Investigadores esperam que o ex-presidente preste esclarecimentos sobre as joias que recebeu irregularmente e as que tentou receber. A PF e MPF investigam o caso
O ex-chefe do Executivo guardou presentes recebidos durante o mandato em uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 e aliado Nelson Piquet, em Brasília.
Bolsonaro escondeu na chamada Fazenda Piquet, localizada no Lago Sul – uma das regiões mais valorizadas da capital federal -, o terceiro estojo de joias que ele se apossou após o fim do mandato, conforme revelado na noite da última segunda-feira (27) pelo Estadão.
O pacote com os presentes em ouro branco e diamantes também foi dado pelo governo da Arábia Saudita. O estojo inclui relógio da marca Rolex — avaliado em R$ 364 mil — caneta da marca Chopard, abotoaduras, anel e masbaha — tipo de rosário árabe.
O valor de todos os bens, segundo a reportagem, passa de R$ 500 mil. São três “presentes” dados ao ex-presidente pelo regime saudita. Na verdade, este valor está subavaliado, pois o relógio é cravejado de diamantes. Apenas o relógio normal custa entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. A avaliação correta deveria incluir os diamantes e a mão de obra.
DUAS CAIXAS ANTERIORES
O primeiro estojo de joias, como também revelou o Estadão, era supostamente destinado à primeira-dama Michelle Bolsonaro. O governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no País com colar, anel, relógio e par de brincos de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões, mas a caixa com as joias foi apreendida pela Receita.
O segundo “presente” — relógio, par de abotoaduras, caneta, anel e masbaha — todos da marca Chopard e avaliados em R$ 800 mil — foram devolvidos pela defesa de Bolsonaro ao poder público por ordem do TCU (Tribunal de Contas da União).
Da mesma forma o valor informado está subavaliado.
O terceiro estojo foi recebido em mão pelo próprio ex-presidente, quando esteve com a comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riad, na Arábia Saudita, entre 28 e 30 de outubro de 2019.
BENS DO ESTADO GUARDADOS NO PRIVADO
Como ocorreu com a segunda caixa, a terceira está entre os bens guardados na Fazenda Piquet. Para lá, Bolsonaro mandou joias, enquanto itens como cartas e livros foram despachados para o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
A propriedade de Piquet — escolhida para abrigar pertences que Bolsonaro não queria entregar para a União — recebeu dezenas de caixas. O material alocado na propriedade do amigo e apoiador do ex-presidente saiu pelas garagens privativas dos Palácios do Planalto e da Alvorada — residência oficial da Presidência da República.
A data inicial para envio das caixas foi registrada dia 7 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro começou a organizar a saída dos palácios, após a derrota na eleição para o Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Apesar do pedido ter ocorrido nesta data, houve atraso na remessa, e os itens só seriam encaminhados à casa de Piquet dia 20 de dezembro, uma terça-feira, às 9h.
AMIGO, DOADOR DE CAMPANHA E GUARDA-VOLUME
Faltavam apenas 11 dias para o fim do mandato de Bolsonaro. Na semana seguinte, o presidente mandaria avião da FAB (Força Aérea Brasileira) ao Aeroporto de Guarulhos, para tentar resgatar a caixa de joias com diamantes apreendidas pela Receita, como o então ministro Bento Albuquerque.
A reportagem procurou Piquet para questioná-lo sobre os motivos de guardar, na propriedade dele, os bens que Bolsonaro alega que são dele, apesar deste entendimento contrariar a lei e o que determinou o TCU em 2016. Não houve resposta.
Piquet é cabo eleitoral militante de Bolsonaro.
Em novembro do ano passado, um mês antes de alocar os presentes do então presidente, o ex-piloto brasileiro participou das manifestações contra a derrota Bolsonaro. O tricampeão de F1 chegou a fazer doação de R$ 501 mil para a campanha de Bolsonaro, em agosto de 2022.
Na semana passada, Piquet foi condenado a pagar indenização de R$ 5 milhões por falas racistas e homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, da Mercedes, durante entrevista a canal do YouTube. Ainda cabe recurso.
NA MIRA DE PARLAMENTARES
O terceiro estojo entrou na mira de parlamentares, que procuraram o TCU para cobrar que Bolsonaro entregue o conjunto. Parlamentares do PSol pediram o confisco das joias. “Solicitamos que este Tribunal adote as medidas cabíveis para restituição dos bens ora citados e a eventual responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro”, está escrito no pedido de duas congressistas do partido.
A defesa de Bolsonaro já chegou a sustentar a tese de que os “presentes” seriam bens pessoais e que poderiam ser incorporados ao acervo privado. Ao se manifestar sobre os “presentes”, o advogado do ex-presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, declarou que Bolsonaro, “agindo dentro da lei, declarou oficialmente, os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Procurada, a defesa do ex-presidente não respondeu sobre a terceira caixa.
Os “presentes”, no caso, não têm caráter personalíssimo, segundo decisão do TCU, o que já está pacificado. Na verdade, o advogado quer dar verniz de legalidade à patranha em que o ex-presidente se envolveu e não consegue sair.
RETORNO AO BRASIL
Bolsonaro disse que deve voltar ao Brasil, nesta quinta-feira (30), às 7h30, para “trabalhar com o Partido Liberal” e “fazer política”.
A expectativa é que preste esclarecimentos sobre as joias que se apropriou irregularmente e as que tentou receber. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam o caso, com ampla repercussão política e nas mídias sociais e tradicionais — TV, rádio e jornal.
HABITUÉ NA ARÁBIA SAUDITA
Importante registrar, que nos últimos 4 anos de governo, o ex-presidente ou representantes da equipe presidencial fizeram 150 viagens para a Arábia Saudita. A frequência com que Bolsonaro e a equipe dele visitaram o país acendeu o alerta entre os partidos de oposição a Bolsonaro no Congresso, que pedem novas investigações sobre o caso das joias.
No final da manhã da terça-feira (28), o senador Humberto Costa (PT-PE), ingressou com pedido de investigação no Ministério Público de Contas no TCU, em relação ao terceiro pacote de joias que Bolsonaro recebeu do governo da Arábia Saudita.
M. V.
Gente, olha essa cara do Piquet.