
Os 21 anos de ditadura, impostos ao Brasil em 64 para deter o crescimento autônomo e independente do país, interromperam o grande projeto nacional de desenvolvimento iniciado em 1930
A afirmação de Lula, manifestada nesta segunda-feira (31), quando se completam 61 anos do golpe de 1964, de que “não há, fora da democracia, caminhos para um Brasil mais justo e menos desigual”, expressa bem o sentimento da sociedade brasileira recusa ataques à sua liberdade.
Este sentimento da população manifestou-se intensamente no repúdio geral à tentativa de ruptura democrática levada a cabo por Jair Bolsonaro e seus cúmplices no final de seu governo.
“Não existe um verdadeiro desenvolvimento inclusivo sem que a voz do povo seja ouvida e respeitada. Não existe justiça sem a garantia de que as instituições sejam sólidas, harmônicas e independentes”, escreveu o presidente em suas redes sociais. Para Lula, o 31 de março é um dia para recordar a “importância da democracia, dos direitos humanos e da soberania do povo para escolher nas urnas seus líderes e traçar o seu futuro”.

Os 21 anos de ditadura, impostos ao Brasil para deter o crescimento autônomo e independente do país, interromperam o grande projeto nacional de desenvolvimento iniciado em 1930. A força deste projeto era tamanha que nem o arbítrio mais truculento e a subserviência mais abjeta aos ditames do governo dos EUA conseguiram deter o avanço econômico do país.
Até mesmo Henry Kissinger, secretário de Estado americano, chegou a alertar o seu governo sobre a ameaça brasileira, que foi expressa pelo fato do Brasil ter sido o país que mais cresceu no mundo capitalista entre 1930 e 1980: “Não podemos permitir um novo Japão ao sul do Equador”, disse ele.
Baseado nesta orientação, foram se alternando no país períodos de interferência política direta, como ocorrera em 1964, com ferozes chantagens econômicas para impedir o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. Apesar de termos conseguido, como disse Lula, derrotar o arbítrio que infelicitou o país por um longo tempo, não fomos capazes de impedir que a nova ofensiva imperialista, do final da década de 1980 e início de 1990 – agora no terreno econômico -, impusesse ao país a fatídica política neoliberal.
O presidente Lula lembrou os 40 anos da redemocratização, cujo marco foi a posse de José Sarney em março de 1985. “Há 40 anos, vivemos em um regime democrático e de liberdades, que se tornou ainda mais forte e vivo com a Constituição de 1988. Esta é uma trajetória que, tenho certeza, continuaremos seguindo. Sem nunca retroceder”, disse Lula.
Intensas manifestações populares impediram que a primeira versão neoliberal – de Collor de Mello – se consolidasse, e ele foi destituído do governo. A versão mais camuflada do neoliberalismo, que veio depois, capitaneada por Fernando Henrique Cardoso, foi desastrosa para o país e o seu desenvolvimento. O lema de FHC era destruir a “Era Vargas”. Com um arremedo de democracia, ele torrou o patrimônio público, atacou direitos trabalhistas e previdenciários e desmontou o Estado.
Os governos Lula representaram uma resistência a essa política, principalmente na questão das privatizações. No entanto, aspectos cruciais da política neoliberal, implantada por FHC, como as restrições fiscais e as políticas monetária e cambial antinacionais, foram mantidas e afundaram a economia do país na segunda década deste século. Este quadro dramático para a população brasileira, que viu as indústrias e os empregos de qualidade desaparecerem, frustrou a esperança de um futuro melhor e abriu espaço para o surgimento da demagogia fascista de Bolsonaro & Cia.
Como todo o fascismo, apesar de sua demagogia e de se apresentar como solução para a crise, seu intento real, como se viu depois, era implantar novamente uma ditadura sanguinária e entreguista.
O terceiro mandato de Lula foi uma barreira imposta a esses planos. Nada mais natural que Lula alerte a sociedade, como ele está fazendo agora, para a importância da luta pela democracia. Uma democracia que se consolida à medida que não seja apenas limitada a eleições periódicas, mas que garanta bem-estar para a maioria da sociedade e não apenas para os poucos endinheirados.
Junto com Lula, outros integrantes do governo também se manifestaram neste 31 de março e criticaram a pretensão absurda dos bolsonaristas de anistiar os golpistas de 2022. “É preciso relembrar para não repetir! O Golpe Militar aconteceu há 61 anos, mas hoje ainda precisamos lutar firmemente em defesa da democracia, contra o extremismo e pela justiça. Ditadura nunca mais. Democracia sempre. Sem anistia”, afirmou Rui Costa, chefe da Casa Civil do governo.
Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais, também se manifestou. Ela lembrou que a ditadura “cerceou direitos e garantias, perseguiu, prendeu e matou opositores”. “É importante recordar esse período nos dias de hoje, em que estão sendo levados a julgamento os comandantes de uma nova tentativa de golpe, incluindo um ex-presidente da República tornado réu”, disse Gleisi.
A ministra também destacou a “resistência” e o “sacrifício” para restaurar a democracia, com o fim do governo de João Figueiredo (1979-1985) e a Assembleia Constituinte que aprovou em 1988 a atual Carta Magna do país. Ela citou Rubens Paiva, assassinado por agentes do Estado durante a ditadura e defendeu punir os extremistas de 8 de janeiro e os envolvidos na tentativa de golpe para barrar o terceiro mandato de Lula.
Também em uma rede social, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que esta segunda-feira (31) não é um dia para fazer exaltação ao golpe de 1964, mas para celebrar a democracia e a Constituição de 1988.
“Há 61 anos, direitos fundamentais foram comprometidos no Brasil: era o início da ditadura militar, que perdurou por 21 anos. A redemocratização veio com participação popular e uma Assembleia Constituinte, que elaborou a Constituição Federal de 1988 – a Lei Maior, que restabeleceu garantias, o direito ao voto, a separação dos Poderes, princípios e diretrizes para reger o Estado Democrático de Direito”, diz a postagem do STF.
SÉRGIO CRUZ