A Coalizão Cívica pela Justiça e a Democracia da Nicarágua, que congrega estudantes, camponeses, empresários, acadêmicos e membros da Sociedade Civil, convocou uma greve nacional para a quinta-feira, dia 14.
“Esta é uma greve cívica, nacional e pacífica que abrange todo o país e todas as atividades econômicas, salvo aquelas relacionadas com a preservação da vida e a cobertura de serviços básicos para a população”, assinala o comunicado, acrescentando que “o objetivo é apoiar o Diálogo Nacional mediado pela Conferência Episcopal da Nicarágua, CEN, e exigir o fim imediato da violência e a repressão”.
O país está praticamente paralisado há quase 60 dias. Os protestos contra Ortega e sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, começaram em 18 de abril repudiando a tentativa de impor desastradas reformas que cortavam o orçamento das universidades, ajustando salários e professores, e mexiam com a Previdência, aumentando a idade mínima para as aposentadorias, encarecendo as contribuições tanto para os trabalhadores quanto para os patrões. Foi o estopim.
A corrupção já grassava em todos os setores do governo, cortes inexplicáveis nos orçamentos para a Educação e Saúde, abuso de poder e nenhum diálogo com os setores organizados da sociedade são hoje denunciados inclusive por membros históricos da Frente Sandinista de Libertação Nacional, FSLN, que derrubou o ditador Augusto Somoza nos anos 80, hoje descaracterizada pelo governo Ortega.
Sem disposição ao diálogo nem argumentos, o governo reprime de forma descontrolada as manifestações pacíficas, tendo provocado até o momento 147 mortos segundo a informação do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (CENIDH). Entre sexta e sábado passados quatro pessoas foram mortas em Manágua, Masaya e Jinotega. Apesar da violência não ter diminuído, o levante da população liderado pelos estudantes obrigou o governo a desistir das reformas.
A paralisação do dia 14, já teve seu começo em León, segunda cidade do país e considerada o centro intelectual por causa de suas universidades. Na terça-feira, 12, “León iniciou a greve cidadã, dando um exemplo de luta para o resto da nação. O som do silencio que se manifestou nas ruas disse a Daniel Ortega e a Rosario Murillo ‘Vão embora!’”, como afirmou o radialista Aníbal Toruño, diretor da Rádio Dario, cujas instalações foram incendiadas em abril pela polícia. “A greve convocada pela sociedade civil e os diferentes setores produtivos de León é efetiva em quase 100%: as ruas estão desertas, o setor de transporte – que inclui táxis e ônibus – acompanhou a paralisação”, informou.
Na capital, Manágua, o caos já está instalado. O governo lançou uma ofensiva entre o domingo e a segunda-feira para levantar os bloqueios de ruas, chamados “tranques”, com ataques de grupos de civis armados junto a policiais anti-motins, denunciaram manifestantes.
A cidade, antes de começar a greve, já estava semi- paralisada por falta de transporte e o temor das pessoas.
A Coalizão Cívica exige ao presidente que dê uma “resposta imediata à Conferência Episcopal sobre a retomada do diálogo nacional”, já que este é “o caminho para revisar o sistema político da Nicarágua desde sua raiz, para conquistar uma autêntica democracia e justiça”.
A CEN informou no dia 7 de junho que entregou uma proposta de “democratização” ao presidente para decidir se é retomado o diálogo nacional, que foi suspenso em 23 de maio passado. Ortega pediu aos bispos 48 horas para refletir sobre a questão.
Porém, na segunda-feira, 11, o secretário da Conferência e bispo da cidade de Estelí (noroeste), Abelardo Mata, disse ao jornal local La Prensa que “a resposta” que receberam “é mais violência”.
Uma reportagem da agência de notícias Pública denuncia que atiradores são orientados a atirar na cabeça para matar os manifestantes. A reportagem consultou um médico especializado em balística para obter sua análise sobre as tomografias do Hospital Lenin Fonseca, localizado em uma das cidades sublevadas. “Segundo o que eu vejo, eles disparavam com ‘precisão científica’: direto, para matar”, afirma o médico, que pede para manter sua identidade em anonimato por questão de segurança. Esse médico diz que viu muitas feridas parecidas quando prestava auxílio durante a guerra civil na Nicarágua, nos anos 1980. “São balas de alto poder. São fuzis, armas de guerra. Não são pistolas”.
“Acredito que [Ortega] respondeu com fatos. Nefasta resposta está dando, resposta que não tem nada de responsável. A crise está se aprofundando mais e mais”, assinalou o bispo da cidade de Esteli.
Muitas lideranças nicaraguenses já se posicionaram afirmando que o caminho para Ortega é deixar o governo. É o caso da ex-comandante da guerrilha sandinista Mônica Baltodano (publicamos matéria com trechos de entrevista concedida por ela nesta página).
O dirigente camponês Medardo Mairena declarou que nos últimos dias, Ortega teria dito a funcionários do Departamento de Estado dos EUA que poderia adiantar as eleições, mas sem renunciar. “É difícil de acreditar que enquanto este traidor se recusa a discutir as novas eleições e a solução dos problemas com a sociedade nicaraguense, vá prestar contas aos Estados Unidos”, falou Francisco Martínez, porta-voz da Coordenadora Universitária pela Democracia e a Justiça.