‘Não por estar preso, mas por ser condenado que Lula é inelegível’
Para procurador Maurício Gerum, assessores da ONU partiram de premissa errada
Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse à imprensa que a declaração do Comitê de Direitos Humanos da ONU, a favor de que Lula seja candidato, tem, para o Judiciário brasileiro, a mesma força que “uma ata de reunião de condomínio”.
Outro ministro, também do STF, disse que esse comitê da ONU – na verdade, um grupo de assessores – “não tem poder para revogar a lei da ficha limpa”. Afinal, disse o ministro, por que Lula seria diferente das centenas, talvez milhares de indivíduos, que, por estarem condenados em segunda instância, foram, pela lei da ficha limpa, impedidos de se candidatar?
No entanto, o PT, dentro em breve, estará defendendo uma intervenção militar da ONU no Brasil para que Lula seja candidato a presidente.
Claro, leitor, é ridículo – porque é uma palhaçada. Mas, o que se pode depreender dos berros da cúpula do PT, de que as decisões desse grupo de assessores da ONU sobre Lula são “obrigatórias”, “mandatórias”, etc., para a Justiça do Brasil, mesmo que contra a lei?
Por essa lógica, por que não defender que a ONU mande tropas para cá? Caso contrário, de que valeria esse suposto caráter “obrigatório”, “mandatório”?
Reduzindo a questão à sua expressão mais simples: o problema da cúpula petista (e não somente dela, vide o apoio do presidente do PP, Ciro Nogueira, a Lula, e a defesa da candidatura deste por Cunha) é voltar a roubar. Por isso querem Lula outra vez na Presidência. Daí, o desespero atual.
Pois a outra alternativa é ir, pelo roubo já cometido, para o mesmo lugar onde já está o chefe: a cadeia.
Certamente, se isso não for possível, como já dissemos aqui, Lula & cia. preferem que Alckmin chegue ao Planalto, do que qualquer candidato com um programa popular e nacional.
Com Alckmin também acossado pela Lava Jato, estaria feito o acordão, acreditam eles, para soltar Lula e livrar a trupe da cadeia.
Porém, com a gritaria de que o Brasil tem de se submeter a uma força externa para que Lula volte a roubar e a deixar roubar, o PT abandonou de vez qualquer máscara “nacional” – e se apresenta como aquilo que é: um magote de colonizados e serviçais, sem raízes verdadeiras no país. Tanto assim que acha legítimo impor a violação das leis brasileiras a partir de fora do Brasil.
Como se o papel da ONU fosse intervir em um país-membro para que um criminoso, inelegível pela lei do país, possa ser candidato – e que se dane o Judiciário.
Mesmo que fosse o Conselho de Segurança, ou a Assembleia Geral da ONU, não seria justo nem legítimo.
Mas é claro que o órgão em que o PT conseguiu uma declaração – aliás, pífia – não é o Conselho de Segurança nem a Assembleia Geral. Portanto, o que estão fazendo é deixar a ONU em má situação dentro do Brasil, como se a organização fosse contra a lei e a Justiça.
A declaração que o PT quer impor à Justiça foi emitida, como dissemos, por um grupo de assessores, um órgão daqueles que existem aos montes na ONU, sem nenhum poder para mandar nos países, até porque não é composto por representantes de países.
Esse órgão não é previsto pela Carta da ONU, mas pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado por Collor em 1992. No artigo 28, esse Pacto institui o comitê, com o seguinte caráter: “Os membros do Comitê serão eleitos e exercerão suas funções a título pessoal” (v. texto em português).
Os seus membros, portanto, não representam países. Sua função é examinar “relatórios de Estados partes”, a pedido do secretário geral da ONU (art. 40 do mesmo Pacto). Nas palavras da própria ONU: trata-se de uma reunião de “peritos independentes” (cf. a nota do próprio comitê).
É um órgão que nem mesmo tem como se comunicar, por si próprio, com o mundo exterior. Para divulgar sua nota sobre Lula, teve que recorrer ao Escritório de Direitos Humanos da ONU, que a divulgou com a seguinte observação:
“É importante notar que embora esta resposta tenha sido fornecida através do Escritório de Direitos Humanos da ONU, é uma decisão do Comitê de Direitos Humanos, que é formado por peritos independentes. Esta resposta deve ser atribuída ao Comitê de Direitos Humanos” (“It is important to note that although this response is being provided through the UN Human Rights Office, it is a decision of the Human Rights Committee, which is made up of independent experts. This response may be attributed to the Human Rights Committee”).
Em suma, o Escritório de Direitos Humanos (ACNUDH – iniciais de Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) fez questão de ressaltar que nada tem a ver com essa “resposta”.
Trata-se, portanto, de uma fraude. O PT usou um órgão quase completamente sem importância da ONU para tentar passar por cima da lei dentro do Brasil.
É algo tão ridículo que os juízes – incluídos os desembargadores e ministros dos tribunais superiores – não perderam tempo com o assunto, exceto um ou outro comentário, em geral, jocoso.
E não é para menos. A declaração dos assessores da ONU fala em que “o Brasil tome as medidas necessárias para garantir que Luís Inácio Lula da Silva possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018”.
Como notou o procurador Maurício Gerum, que denunciou Lula, no processo perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), “não é porque Lula está preso que ele não pode concorrer à Presidência, mas porque possui uma condenação criminal confirmada em segundo grau”. O grupo, arrumado pelo PT na ONU, ignora a lei da ficha limpa, “cuja constitucionalidade já foi afirmada pelo STF”, frisou o procurador, e “nada tem que possa ser visto como atentatório aos direitos humanos. Ao contrário. Representa inequívoca evolução do sistema eleitoral brasileiro, constituindo ainda importante mecanismo de aprimoramento na luta contra a corrupção”.
Uma das funções do Escritório e do Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU é, exatamente, ajudar os países membros da organização a combater a corrupção. Quanto ao comitê que emitiu a declaração sobre Lula, não acha isso muito importante…
Tanto é assim que, em seguida, diz a nota do grupo: “Esta decisão não significa que o Comitê tenha encontrado algum tipo de violação ainda – é uma medida urgente para preservar os direitos de Lula, já que o caso aguarda consideração de mérito, o que acontecerá no próximo ano”.
Pois o Judiciário brasileiro já encontrou mais de uma violação por parte de Lula – e o condenou, duas vezes, o que o torna inelegível, por corrupção passiva e lavagem. Os direitos de Lula estão, portanto, preservados. Como já disse um filósofo, ele está exercendo o direito de cumprir sua pena, de acordo com as leis do Brasil.
Nisso, ele tem sorte. Se fosse nos EUA, seria preso e estaria inelegível logo após a condenação em primeira instância. Porém, não se conhece decisão desse grupo da ONU sobre nenhum preso norte-americano que deseje concorrer à presidência ou a qualquer outro cargo eletivo…
O procurador Gerum aponta, com razão, que o grupo da ONU não poderia tomar qualquer decisão sem consultar o Brasil sobre a situação de Lula: “Além de violar caros princípios constitucionais como a independência do Poder Judiciário e o devido processo legal, não é a isso que se prestam os organismos internacionais”.
Gerum deu seu parecer em razão do pedido da defesa de Lula de que ele possa ser entrevistado, na prisão, como candidato.
“É de certa forma irônico”, diz o procurador, “que Lula, que na sua vida política sempre procurou levantar a bandeira da igualdade social, enfatize sua condição de ex-presidente para obter benefícios muito particulares, sem qualquer previsão legal. É nítido que se considera um preso diferenciado, com direitos que vão muito além àqueles normalmente outorgados aos detentos em geral”.
CARLOS LOPES