No último domingo (5), o maior crime ambiental da história do Brasil completou dois anos, assim como a impunidade dos responsáveis pela tragédia. A ação criminal que responsabiliza as mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton, a VogBR, e mais 22 pessoas pelo rompimento da barragem de Fundão está suspensa pela Justiça Federal. Nestes dois anos a Samarco recorreu de todas as 68 multas aplicadas pelos órgãos ambientais dos governos, e pagou apenas a entrada de uma delas.
Na Bacia do Rio Doce foram despejados cerca 50 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério, que poluíram mais de 620 km de cursos d’gua entre Mariana, em Minas Gerais e a foz do Rio Doce, em Regência, no Espírito Santo. O rejeito se espalhou pela costa por mais de 600 quilômetros, desde o Rio de Janeiro até a Bahia. O rompimento da barragem também matou 19 pessoas e soterrou o distrito de Bento Rodrigues, onde moravam 300 famílias.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aplicou 24 autos de infração à Samarco, que recorreu de todos, 22 ainda estão na primeira instância administrativa do órgão e outros dois na segunda, eles totalizam R$ 344,85 milhões. Se perder nas duas instâncias, a empresa ainda pode recorrer à Justiça. Segundo o Ibama, as autuações começam pelos danos causados ao meio ambiente pela tragédia (2015), e vão até a entrega em desconformidade do que foi fixado pelo órgão em um programa de busca e resgate de fauna afetada pela lama (2017).
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) destaca que desde o desastre foram aplicadas 38 multas à mineradora, totalizando R$ 205,86 milhões. Destas, 37 estão em fase de recurso. Só uma, a primeira aplicada em novembro de 2015, teve a primeira, de 60 parcelas, pagas.
No Espírito Santo, todas as seis multas aplicadas pelo Governo também estão em fase de recurso. Elas totalizam cerca de R$ 1,25 milhão.
Apenas no terceiro trimestre deste ano o lucro líquido da Vale, dona da Samarco junto com a BHP Billiton, foi de R$ 7,14 bilhões, 37,5% a mais que o mesmo período de 2016.
AÇÃO CRIMINAL
A ação criminal que responsabilizou a Samarco, a Vale, a BHP e a VogBR, e mais 22 pessoas pelo ocorrido está suspensa pela Justiça Federal. O juiz Jacques de Queiroz Ferreira atendeu ao pedido da defesa que questionou provas do processo, sob a alegação de que a quebra do sigilo telefônico dos acusados teria ultrapassado o período autorizado pela justiça.
As 22 pessoas denunciadas por homicídio, dentre elas o presidente da Samarco na época Ricardo Vescovi, respiram aliviadas já que iriam a júri popular, podendo ser condenadas a até 54 anos de prisão, além do pagamento de multa de reparação dos danos ao meio ambiente e às vítimas da tragédia.
O juiz ainda destacou que “as questões que podem implicar na anulação do processo desde o início”.
O Ministério Público Federal (MPF) rebateu o juiz e alegando que “as interceptações indicadas pela defesa como supostamente ilegais sequer foram utilizadas na denúncia, por isso, não teriam a condição de causar nulidade no processo penal”.
A ação criminal foi baseada no inquérito da Polícia Federal finalizado no ano passado, que concluiu que a direção da Samarco sabia dos riscos de rompimento da barragem pelo menos três anos antes do ocorrido. Segundo a PF, as irregularidades já começam na construção da barragem, que foi feita com materiais diferentes do projeto inicial, e vão até seu rompimento.
Foram inclusos no inquérito áudios de conversas telefônicas e trocas de email do sistema de comunicação interna da Samarco. Entre eles uma mensagem de Ricardo Vescovi, em 2011, afirmando que seria mais fácil criar outra barragem do que investir em um material necessário para Fundão.
A Polícia Federal concluiu no inquérito que a Samarco tentou “esconder os possíveis danos que tinham conhecimento que poderiam acontecer a Bento Rodrigues, para obter o licenciamento”, a ainda afirmou que um ‘Plano de Ações Emergencial’ foi contratado, mas não foi implementado porque a empresa o considerou caro.
AÇÃO AMBIENTAL
Também está parada na Justiça a ação referente à indenização do dano ambiental e social, embora a Samarco esteja tocando o acordo com a União, assinado ainda no governo Dilma e não homologado pela justiça. O acordo previa a criação de uma fundação controlada pela Samarco para definir as ações e indenizações de danos ambientais com um fundo de R$ 20 bilhões.
Este acordo foi impugnado pelo Ministério Público Federal, que alegou que a população atingida pelo rompimento da barragem não foi ouvida e que a pressa dos governos em dar uma resposta imediata resultou em respostas inadequadas, como a de colocar a Samarco para gerenciar o fundo e decidir sobre a reparação dos atingidos. O MPF também pede um total de R$ 155 bilhões às mineradoras, alegando que o atual acordo é totalmente insuficiente para cobrir tamanho desastre.
A Samarco também responde a mais de 50 mil ações particulares, só nas comarcas da Justiça estadual de Minas Gerais. O promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneguin conta que, passados dois anos da tragédia, ainda existem moradores afetados que não receberam indenização emergencial da mineradora. “São comunidades pequenas, ordeiras, em que as pessoas se conhecem. E que não há motivos para ficar negando direitos às pessoas”, destaca.
CAMILA SEVERO
O crime das mineradoras em Mariana foi o tema do primeiro suplemento América do Sol, do Jornal Hora do Povo. Para conferir o conteúdo acesse: http://americadosol.art.br/asol01