Lula testemunhou em defesa do ex-governador condenado a mais de 100 anos
O ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), admitiu, em depoimento ao juiz federal Marcelo Bretas, que desviou R$ 20 milhões de doações eleitorais não declaradas para “uso pessoal”. Segundo Cabral, o roubo ocorreu já que “era muito dinheiro” e ele se perdeu na “promiscuidade”.
O ex-governador, que já foi condenado a mais de 100 anos de prisão, foi interrogado presencialmente, na última sexta-feira (8), em uma das ações penais derivadas da Operação Eficiência, uma das fases da Lava Jato. Ao juiz Marcelo Bretas, na 7ª Vara Federal Criminal, no Rio, o peemedebista voltou a admitir o crime de caixa dois e disse ter ficado “deslumbrado” com o grande volume de dinheiro supostamente recebido durante campanhas eleitorais.
Sérgio Cabral admitiu ter movimentado cerca de R$ 500 milhões, conforme disseram em delações premiadas doleiros e seu ex-assessor Carlos Miranda. “Desse valor devo ter utilizado para uso pessoal em torno de R$ 20 milhões”.
Para tentar justificar uma parte do roubo, Cabral diz ter se perdido. “A promiscuidade (de doações) foi muito grande e foi nessa promiscuidade que me perdi. Usei dinheiro de campanha para fins pessoais”, disse.
“Por ostentação, eu levei inclusive a minha mulher (Adriana Ancelmo, também condenada na Lava Jato) a ser estigmatizada de maneira injusta. (…) Em datas comemorativas, comprei joias de maneira absolutamente errada e ostentatória, o que a prejudicou perante a opinião pública como se ela fosse uma criminosa”, disse.
Cabral também afirmou que, “em vez de ficar concentrado em seu governo e suas realizações”, deixou-se tomar pelo poder. “O poder é algo tão perigoso. O senhor tem poder…”, disse ele a Bretas. O juiz interrompeu e ex-governador: “Poder, não. Aqui a gente trata como autoridade”, salientou.
Ele ainda afirmou que não soube se conter. “Eu não soube me conter diante de tanto poder e de tanta força política. E, de maneira vaidosa, quis fazer (eleger) prefeitos, vereadores, usar recursos”, acrescentou.
PROPINA
Na nova estratégia de defesa, Cabral confirma o “uso pessoal” de R$ 20 milhões, de um total de R$ 500 milhões, arrecadados como doações eleitorais. Entretanto, segundo ele, jamais foi negociada alguma propina de algum de seus empresários parceiros. “Eu nunca pedi a um empresário que incluísse um percentual qualquer em nenhuma obra ou serviço do meu governo. Garanto isso ao senhor, falo em nome dos meus filhos e do neto que conheci essa semana”, afirmou, tentando relevar as 24 denúncias de corrupção das quais está sendo julgado.
Dentre as acusações, Cabral responde pelo superfaturamento de contratos para manutenção de serviços de distribuição, armazenamento e destinação final de remédios e material hospitalar que geraram desperdício de mais de 600 toneladas de medicamentos usados para tratamentos de pequena, média e alta complexidade. Esse esquema, organizado pelo ex-governador e Sergio Cortês, seu secretario de Saúde, funcionou entre 2007 e 2015 e causou prejuízo milionário aos cofres estaduais.
Cabral também é acusado de organizar um esquema entre empreiteiras para pagar propina para garantir que a Olimpíadas 2016 ocorressem no Rio e que essas empresas seriam as beneficiadas com as obras necessárias para a realização do evento.
Cabral ainda é acusado de receber propina da Andrade Gutierrez, da Odebrecht e da Queiroz Galvão por garantir vantagens indevidas as empreiteiras a partir do contrato da Petrobrás com o Consórcio Terraplanagem do Comperj. O contrato com o consórcio de empreiteiras custava originalmente R$ 819 milhões e sofreu cinco aditivos que levaram ao incremento do valor para R$ 1,2 bilhão. Só nesse esquema Cabral teria recebido R$ 2,7 milhões.
SEXTA-FEIRA
Neste processo em que Cabral prestou depoimento sexta-feira, ele é acusado junto aos doleiros Renato e Marcelo Chebar, seu ex-secretário Wilson Carlos e seus assessores Carlos Miranda e Sérgio de Castro Oliveira, o Serjão, por ocultar e lavar cerca de R$ 40 milhões, guardados no Brasil; US$ 100 milhões depositados no exterior; e mais quase R$ 10 milhões ocultados em joias, segundo o Ministério Público Federal.
Esse depoimento de Cabral deveria ter ocorrido em fevereiro, quando ele ainda estava preso em Curitiba. A defesa, no entanto, alegou cerceamento por conta da distância e ele ficou em silêncio, até que por decisão do Supremo Tribunal Federal, obviamente assinada por Gilmar Mendes, o ex-governador voltou para o Rio de Janeiro.
O ex-governador é réu em 24 ações penais no âmbito da Lava Jato, sendo 23 no Rio de Janeiro e uma em Curitiba. Ele já acumula cem anos em condenações.
24ª denúncia contra ex-governador aponta propina da Queiroz Galvão
A força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro revelou o pagamento de propina ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), num total de R$ 23,9 milhões, pela empreiteira Queiroz Galvão. Essa é a 24ª vez que o peemedebista é denunciado.
De acordo com os procuradores do Ministério Público Federal (MPF), dois doleiros, Raul e Jorge Davies, ajudaram o peemedebista em 33 situações a receber um total de R$ 23,9 milhões em propina da empresa entre abril de 2011 e agosto de 2014, quando Cabral já tinha deixado o governo.
Segundo o MPF a propina foi acertada pela Queiroz Galvão pelo menos em relação a três obras financiadas com recursos do governo federal no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): urbanização na Comunidade da Rocinha (PAC das Favelas), na construção do Arco Metropolitano (Segmento C – Lote 02) e na construção da Linha 4 do Metrô.
Além de Cabral, foram denunciados Dario Messer, conhecido como o doleiro dos doleiros e que está foragido, e outras 60 pessoas. Essa operação foi nomeada de Operação ‘Câmbio, Desligo’. Ela desarticulou uma rede de doleiros que movimentaram US$ 1,6 bilhão por meio de mais de 3 mil contas de offshores. Cabral é o único político denunciado na ‘Câmbio, Desligo’.
Segundo a delação do operador de Cabral, Carlos Miranda, para o MPF, que consta na denúncia elaborada pela Cambio, Desligo, em 2007, no início do governo do peemedebista, o então secretário de Governo Wilson Carlos informou Miranda de que teria sido fechado um acordo com Ricardo Galvão para o pagamento de propina de 5% dos pagamentos feitos pelo governo do estado do Rio à empreiteira.
Miranda contou que de início a propina era paga como uma mesada no valor de R$ 300 mil, mas que, em razão das dificuldades que a Queiroz Galvão possuía em gerar dinheiro em espécie no Brasil, a empreiteira optou por realizar os pagamentos por meio dos doleiros Raul e Jorge Davies.
Ainda em sua colaboração, Miranda afirma que o saldo devedor da Queiroz Galvão, ao final do governo Cabral, seria de R$ 20 milhões, segundo contas realizadas por ele. Numa reunião na casa de Cabral, em 2014, após a saída do emedebista do governo, Ricardo Galvão apresentou outras despesas que teria feito para Cabral. O operador conta que, então, o saldo caiu para R$ 14 milhões e que a empreiteira pagou R$ 4 milhões do doleiro Davies e R$ 6,5 milhões em contribuições de campanha de 2014.
Os procuradores afirmam que as investigações relacionadas ao crime de corrupção ativa cometidos pelos representantes da empresa Queiroz Galvão permanecem em curso. A denúncia se detém aos recebimentos de propina por Cabral por intermédio dos doleiros.