O primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu, chamou os judeus a boicotarem a TV israelense Keshet, também conhecida como Canal 12, a de maior audiência do país, acusando-a de “antissemita” e chamando-a de “fakeTV”.
O ataque, do dia 29, à TV se deu logo após a ida ao ar dos primeiros episódios da série “Our Boys” (Nossos Rapazes), realizada em parceria com a norte-americana HBO.
Uma declaração no mínimo estranha, de ‘boicote’ a uma produção autenticamente israelense que tem tudo para fazer sucesso, vinda de quem apoiou a lei que torna crime a participação na campanha por boicote a Israel enquanto seu governo se negar a sentar com os palestinos para negociações de paz que levem ao fim da ocupação dos territórios palestinos.
O seriado que enfureceu o premiê trata de um crime hediondo. O assassinato do jovem de 16 anos, Muhamed Abu Khdeir, sequestrado em 2014 na porta da loja de seu pai, onde aguardava amigos em uma madrugada, em seu bairro, Shuafat, na Jerusalém Árabe.
O corpo de Muhamed foi encontrado em uma floresta nos limites da cidade. Estava irreconhecível, uma vez que fora queimado ainda vivo. Os assassinos o espancaram e depois o fizeram engolir gasolina, o encharcaram com o combustível e lhe atearam fogo.
A polícia israelense localizou os assassinos, dois deles condenados à prisão perpétua e um a 21 anos de prisão.
FANATISMO RELIGIOSO
São fanáticos religiosos que integram as hostes ultradireitistas que proliferam em meio a um racismo antiárabe inaceitavelmente disseminado e que tem justificado, entre outras barbaridades segregacionistas, como benção divina, a construção de núcleos residenciais em terras assaltadas aos palestinos. Aliás, os assassinos de Muhamed vieram destes “assentamentos judaicos”.
O assassinato brutal mostrado no seriado teria sido uma vingança pela morte de três jovens judeus que desapareceram no dia 12 de junho de 2014 e que, em meio a uma onda de orações solidárias que reuniu multidões por todo o país, têm seus cadáveres localizados 18 dias depois do sequestro. Foram mortos, cada um com um tiro na testa.
Imediatamente, multidões de judeus tomaram as ruas de Jerusalém aos gritos de “Morte aos árabes” e “Vingança”.
O primeiro capítulo do seriado mostra a polícia intervindo para evitar o linchamento de trabalhadores árabes que retornavam a seus lares após um dia de trabalho, inclusive o próprio Muhamed Abu Khdeir, que seria sequestrado pouco depois e assassinado.
São cenas de uma histeria coletiva preocupantemente assustadora.
Ao contrário do que deblatera Netanyahu, o seriado não tem absolutamente nada de antissemita e tem excelente qualidade. Mas, ao mostrar a psicopatia dos mais fanáticos direitistas entre os judeus israelenses, torna-se um libelo contra o racismo e a intolerância gestados por um regime de discriminação racial e visão colonialista, como é o comandado por Netanyahu, cuja declaração no dia da descoberta dos jovens israelenses assassinados é um incitamento à vindita mais odiosa: “Santanás ainda não criou uma vingança para o sangue de uma pequena criança, nem para a vingança de três jovens puros que estavam a caminho de casa para encontrar seus pais”.
Ao trazer à tona a verdade dos fatos daqueles dias terríveis que foram um prelúdio ao massacre perpetrado pelas forças israelenses em Gaza no mesmo ano de 2014 – no qual foram mortos 2.220 palestinos e 11.000 ficaram feridos, segundo a Coordenação de Direitos Humanos da ONU -, os diretores da TV, assim como o diretor do seriado, Hagai Levi, o incomodaram muito.
A bem da verdade, o seriado alivia os serviços de “segurança” israelenses ao deixar de relatar e mostrar a barbárie da caçada aos autores do sequestro durante os 18 dias entre o desaparecimento dos jovens judeus e o encontro de seus corpos: 350 palestinos presos, muitos dos quais espancados, 1.000 casas invadidas e revistadas, 750.000 palestinos proibidos de circular com liberdade durante o período.
As organizações humanitárias israelenses, B’Tselem, Quebrando o Silêncio e Médicos pelos Direitos Humanos, escreveram uma carta ao ministro da Segurança Pública, Yitzhaq Aharonovich, destacando que a operação de busca pelos jovens (denominada “Voltem Irmãos”) “levanta sérias preocupações por infringir de forma irrefreada os direitos básicos e recorrer à punição coletiva”.
Enfim, ao contrário do que pede Netanyahu, as lacunas que encontro no seriado, não comprometem a essência do seu recado. Trata-se de uma bem realizada denúncia contra o ódio racial e que merece ser amplamente divulgado, assistido e debatido.
O VALE-TUDO PARA ESCONDER A CORRUPÇÃO
Outro fator que tem deixado Netanyahu fora de si com a TV israelense é a cobertura dos desdobramentos das investigações que demonstram o envolvimento dele e de sua esposa, Sara, em atos de corrupção.
É o que expõe o jornalista Yossi Verter em seu artigo de domingo intitulado “Agora está claro: Netanyahu não vai descansar até que o sangue de um jornalista seja derramado”, publicado pelo jornal israelense Haaretz.
“O primeiro-ministro de Israel chamou seus seguidores a entrarem em ação. Ele acusou as excelentes reportagens de Guy Peleg, o repórter do Canal 12 para assuntos legais, assim como seus colegas e editores, de estarem perpetrando um ataque.
“Quase sem conseguir respirar e tossindo, repetiu a palavra: ‘Ataque! Ataque à democracia! Um verdadeiro ataque!
“Para não deixar dúvidas sobre quem ele ameaça, mencionou os ‘perpetradores’ pelo nome”.
Além do jornalista Guy Pelega, “Avi Weiss, diretor de noticiário da TV; Avi Nir, diretor executivo do Canal 12 e os acionistas principais, Drorit Wertheim e Yitzhak Tshuva”.
Para o articulista Verter, as ameaças são para serem tomadas a sério, vindas de quem “mais de duas décadas atrás marchou diante de um caixão em um protesto contra o primeiro-ministro Yitzhaq Rabin [que acabara de assinar o acordo de paz com Yasser Arafat e seria assassinado após um mês de odiosa campanha]. De quem incitou do alto de um palanque na Praça Zion, com cartazes de Rabin, vestido de uniformes das SS, à sua frente”.
Agora, diz Verter, “ele retorna para os seus dias do mal, ou como diz o ditado: assim como o cachorro volta a seu vômito, um louco repete a sua loucura”.
Para Verter, ele está “em busca do caos, da falta de contenção que o permitam mostrar sua ‘liderança’ e controlar o que lhe está acontecendo”.
Em seu desespero, analisa o articulista, “ele entende o que vai acontecer a ele se não consegue formar um governo no dia 17 de setembro e joga sua ira descontrolada sobre a corajosa imprensa livre”.
“Isso depois de ter causado dó ao tentar e falhar em sua busca desta sexta-feira de impedir que o Canal 12 levasse ao ar as transcrições de seu interrogatório nas investigações sobre corrupção”, prossegue Verter.
“Ele quer uma mídia alistada a seu favor, de fidelidade canina” e, para isso “não hesita em erguer o instinto assassino sobre seus inimigos do ‘Fake Canal 12’”.
“O primeiro-ministro, seu filho mais velho e sua esposa – o eixo do mal que insta por loucura e ódio – estão vendo à sua frente o perigo da separação da residência oficial na rua Balfour (casa oficial do primeiro-ministro de Israel), do fim da imunidade e do poder de mando e isto está mais próximo do que nunca”.
“O que vimos nas declarações dos últimos dias”, conclui Verter, é “algo que deve chamar a atenção de todo cidadão em idade de votar: o fruto amargo de um fim semana no seio daquela família. Temos 16 dias pela frente”.
NATHANIEL BRAIA