
O ouvidor das polícias de São Paulo, Mauro Caseri, afirmou em nota que o policial militar que matou o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, na zona sul de São Paulo, com um tiro na cabeça, agiu de forma dolosa e defendeu que “não se mata por engano”. “A intenção era atirar”, destacou.
“Procedimento da PM determina três estágios nestes casos: identificar, decidir e agir. O policial desrespeitou essa sequência, agindo antes de identificar, vitimando mais um inocente, num crime de natureza dolosa, que feriu de morte, com um tiro pelas costas, o trabalhador negro, deixando ferida ainda mais uma pessoa, numa clara demonstração de que não se ‘mata por engano'”, afirmou em nota.
Guilherme foi atingido enquanto corria em direção ao ponto de ônibus. “De certo modo, o tiro atingiu a Bíblia, a marmita e a vida do marceneiro. Ceifou a fé, a profissão e o futuro de Guilherme Dias Santos Ferreira, 26, trabalhador brasileiro que entra para uma triste estatística que precisa ter fim, com um sistema de segurança que se paute pela defesa da vida e dos direitos fundamentais de nossos cidadãos”, declarou.
Segundo a SSP (Secretaria de Segurança Pública), o policial militar, Fábio Anderson Pereira de Almeida, teria confundido Guilherme, um homem negro que trabalhava em uma fábrica de camas, com um assaltante. A vítima havia acabado de sair do trabalho e estava a caminho de um ponto de ônibus. Ele carregava carteira, celular, um livro e uma marmita.
Testemunhas e colegas de trabalho afirmam que a vítima saiu do trabalho às 22h28, cerca de sete minutos antes do crime, ocorrido às 22h35. Um colega da mesma empresa onde ele trabalhava Guilherme apresentou imagens com registro do ponto eletrônico que confirmam o horário de saída
Em entrevista à TV Brasil, o Marcos Caseri afirma que “não dá para aceitar que um policial militar, mesmo tendo sido vítima de uma tentativa de roubo minutos antes, aja da maneira como agiu. “Tem uma um protocolo que ele precisa identificar, decidir e agir. Se ele faz uma identificação mal feita como fez, se ele não tem a certeza, ele não pode [agir]. A decisão deveria ser não agir”, disse.
RACISMO
O componente racial parece ser um determinante importante para a ação do policial que, ao avistar um homem negro nas proximidades de onde acabava de sofrer um tentativa de assalto, atirou sem abordá-lo, sem dar voz de prisão, sem qualquer possibilidade de um final diferente nessa história, uma vez que, ainda que fosse o assaltando, um tiro na cabeça tem a intenção de executar, de assassiná-lo.
Para o ouvidor há um componente racista na ação do policial que, ao ver um homem negro, pressupõe que este é o assaltante que tentou lhe roubar. “A gente inclusive pede para apurar para ver a conotação racista que pode ter havido nesta identificação, porque a imensa maioria dos dos jovens que morrem são jovens negros.”
“Salvo engano, o ano passado, todos aqueles que perderam suas vidas por ação da polícia 95% eram jovens negros. Então é necessário que se discuta isso e que se encontre caminhos para minimizar isso. Ele só fez uma identificação equivocada, mas a intenção era tirar”, completou.
PM REPROVADO EM EXAME PSICOLÓGICO
O policial militar foi reprovado na fase de exames psicológicos de um concurso público da Polícia Científica do Paraná em 2023, dois anos antes do caso. No Paraná, o policial concorreu a uma vaga ao cargo de Agente Auxiliar de Perícia Oficial, que ofertava vagas para Curitiba e outras cidades do Paraná. Ele disputou uma vaga na capital e litoral.
De acordo com informações do G1, Fabio Anderson não atingiu os parâmetros esperados em três das 10 características avaliadas no teste psicológico. O processo não detalha as três categorias que o levaram à reprovação, porém, o documento mostra que ele apresentou classificação baixa nos critérios Agressividade Controlada e Equilíbrio Emocional; e muito baixa na classificação Trabalho em Equipe.
Isso não pressupõe que haja qualquer patologia ou sofrimento psicológico, mas sim que há elementos agressividade e possivelmente impulsividade, apenas. Nada que lhe absolva de uma concepção racista de que um homem negro correndo é necessariamente um bandido, não um possível trabalhador voltando para casa após um dia cansativo de trabalho, que não quer peder o ônibus.
Enquadrado como homicídio culposo, sem intenção de matar, o Fábio foi para casa após pagar fiança de R$ 6.500. Segundo a Polícia Militar, ele vai responder pelo crime em liberdade.