
Reportagem do jornal The New York Times expõe mais laços de longa data entre o agora presidente Donald Trump e o bilionário pedófilo Jeffrey Epstein, cuja morte na prisão é vista por muitos como uma queima de arquivo
Trump organizou uma festa privada em 1992 em seu resort Mar-a-Lago, na Flórida, com Epstein como único outro convidado e foco em “mulheres jovens”, revelou o NYT. Ao jornal, o empresário George Houraney, que coordenava o evento “Garotas do Calendário” na região, disse que estranhou a ausência de outros VIPs.
“Eu disse: ‘Donald, esta deveria ser uma festa com convidados importantes’. Você está me dizendo que é só você e Epstein?”, relatou Houraney na entrevista.
A então namorada de Houraney, Jill Harth, acusou Trump de assédio sexual naquela noite, alegando em processo judicial que ele a forçou a ficar em um quarto, onde a beijou e tocou sem consentimento. O caso foi encerrado cinco anos depois, após acordo extrajudicial com Trump, que negou as acusações.
Outra ponta desencapada levantada pelo NYT é a artista Maria Farmer, uma das acusadoras de Jeffrey Epstein, que associou Trump ao falecido predador sexual. Para o jornal, seu relato é um dos “indícios mais claros até o momento” que ligam o presidente dos EUA aos autos do caso que as autoridades ainda não divulgaram.
De acordo com o depoimento, Maria Farmer, então com 20 anos, trabalhou para o financista entre 1995 e 1996, inicialmente adquirindo obras de arte em seu nome, mas depois acabou supervisionando a entrada e saída de menores, mulheres jovens e celebridades na mansão do empresário em Nova York. Ela denunciou que, em certa ocasião, Epstein e sua cúmplice Ghislaine Maxwell, a apalparam violentamente depois que seu chefe pediu uma massagem nos pés, tendo apresentado queixa em 1996 ao Departamento de Polícia de Nova York e ao FBI.
Nesse depoimento, Farmer descreveu o encontro com Trump, em uma noite em que Epstein a chamou inesperadamente ao seu escritório em um prédio de luxo em Manhattan, onde ela chegou de shorts, com as pernas de fora, e deu de cara com Trump a encarando fixamente. Epstein entrou na sala e disse a Trump: “Não, não. Ela não está aqui para você.”
Os dois saíram da sala e Farmer disse que ouviu Trump comentando que achava que ela tinha 16 anos. Apesar destes encontros, ao NYT ela disse que não teve mais interações alarmantes com Trump e nunca o viu se envolver em conduta inadequada com outras meninas ou mulheres.
“Seu relato é uma das indicações mais claras até agora de como Trump pode ter sido nomeado nos arquivos investigativos não publicados do caso Epstein”, observa o jornal.
“NUNCA ESTEVE”, DIZ PORTA-VOZ
Revelação que foi veementemente contestada pelo diretor de comunicações da Casa Branca, Steven Cheung. “A verdade é que o presidente o expulsou de seu clube por ser um canalha” e Trump “nunca” esteve no escritório de Epstein, asseverou.
A reportagem do NYT joga mais lenha na crise política em Washington. Desde o “cavalo de pau” da atual administração em relação às promessas de campanha, é a segunda denúncia em menos de uma semana, com a anterior tendo sido veiculada pelo Wall Street
Na semana passada, expressando o grau de divisão nas altas rodas dos EUA sobre a política de tarifaço geral, a ameaça de demitir Jerome Powell do Federal Reserve e os riscos para o mercado de títulos do Tesouro, o porta-voz da nata da agiotagem global, o Wall Street Journal, havia colocado no colo de Trump uma bomba. Uma mensagem descrita como obscena, pelos 50 anos de Epstein, do próprio punho de Trump e reveladora de profunda cumplicidade: “Feliz Aniversário — e que cada dia seja outro segredo maravilhoso entre nós”.
O “presente” do WSJ incluía uma foto de ambos, ladeados pelas respectivas então namoradas, Melania, agora primeira-dama, e Ghislaine Maxwell, já então aliciadora-mor e, agora, presidiária.
Crise que não foi debelada nem pela cassação sumária da procuradora Maurine Comey, que encabeçara a investigação, nem pelo teatral processo contra o WSJ do velho comparsa de tenebrosas transações e da Fox News, Rupert Murdoch, em que cobra US$ 10 bilhões por “danos”.
Sob pressão da mídia e da opinião pública, na sexta-feira, o Departamento de Justiça apresentou uma moção a um tribunal federal de Manhattan para liberar as transcrições do grande júri nos casos de Epstein e da ex-associada Maxwell.
O ex-advogado de Epstein, Alan Dershowitz – para quem o material comprometedor está em outros documentos, não entre essas transcrições – chamou a conceder “imunidade” à Ghislaine Maxwell para que deponha diante do Congresso. “Ela sabe tudo. Ela é a Pedra de Roseta”.
ABAFA
Como o Congresso entrou em recessão de verão, a expectativa de Trump é de ter algum alívio nesse período.
O líder da minoria democrata no Senado, Richard Durbin, denunciou na sexta-feira que centenas de funcionários do FBI foram designados para revisar os enormes arquivos da agência sobre a investigação de Epstein, em busca de qualquer menção a Trump.
Em cartas à procuradora-geral Pam Bondi, ao diretor do FBI Kash Patel e ao vice-diretor do FBI Dan Bongino, Durbin escreveu: “De acordo com as informações que meu escritório recebeu, o FBI foi pressionado a colocar aproximadamente 1.000 funcionários em sua Divisão de Gerenciamento de Informações (IMD) … em turnos de 24 horas para revisar aproximadamente 100.000 registros relacionados a Epstein, a fim de produzir mais documentos que poderiam ser divulgados em um prazo arbitrariamente curto … Meu escritório foi informado de que esse pessoal foi instruído a “sinalizar” todos os registros em que o presidente Trump foi mencionado.”
SIGA O DINHEIRO
Também o senador democrata Ron Wyden desancou a tentativa da secretária de Justiça Pam Bondi de varrer a sujeita para baixo do tapete. “O arquivo Epstein do Tesouro detalha 4.725 transferências eletrônicas, totalizando quase US$ 1,1 bilhão, entrando e saindo de apenas UMA das contas bancárias de Epstein. Se você me perguntar, são 4.725 linhas potenciais de investigação ali.” Ele acrescentou que é um “insulto” à inteligência do povo americano quando Trump e Bondi dizem que não há nada aqui para investigar.” O Times identificou os bancos envolvidos como JPMorgan Chase, Bank of America, Bank of New York Mellon e Deutsche Bank.
Relatórios do FBI identificaram mais de 1.000 mulheres e meninas jovens como vítimas de Epstein. No entanto, nem um único cliente americano de Epstein foi nomeado, muito menos processado. Apenas um cliente estrangeiro, o príncipe Andrew da Grã-Bretanha, foi obrigado a assinar um acordo civil com Virginia Giuffre, que Epstein aliciou para ele aos 17 anos. Giuffre, que nomeou outros homens como abusadores que nunca foram processados, cometeu suicídio em abril deste ano.
Diversas fontes acusam Epstein de ser um ativo do Mossad, o serviço secreto israelense, para fins de chantagem dos “clientes”, filmados ao praticarem suas taras.
GAROTAS QUE ERAM BASICAMENTE SEM TETO
Outra de suas vítimas, Courtney Wild, que disse ter 14 anos quando conheceu Epstein, relatou ao Miami Herald: “Jeffrey atacou garotas que estavam em um caminho ruim, garotas que eram basicamente sem-teto. Ele foi atrás de garotas que ele achava que ninguém iria ouvir e ele estava certo.”
A mesma revista que publicou em 2002 aquela declaração de Trump chamando Epstein de “cara fantástico e muito divertido de se estar”, que gosta das novinhas e da sua “vida social”, também divulgou mensagem do ex-presidente Bill Clinton (ao que se sabe, por 27 vezes carona no Lolita Express).
“Jeffrey é um financista de grande sucesso e um filantropo comprometido com um senso aguçado dos mercados globais e um conhecimento profundo da ciência do século XXI … Apreciei especialmente suas percepções e generosidade durante a recente viagem à África para trabalhar na democratização, empoderamento dos pobres, serviço ao cidadão e combate ao HIV/AIDS.”
Outro fio da meada pode estar no fato de o procurador que em 2007 garantiu a Epstein um acordo pelo qual, ao invés de condenado como o mais notório pedófilo dos EUA, Alexander Acosta obteve uma ‘condenação’ menor, ficando 18 meses em uma ala especialmente construída para ele com todo o conforto, e uma cláusula secreta sobre ocultação de clientes, quando do primeiro mandato de Trump tornou-se seu ministro do Trabalho, mas acabou tendo de renunciar uma semana após a prisão de Epstein em 2019.
“COMO MARIA ANTONIETA E RASPUTIN”
Quando da prisão de Epstein em 2019 – um mês depois estaria “suicidado” -, uma colunista do Washington Post, Helaine Olen afirmou que o escândalo nos diz algo mais abrangente e importante sobre “como nossa atual era de excesso de riqueza pode chegar ao fim”. “Nossa era é de crimes explosivos e quase impunes cometidos pelos ricos e conectados”, ela escreveu.
Para Olen, o caso Epstein “passará a ser visto nos próximos anos como um dos eventos definidores que encerram nossa era de excessos”, e que as pessoas o estudarão nos próximos anos, como fazem agora com a conduta de Maria Antonieta e Rasputin às vésperas das revoluções francesa e russa.