
O Ministério Público descobriu, durante as investigações que culminaram com a Operação Bergon, que um integrante de um grupo neonazista, identificado como “Matheus Hades NS”, planejava um “ataque kamikaze” a uma das usinas nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
“Devemos contaminar os bostileiros com radiação”, disse Matheus Hades NS ao se referir aos brasileiros, nas mensagens interceptadas pelo MP.
Matheus Hades NS foi um dos quatro presos na operação, que teve 31 mandados de busca e apreensão. A ação é resultado de uma parceria da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav) com o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado], que desarticulou três grupos neonazistas, espalhados em sete estados.
O grupo do WhatsApp ao qual Matheus fazia parte, intitulado “A Division”, foi criado em fevereiro deste ano pelo filho de um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele chegou a conversar com Fabiano Mai, o jovem responsável pelo massacre na creche em Saudades, no Oeste de Santa Catarina, e foi preso em maio. Atualmente, ele encontra-se internado em uma clínica de psiquiatria. Foi através da prisão do filho do magistrado e com a apreensão dos celulares que as mensagens foram encontradas.
No diálogo, Matheus pergunta: ‘Quantos você acha que têm coragem de fazer um ataque kamikaze na Usina de Angra dos Reis?’. Um usuário responde: “Uns três”. No mesmo diálogo, o filho do desembargador indaga o motivo do ataque. E Matheus explica: “Por causa da radiação. Devemos contaminar os bostileiros com isso. Se o mundo não é para ser dos costumes NS, então não será de ninguém”. NS é sigla para Nacional-Socialismo, termo usado em referência ao nome do partido nazista de Adolf Hitler.
A Eletronuclear, responsável pelas usinas nucleares de Angra dos Reis, afirmou que não há possibilidade de vazamento de radiação. As unidades foram construídas para aguentar explosões de TNT, terremotos e até uma queda direta de avião.
OPERAÇÃO
A investigação sobre a existência de células neonazistas no Rio começou após o atentado à uma creche em Santa Catarina e as apreensões de celulares de suspeitos de conexão com o crime, em maio.
Ainda em maio, a partir dessas informações, agentes da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) prenderam José Raphael Tomas Zéfiro. A polícia apreendeu com ele um computador, um telefone e quatro videogames. Na análise dos aparelhos, agentes da Dcav descobriram que ele mantinha contato com adultos e menores.
Na última quinta-feira (16), a Operação Bergon já havia prendido quatro membros de grupos neonazistas que disseminava ódio contra negros e judeus em redes sociais. Os integrantes conversaram até sobre a compra de armas e ataques em festas de final de ano.
Além disso, 31 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foram cumpridos na última quinta.
O nome da operação faz alusão à freira francesa Denise Bergon, que usou seu convento para abrigar crianças judias entre alunos católicos durante a Segunda Guerra Mundial, evitando que fossem capturadas pelos nazistas.
Dentre os materiais apreendidos pela polícia na Operação Bergon, estão: taco com arame farpado, facões, armas, arco e flecha, facas, machadinhas e uniformes militares. Na casa de um dos suspeitos, a polícia encontrou livros que falam sobre a vida de Adolf Hitler, líder do nazismo. Em outra residência, a suástica, um dos símbolos mais conhecidos do nazismo, estava desenhada em portas e paredes.
A polícia encontrou ainda mensagens de ódio e ameaças de morte em celulares apreendidos. “São mensagens de intolerância racial e religiosa, falam de morte a judeus, morte a negros, morte a nordestinos”, disse o delegado Rodrigo Coelho durante a coletiva de imprensa na Cidade da Polícia.
Para o promotor Bruno Gaspar o conteúdo das mensagens ultrapassa o limite da liberdade de expressão.
“Foi feita uma análise profunda dos celulares apreendidos e o MP sempre irá apoiar a manifestação de pensamento. Acontece que a manifestação do pensamento deixa de ser protegida pela liberdade de expressão quando é disseminação do ódio”, declara.
Neonazistas crescem sob Bolsonaro
Segundo o, coordenador do núcleo de Estudos Judaicos da UFRJ, Michel Gherman, grupos neonazistas tem crescido cada vez mais no sudeste do Brasil. De acordo com o pesquisador esse número pode chegar a milhares no país.
“O Brasil é o país que teve o maior crescimento de neonazistas no mundo entre 2018 e 2021. É um crescimento fora de série, que marca uma tensão de entender o que está acontecendo. Esse crescimento neste período específico se dá a partir de alguma coisa que acontece e o que aconteceu foi a eleição do presidente Jair Messias Bolsonaro. Esse grupos no Rio, estima-se que sejam entre dezenas e centenas”, disse Gherman em entrevista ao jornal ‘O Dia’.
Para o pesquisador, grupos neonazistas se sentem encorajados a partir do discurso de intolerância.
“A primeira questão, na verdade, é que grupos neonazistas se sentem à vontade a partir de uma inspiração do governo. (…) O número de adeptos tem crescido mais que o número de grupos, o que também é muito perigoso. Eles estão deixando de ser grupos divididos e passando por um processo de unificação, o que os deixa ainda mais forte”, alertou.
Veja a íntegra da nota da Eletronuclear:
“Em mais de 35 anos de operação das usinas da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), nunca houve um acidente ou evento externo que pusesse em risco os trabalhadores das usinas, a população ou o meio ambiente da região. Um dos principais conceitos empregados na indústria nuclear é o de defesa em profundidade, ou seja, de barreiras em série.
Por se tratar de uma forma de energia concentrada, a segurança das instalações nucleares vai muito além das grossas paredes de aço (interna) e concreto (externa) que cercam os reatores das usinas e protegem contra o aumento de pressão no interior do reator. As instalações nucleares contam com sistemas de segurança passivos, que entram automaticamente em ação em situações de emergência para impedir acidentes, desligando e resfriando o reator de forma segura.
As usinas nucleares de Angra dos Reis também foram projetadas e dimensionadas para resistir a vários tipos de acidentes externos. Entre eles, considera-se o maior terremoto que poderia ocorrer no sítio onde se encontram as usinas e o efeito da explosão de uma carga de TNT num caminhão trafegando próximo à central, por exemplo.
Eventos como maremotos, inundações, explosões e até a queda de um avião sobre as instalações nucleares também foram considerados no projeto das usinas e não comprometeriam a segurança das barreiras de contenção do reator, que impedem a liberação de radiação para o meio externo.
Além disso, há a proteção física de um sítio nuclear, que conta com medidas adicionais de segurança, de fora para dentro. Medidas estas que vão se tornando mais rigorosas quanto mais próximas das usinas (cercas concêntricas monitoradas; corpo de guarda; guaritas externas e internas e de acesso às usinas; sistema de circuito fechado de televisão; sistema de alarme para abertura de portas; etc.).
Portanto, cabe ressaltar que o projeto das usinas nucleares brasileiras possui margens de segurança bastante satisfatórias para resistir a situações externas extremas, como as acima mencionadas, sem comprometer a estrutura onde fica o reator das usinas”.