
Jurou que não faltou oxigênio em Manaus. Defendeu que pode manter seus atos nas sombras. Acha normal decretar sigilo de cem anos nas visitas de pastores propineiros e de seus filhos ao Palácio do Planalto
Quem assistiu a entrevista de Bolsonaro para o Flow Podcast na segunda-feira (8) deve ter achado que o programa era uma repetição de entrevistas e de mentiras antigas. As mesmas conversas enfadonhas de sempre sobre a estupidez da cloroquina para Covid-19, sobre uma falsa ineficácia de vacinas e o espetáculo que seria se toda população andasse armada com fuzis, pistolas e metralhadoras.
MEDO DAS URNAS
Ele não podia deixar de atacar também, como sempre faz, as urnas eletrônicas já que ele morre de medo delas. Aliás, como diz o ex-governador Geraldo Alckmin, vice na chapa de Lula, ele não tem medo especificamente das urnas em si, “ele tem medo mesmo é do voto do povo”. Disse que a apuração dos votos tem que ser pública, tentando minar a credibilidade da Justiça Eleitoral brasileira. “Se é numa sala-cofre, não é público, 20 poucos servidores apuram lá dentro”, repetiu.
Há alguma semanas, ele reuniu embaixadores de vários países no Palácio da Alvorada para atacar a democracia brasileira e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão responsável pela condução das eleições no Brasil há mais de 90 anos. Essa atitude absurda de atacar o Brasil para governos estrangeiros foi considerada uma afronta ao país e levou vários setores da sociedade, inclusive grande parte dos empresários, a protestar contra Bolsonaro e seus intentos golpistas.
Perguntado sobre o vexame de seu governo na crise de oxigênio em Manaus durante a pandemia, episódio que causou a morte de dezenas de pessoas por asfixia, mentiu e disse que os cilindros chegaram rápido. “Em 24 h começaram a chegar os aviões com cilindro de oxigênio lá”, disse Bolsonaro, acrescentando que “quem atrasou foi o governo do estado”. No entanto, documento enviado próprio Ministério da Saúde à CPI da Covid, do Senado Federal, desmentiu Bolsonaro. O órgão soube do aumento da demanda por respiradores um mês antes da crise.
Na época, o país ficou chocado ao ver Bolsonaro imitando pessoas morrendo por falta de ar e dando gargalhadas com seus seguidores na porta do Palácio da Alvorada.
Nunca se viu no Brasil uma negação tão retrógrada da ciência como a que ocorreu durante a pandemia por parte do governo. Contra todas as evidências científicas, contra a opinião dos médicos brasileiros e do mundo inteiro, Bolsonaro se achava no direito de defender teses absurdas e, pior, tentar impô-las à população. Esse foi o caso da tese da chamada “imunidade de rebanho”, onde ele defendia enfaticamente que a população se infectasse o mais rapidamente possível para “adquirir imunidade”. “Quem se contaminou está melhor imunizado do que quem tomou a vacina”, dizia Bolsonaro.
“INFECÇÃO É MELHOR QUE VACINA“
O resultado dessa tese genocida, apregoada pelo governo federal, foi que o Brasil vivenciou uma de suas piores tragédias de saúde pública em toda sua história. O país foi o segundo do mundo em número absoluto de mortes por Covid-19. Segundo a opinião de especialistas, das mais de 780 mil mortes de brasileiros ocasionadas pela pandemia de Covis-19, pelos menos um terço delas poderiam ter sido evitadas se as medidas adequadas fossem adotadas para combater o vírus. Mas Bolsonaro atrasou a vacinação, promoveu e incentivou aglomerações, combateu as máscaras e receitou cloroquina. Ou seja, trabalhou incansavelmente em favor da disseminação do vírus.
Em total desrespeito ao país e ao povo brasileiro, Bolsonaro defendeu também que ele pode manter sigilos inaceitáveis sobre seus atos no governo. Acha normal por exemplo decretar sigilo de cem anos nas visitas de pastores propineiros e de seus filhos ao Palácio do Planalto. “Eu não devo satisfação a ninguém”, disse ele. Não é verdade. Qualquer figura pública tem que dar satisfação, sim, de seus atos à população. O que ele quer esconder com esse sigilos de cem anos. O ex-presidente Lula já avisou que vai abrir todos esses sigilos.
Ele chegou ao ridículo de vetar a divulgação de dados até sobre o seu cartão de vacinação. Questionado por um seguidor no Twitter, em abril, sobre o motivo para isso, Bolsonaro respondeu cinicamente: “Em 100 anos, você saberá.”
Em 2021, outro exemplo de uma decisão absurda. O chefe do Executivo determinou o sigilo de 100 anos sobre informações dos crachás de acesso ao Planalto emitidos em nome dos seus filhos Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), dois reconhecidos ratos conspiradores. O segundo chegou até a alardear, logo após a posse do pai, que ele facilmente fecharia o Supremo Tribunal Federal (STF), bastando, para isso, um jipe com dois soldados e um cabo. Com sua vasta experiência em fritar hambúrguer nos EUA, o aprendiz de golpista tentou até ser embaixador do Brasil naquele país, para ficar perto da CIA, mas nem isso conseguiu.
AUDIÊNCIA BOLSONARISTA
Em cinco horas e vinte minutos de entrevista, das 19h até depois da meia noite, a audiência ficou restrita aos bolsonaristas fanáticos que aplaudem até o silêncio do chefe. Como a audiência era só essa, Bolsonaro ficou na bolha e achou que podia sair em defesa de um bandido que, por coincidência, é um de seus seguidores.
Daniel Silveira, preso por ameaçar de morte ministros do STF, foi defendido por ele. Segundo Bolsonaro, as críticas aos magistrados são movidas por suposto “ativismo judicial” praticado por eles. “[Tenho criticado o STF] porque eles interferem. E não pode interferir”, disse. “Para vivermos em harmonia, cada Poder tem que fazer o seu papel. E o ativismo judicial se faz presente no Brasil”, completou.
Para ele, “ativismo judicial” é a atuação dos tribunais contra o crime. Se depender de Bolsonaro, criminosos sairiam da cadeia e iriam participar de seu governo. Aliás, é só o que tem. Seu ministro da Economia tem R$ 50 milhões escondidos em contas secretas nas Ilhas Virgens Britânicas. Na semana passada por exemplo, o ministro indicado por ele para o STF, Cássio Nunes, mandou soltar o chefe da maior organização criminosa do país, Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, que comanda uma rede criminosa com ligações internacionais. A PF encontrou provas na casa do criminoso de que as atividades criminosas continuavam, o que levou a Justiça e derrubar a decisão do ministro bolsonarista e decretar nova prisão.
GOLPE NO 7 DE SETEMBRO
Depois de repetir várias vezes que não vai aceitar o resultado da votação de outubro pelo atual sistema de votação, depois de agredir os ministros do STF e de convocar um ato golpista no 7 de Setembro, Bolsonaro jurou que não pretende tentar um golpe. “Se eu quisesse dar golpe eu não falaria nada, deixa correr e no último dia dá o golpe, ou você fala que vai dar golpe agora? Por que essa acusação de golpista para cima de mim?”, indagou. Deve ser porque ele não fala de outra coisa desde que assumiu. Aliás, desde que seu guru, Donald Trump, tentou um golpe fracassado por lá, depois de perder a eleição.
Por fim, sem ter o que apresentar em termos d obras e realizações em seus quase quatro anos de desgoverno, Bolsonaro tentou pegar carona na criação do Pix. “O Pix foi o meu governo que criou”, disse Bolsonaro, que atribuiu a ideia ao atual presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos. Não é verdade. A plataforma de transferência instantânea começou a ser desenvolvida em 2018, durante o governo de Michel Temer. Quem presidia o BC na época era o economista Ilan Goldfajn. Perguntado, certa feita, sobre o PIX, já e funcionamento, Bolsonaro respondeu: “não sei do que se trata. Vou averiguar.”