“China, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Japão, Suécia, Noruega e Índia não caíram nessa esparrela”, afirma Roberto D’Araujo
“Nenhum país de base hidroelétrica significativa privatiza seu setor elétrico. China, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Japão, Suécia, Noruega e Índia não caíram nessa esparrela”, afirmou o ex-conselheiro de Furnas e diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araujo, em entrevista ao HP, afirmando que a tarifa da energia irá ficar mais cara com a privatização da Eletrobrás.
“Hoje, a tarifa está cara mesmo com a Eletrobrás sendo obrigada a vender energia bem abaixo do preço dos privados. Cerca de 16% das usinas estão afetadas pela lei 12783/2013 da Dilma, por volta de R$ 60. Imagine se essa energia subir para R$ 200”, afirmou o engenheiro.
A Câmara dos Deputados divulgou nesta quarta-feira (19) que deve votar a medida provisória (MP 1031/21) de Jair Bolsonaro, que viabiliza a privatização da Eletrobras. Segundo a proposta, o modelo de privatização prevê a emissão de novas ações da estatal na Bolsa de Valores, resultando na perda do controle acionário pela União.
Risco de apagão
No final de abril, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que são responsáveis por mais da metade da energia do país, chegaram ao nível de armazenamento mais baixo para o mês desde 2015.
Ao comentar a situação atual dos reservatórios brasileiros, se há risco de um novo apagão, Roberto Pereira D’Araujo afirmou que “apesar da situação hidrológica estar pior do que o ano do racionamento, hoje temos quase 30 GW de térmicas, portanto acho difícil termos outro. O problema é que 40% delas são muito caras e não foram utilizadas antes. Portanto, em parte, quem gerou energia no lugar delas foram as hidráulicas. Ou seja, o esvaziamento da reserva não é só culpa de S. Pedro”.
Sobre a bandeira tarifária, que neste mês está vermelha, D’Araujo sintetizou: “a bandeira tarifária, que já incide sobre uma energia extremamente cara, acaba provocando um ‘racionamento’ via preço. Muitos não vão conseguir pagar e podem ter o risco de ter a energia cortada. A bandeira só adianta um pagamento que deveria ser feito no final do ano da concessão”.
Roberto D’Araujo, no artigo “Opiniões” publicado no site Ilumina, afirma que tanto o modelo mercantil quanto o setor privado “tiveram uma performance pífia e exerceram um papel repleto de problemas que fragilizou a estatal”.
“O modelo mercantil promoveu uma mimetização e fragmentação típica de sistemas de base térmica. Submetida à essa estrutura, a singularidade brasileira gerou diversos quebra-cabeças, entre os quais, o aumento de custos. Além da separação das óticas de planejamento, operação e comercialização, antes tratadas em conjunto pela Eletrobras, o custo administrativo das três instituições ultrapassaram em muito o custo da Eletrobras. Os defeitos da modelagem recaíram, em parte sobre o consumidor e também sobre a Eletrobrás que foi usada para minorar os problemas que surgiram”, escreveu o diretor do Ilumina.
Reproduzimos a seguir o artigo do especialista publicado no site Ilumina.
ANTONIO ROSA
OPINIÕES
ROBERTO PEREIRA D’ARAUJO*
Se me permitem, acho que estamos cometendo um equívoco na campanha contra a privatização da Eletrobras ao salientar principalmente os lucros recentes e os aspectos “estratégicos” da estatal. Ao preferir essa tática, deixamos de denunciar que, tanto o modelo mercantil, quanto o setor privado tiveram uma performance pífia e exerceram um papel repleto de problemas que fragilizou a estatal.
Aqui vão meus pontos:
1 – Dentre os países de base hidroelétrica, ao capitalizar ou privatizar a Eletrobras, o Brasil será o único a fazê-lo. China, Canadá, Rússia, Noruega, Suécia, Índia, Venezuela e Estados Unidos não fazem. Se isso não é um argumento importante, estamos muito mal informados sobre o que representam apenas as áreas dos reservatórios da estatal que ocupam uma área de 18.000 km2, quase 90% do estado de Sergipe. Imagine o potencial de placas fotovoltaicas flutuantes sobre essa área.
2 – Como sempre tenho tentado salientar, o modelo mercantil promoveu uma mimetização e fragmentação típica de sistemas de base térmica. Submetida à essa estrutura, a singularidade brasileira gerou diversos quebra-cabeças, entre os quais, o aumento de custos. Além da separação das óticas de planejamento, operação e comercialização, antes tratadas em conjunto pela Eletrobras, o custo administrativo das três instituições ultrapassaram em muito o custo da Eletrobras. Os defeitos da modelagem recaíram, em parte sobre o consumidor e também sobre a Eletrobras que foi usada para minorar os problemas que surgiram.
3 – É preciso lembrar que a tarifa brasileira, quando analisada pelo método de paridade do poder de compra pela Agência Internacional de Energia, já é a segunda mais cara quando comparada a uma série de países. Portanto, qualquer tentativa de redução tarifa via compensações financeiras pela venda dos ativos da Eletrobras, não vai resolver o problema do aumento de custos provocado pelo modelo.
4 – Os dados sobre a expansão da oferta mostram que, ao anunciar a privatização da Eletrobrás na década de 90, os investimentos em novas usinas foram paralisados. O setor privado aguardava a venda de ativos e as estatais interromperam os investimentos. A razão estrutural do racionamento foi esse desinteresse.
5 – Dada a emergência de então, a solução apressada foi a expansão de térmicas. No período de 1999 até 2004 a expansão chegou a ser formada de 70% de térmicas.
6 – Os dados sobre o mercado livre, de 2003 até 2012, mostram que esse grupo de consumidores, que já representa 30% do total, não investiu em expansão nem para suas próprias necessidades. Os baixíssimos preços vigentes, em parte “patrocinados” pela descontratação da Eletrobras em 2003, provocaram esse comportamento especulativo.
7 – Dada essa outra ausência de investimentos, outra expansão apressada de térmicas foi implantada e, mais uma vez, de 2008 até 2013 a expansão chegou a registrar 70% da expansão em térmicas.
8 – Além disso, a Eletrobras foi obrigada a oferecer parcerias em diversos projetos. Como exemplo, só em hidroelétricas foram implantados 22 GW, quase duas usinas de Itaipu. As taxas de retorno da maioria desses projetos eram incompatíveis com o custo de capital da estatal, já fragilizada por conta desses socorros ao modelo, que sempre foi falho.
9 – Todas essas “estratégias” impostas à empresa feriam seu estatuto. No capítulo II, ¶ 3º, ele estabelece limites para uso da empresa em políticas que impliquem em prejuízo, caso onde ela deveria ser ressarcida pelo tesouro. Ninguém obedeceu.
10 – Essa deterioração da garantia de suprimento ainda obrigou a criação de novos encargos tais como a “energia de reserva” e as “bandeiras tarifárias”.
11 – Dado o aumento tarifário bem acima da inflação, a MP 579, sem nenhum diagnóstico sobre as razões do encarecimento, concentrou principalmente sobre a Eletrobras, “tarifas” de O&M muito reduzidas tentando compensar a alta do total. Amortização de usinas antigas é uma política viável. O que é um ponto fora da curva é extrair as usinas dos outros custos administrativos da Eletrobras. Outros países aplicam essa estratégia, mas a tarifa estabelecida é da empresa e não da usina. Assim, como exemplo máximo dessa distorção, o CEPEL, o maior centro de pesquisas em energia da América Latina ficou “órfão” da receita das usinas atingidas pela MP 579.
12 – Desse modo os custos administrativos atingiram uma maior proporção estabelecendo a facilidade de se acusar a empresa de ineficiente.
13 – Alvo de acusações de excesso de funcionários, qualquer comparação com empresas semelhantes mostra o inverso (https://www.power-technology.com/features/worlds-biggest-power-companies-2018/). A recente redução de pessoal só revela a intenção de descartar qualquer expertise do seu quadro técnico. Trata-se de limitar a empresa a seus ativos, mesmo que a venda ainda não esteja decidida.
14 – De certo modo, o argumento de que a Eletrobras tem lucro, sem considerar as particularidades dessa folga, sem intenção, promove a ideia de excelência da administração aplicada pelo Sr. Wilson Ferreira por parte dos favoráveis à privatização.
Em janeiro de 2010, uma ação da Eletrobras (ELET3) valia R$ 21. O dólar, R$ 1,779. Portanto a ELET 3 valia US$ 11,80. Hoje, ELET3 vale R$ 36, mas o dólar vale R$ 5,5. Portanto, a ELET3 vale US$ 6,5, quase a metade do que valia em 2010. Não há sequer a dúvida se essa seria a melhor época para de vender uma empresa estatal da importância da Eletrobras.
16 – Por fim, a ideia de usar parte da receita da venda da Eletrobras para compensar altos preços em certas áreas, é mais uma tentativa de abandonar o exame detalhado dos custos de operação, erro já cometido antes. Como se pode perceber a técnica usada é de mascarar o alto custo e altos lucros que são obtidos por vários grupos do setor, uma vez que muitas empresas privadas que atuam no setor são grandes pagadores de dividendos.
17 – Existem outros argumentos, tais como a energia de Itaipu, Nucleares e o caso das fibras óticas no sistema de transmissão, mas, se o foco é a energia, esses temas me parecem os principais.
É o que tenho a colaborar.
*Roberto Pereira D’Araujo é engenheiro, diretor do Ilumina