Kevin Strickland, homem negro de 62 anos, foi absolvido e liberado nesta terça-feira (23) por um tribunal do Estado do Missouri, nos Estados Unidos, após passar 43 anos atrás das grades ao ser condenado por triplo homicídio, sem evidências e com base em falso testemunho obtido sob pressão da polícia.
Kevin havia sido condenado em 1979 à prisão perpétua por um júri composto exclusivamente por brancos sob acusação de triplo assassinato ocorrido no ano anterior em Kansas City, a cidade mais populosa do Estado. O veredicto teve por base relato de uma única testemunha, que depois alegou ter sido pressionada por policiais para incriminá-lo.
“Não pensei que esse dia chegaria”, disse comemorando a liberdade. Ele sempre afirmou que estava em casa assistindo à televisão e não teve nada a ver com os assassinatos que aconteceram quando tinha 18 anos.
A decisão pela libertação veio do juiz James Welsh, do Tribunal de Apelações do Missouri, após uma audiência probatória que durou três dias. Um promotor do condado de Jackson, que solicitou a audiência, disse que as evidências usadas para condenar o réu haviam sido retratadas ou refutadas. Kevin Strickland soube da decisão sobre sua libertação através da televisão. Ele relatou que os outros presos começaram a gritar efusivamente ao terem conhecimento da decisão judicial.
Em 25 de abril de 1978, Larry Ingram, de 21 anos, John Walker, de 20, e Sherrie Black, de 22, foram assassinados durante um tiroteio em uma casa em Kansas City. Strickland foi apontado como o principal suspeito, pois as evidências se concentraram só no testemunho de Cynthia Douglas, a única pessoa a sobreviver ao incidente. Depois, ela afirmou que foi pressionada pela polícia a escolher Strickland. Ela passou a tentar alertar especialistas políticos e jurídicos para ajudá-la a provar que ela havia identificado o homem errado. Douglas morreu em 2015.
Kevin disse que gostaria de “se envolver em esforços para que isso não ocorra com outras pessoas”. E afirmou que esse sistema judiciário dos EUA, que não respeita as pessoas, principalmente os negros, “precisa ser demolido e refeito”.
“Alegria, tristeza, pesar, medo. Estou tentando descobrir como colocar todas essas emoções juntas”, contou Kevin a repórteres quando deixou a prisão estadual do Departamento de Correções do Missouri.
Sem nenhuma evidência
A reabertura do caso foi conduzida pelo juiz James Welsh e solicitada por um promotor do condado de Jackson. Após mais uma avaliação, ficou claro que nenhuma evidência física ligava-o à cena do crime e que a testemunha essencial para sua condenação se retratou antes de sua morte.
“Dizer que estamos extremamente satisfeitos e gratos é um eufemismo” disse Jean Peters Baker, o promotor que pediu a reabertura do processo. “Isso, finalmente, traz justiça para um homem que tragicamente sofreu enormemente como resultado dessa condenação injusta”, afirmou.
Em agosto, Peters Baker usou uma nova lei estadual para buscar a audiência probatória no condado de Jackson, onde Strickland foi condenado. A lei permite que os promotores locais contestem as condenações se acreditarem que o réu não cometeu o crime. Foi a primeira vez no Estado – e até agora a única – que um promotor usou a lei para combater uma condenação anterior.
“Mesmo com o promotor do seu lado, demorou meses e meses para o Sr. Strickland poder ir para casa e ele ainda teve que voltar para um sistema que não fornecerá qualquer compensação pelos 43 anos que perdeu”, disse Tricia Rojo Bushnell, diretora executiva do Midwest Innocence Project, que ficou ao lado de Strickland.
“Isso não é justiça”, disse ela. “Estamos esperançosos de que as pessoas estejam prestando tanta atenção e realmente se perguntando ‘como deve ser o nosso sistema de justiça?’”, questionou.
A organização Midwest Innocence Project, responsável pela defesa no caso de Strickland, lançou uma campanha de arrecadação de fundos na internet para ajudá-lo a começar uma nova vida. Strickland revelou em uma entrevista anterior ao Washington Post que, assim que estivesse livre, gostaria de visitar o túmulo de sua mãe, que faleceu neste ano, e ver o mar pela primeira vez.
Justiça sob racismo extremo
O caso de Strickland, lamentavelmente, não é único. Na segunda-feira (22), a Justiça dos Estados Unidos cancelou, 72 anos depois, a condenação injusta de quatro homens negros acusados erroneamente de raptar e estuprar uma garota branca na Flórida, em 1949.
Charles Greenlee, Walter Irvin, Samuel Shepherd e Ernest Thomas, conhecidos como os Quatro de Groveland, já haviam recebido ‘perdão’ do Estado da Flórida em janeiro de 2019, mas nenhum dos acusados continuava vivo quando a decisão foi proferida. Eles tinham entre 16 e 26 anos à época das acusações.
“Eu não odiaria, mas vou amar e abraçar todos aqueles que não sabiam na época que meu pai era uma pessoa carinhosa, amorosa e compassiva que não estuprou ninguém. Estou aqui hoje para dizer obrigado”, disse Carol Greenlee, filha de Charles Greenlee, em frente às câmeras em uma coletiva de imprensa na manhã de segunda-feira após a audiência no tribunal.
A história dos quatro homens foi tema do livro “Devil in the Grove” (Diabo no Bosque), que ganhou o prêmio Pulitzer em 2013.
O senador estadual Randolph Bracy, um democrata, disse que embora a exoneração não “conserte a injustiça racial que é tão difundida em nosso sistema de justiça criminal”, a moção deu à família um encerramento e oferece esperança.
“Acredito que acertar as contas com o passado e corrigir a injustiça grosseira nos colocou no caminho para a criação de um sistema judicial mais justo e mais igualitário”, disse ele.