Banco Central usar um instrumento adequado para lidar com isso que é o controle à saída de capitais”, prosseguiu.
Crítico da prática de juros altos do Banco Central (BC), Oreiro enfatiza que não há crise fiscal no Brasil. “A dívida pública bruta em proporção ao PIB no Brasil está em 78%, quando a dos Estados Unidos passam 120%”. Segundo ele, após a crise de 2008 e da Covid em 2020, todas os países aumentando o seu endividamento com o fim de financiar as suas economias.
Para o economista, as pessoas que estão afirmando que o Brasil vive uma crise fiscal, “não estão falando em nome da ciência, não estão falando em nome do interesse público, elas estão falando em nome de mais de R$ 700 bilhões que são transferidos de toda a sociedade brasileira para os rentistas”. Segundo dados do BC, em doze meses até maio de 2024, R$ 781,6 bilhões foram gastos com os juros da dívida pública.
Oreiro defende pôr em lei que o real seja a única moeda em todos os contratos vigentes na economia brasileira.
“É uma proposta que fiz num livro que foi publicado no ano passado. Um capítulo, que eu escrevi com o professor Júlio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, em que a gente propõe terminar a tarefa inacabada do Plano Real, que é eliminar todos os mecanismos de indexação ainda prevalecentes na economia brasileira. Isso significa pôr em lei que o real tem que ser a única unidade de conta de todos os contratos vigentes na economia brasileira. Se a gente fizer isso, nós vamos reduzir a inércia inflacionária e, então com uma dosagem menor de juros, nós vamos conseguir manter a inflação na meta”.
O economista destaca, ainda, que a desvalorização das moedas dos países latino-americanos está sendo “produzida pela incerteza do comportamento da taxa de juros dos EUA”. De acordo com Oreio, com os dados do desempenho do mercado de trabalho dos Estados Unidos, que foram divulgados ao longo do ano de 2024, criou-se expectativas de que o Banco Central Americano (FED) não irá reduzir os juros este ano.
“Como o mercado americano é o maior mercado do mundo, isso funciona como um grande aspirador de pó que suga a liquidez dos mercados mundiais em direção aos Estados Unidos. Isso é particularmente mais forte nos países da América Latina, que são economias menores, mais frágeis, etc.”, diz o professor da UnB.
ANTONIO ROSA