Retomada da economia bolsonarista é “fogo em palha de milho”, diz o professor, lembrando que “esses pacotes reeleitoreiros se extinguem em dezembro”
Em entrevista exclusiva para o HP, o professor Nilson Araújo de Souza, doutor em economia, membro da Comissão Política do PCdoB, afirmou que a retomada da economia bolsonarista é “fogo em palha de milho”. O professor ressaltou que “esses pacotes reeleitoreiros se extinguem em dezembro”.
Nilson considera que Bolsonaro ao “praticar juros altos na suposição de combater a inflação (13,75%, em setembro), atrai capital especulativo externo, aumentando a oferta de dólares, provocando a valorização da nossa moeda, barateando assim as mercadorias importadas. Mas os efeitos colaterais quebram a indústria nacional, promovendo a desindustrialização da economia: E com a indústria vai-se também o emprego”.
Para o professor, ”essa elevada taxa da Selic (juros básicos praticados pelo Banco Central), se descontada a inflação, está entre as maiores do mundo. Esses R$ 719 bilhões (que serão gastos com juros em 2022) são recursos surrupiados ao investimento público e ao bem-estar da população”.
Avalia que o pacote reeleitoreiro implicará em despesa extra para o Tesouro de R$ 160 bilhões. Nilson considera que “(as empresas) estão aumentando a produção pela ocupação de capacidade ociosa. Como a maioria dessas medidas se encerra em dezembro, a tendência é a economia desabar de novo”, afirmou.
Para o dirigente do PCdoB, “a redução do ICMS dos combustíveis sacrificou severamente as finanças dos Estados e, portanto, seus compromissos inarredáveis com educação e saúde”, e o corte na Educação de R$ 3 bilhões vai literalmente parar as universidades federais.
Nilson propõe a recomposição da Petrobras, “o desarme da armadilha da política econômica ancorada nos juros altos, na valorização da moeda e no superavit primário” e a extinção do teto de gastos. “Sem isso, não sobrarão recursos para investimento ou para os programas sociais”, asseverou. Propõe “uma política arrojada de recuperação do
salário mínimo com a criação de um programa que resolva a questão da dívida que mantém cerca de 63 milhões de pessoas no Serasa (aceitando a proposta do Ciro Gomes)”.
Para ele, retomar o investimento público é fundamental. “Há cerca de 14 mil obras de infraestrutura paradas no país” […] “simultaneamente, lançar um programa de obras estratégicas, como ferrovia, metrô, habitação e saneamento básico”. Em sua opinião, “não se iria muito longe se não se deflagrasse o processo de reindustrialização, a começar pelo complexo industrial da saúde”.
Segundo o professor, o combate à fome e à miséria extrema não pode esperar um minuto sequer. ‘São 33 milhões de irmãos e irmãs nossas passando fome, sendo que 125,2 milhões com algum grau de insuficiência alimentar. Para isso, manter os 600 reais do Bolsa Família rebatizado e iniciar um programa de renda mínima, retomando ao mesmo tempo o programa de estoques reguladores de alimentos e a “nacionalização” do preço dos combustíveis”.
Depois do aperitivo, vamos ao principal.
CARLOS PEREIRA
HP- Bolsonaro está anunciando a reanimação da economia: queda do desemprego e da inflação. Qual a consistência dessa predição?
NILSON ARAÚJO – Fogo em palha de milho. Não chega a ser voo de galinha. O essencial da política econômica de Bolsonaro-Guedes tende a empurrar a economia para baixo.
Juros elevados, entre os mais altos do mundo, onerando o Tesouro nacional e comprometendo o investimento público, além de sacrificar o capital do setor produtivo com o aumento dos encargos financeiros; corte do investimento público, acarretando a redução também do investimento privado, à medida que aquele investimento tem sido a principal alavanca do desenvolvimento econômico no Brasil e no resto do mundo; redução do salário real dos trabalhadores, o que estrangula o mercado interno; ausência de um horizonte de médio e longo prazo que pudesse orientar os investimentos privados.
Por tudo isso, era para a economia não crescer nada. Qual foi o pulo do gato? Segundo estimativa feita por economistas, o pacote reeleitoreiro implicará em despesa extra para o Tesouro entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões, a maior parte disso a ser desembolsada ainda neste ano. Digamos que a parte que se está gastando até o final deste ano seja de R$ 160 bilhões. Isso significa 1,8% do PIB do país, que é de R$ 8,7 trilhões.
Além disso, as empresas em crise há vários anos estão com capacidade ociosa. De acordo com artigo publicado no Valor Econômico por Alessandra Saraiva, “de janeiro de 2010 a dezembro de 2019, a média histórica do Nuci [índice de utilização de capacidade instalada] da indústria brasileira era de 78,8% e, nos últimos dois anos, de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, o uso de capacidade ficou, em média, em 76,2%”, ou seja, a utilização da capacidade instalada da indústria já era baixa antes e piorou no atual governo; mesmo depois de normalizadas as atividades, que haviam despencado devido à Pandemia, os índices continuaram baixos – e, portanto, a capacidade ociosa tem sido elevada: 21,2% no primeiro período e 23,8% no segundo. A injeção de dinheiro em circulação reforça o mercado interno e as empresas, sem gastar nada com investimento, estão aumentando a produção pela ocupação de capacidade ociosa. Como a maior parte dessas medidas se encerra em dezembro, a tendência é a economia desabar de novo. Mas isso poderá ser evitado, porque, ganhando as eleições, o presidente Lula tende a deflagar imediatamente as medidas de reconstrução nacional.
“A queda da inflação é artificial e, portanto, não há nenhuma garantia de que persistirá. O governo, em lugar de atacar as causas da inflação, saiu pela tangente, impondo aos governadores a redução do ICMS dos combustíveis”
A queda da inflação é artificial e, portanto, não há nenhuma garantia de que persistirá. O governo, em lugar de atacar as causas da inflação, saiu pela tangente, impondo aos governadores a redução do ICMS dos combustíveis. Isso reduz substancialmente o custo dos combustíveis e, por conseguinte, seu preço. Mas essa medida, que sacrificou severamente as finanças dos Estados e, portanto, seus compromissos inarredáveis com educação e saúde, só tem vigência até o final do ano. As causas da inflação atual, expressando um “choque de oferta”, já estão mais do que determinadas:
1) Uma política de alimentos que não faz estoques reguladores, como há décadas se vinha fazendo, e, ao contrário, se exporta essa produção. Com estoques reguladores, o governo poderia liberá-los durante a entressafra, bloqueando assim a pressão altista sobre os preços;
2) uma política de combustíveis que exporta petróleo bruto e importa os derivados, cotados em dólar. Assim, qualquer mexida no dólar ou no preço internacional do petróleo afeta os preços dos combustíveis aqui no país. O Brasil é mais do que autossuficiente em petróleo; se a parcela da produção que abastece o mercado interno fosse toda refinada aqui, não haveria porque os preços internos serem referenciados no dólar. E há capacidade de refino que praticamente atende ao mercado interno;
3) desorganização da cadeia mundial de suprimentos, dada a maneira atabalhoada como distintos governos e distintos setores tentaram emergir da crise.
JUROS
Nada disso se combate com elevação de taxa de juros. Como isso (o juro) vai bloquear a escassez de oferta de alimentos devido ao fato de haverem sido exportados e se deixou de fazer o estoque regulador? Como isso vai afetar o preço do combustível devido ao passeio pelo exterior que dá o petróleo produzido aqui? Como isso vai afetar a desorganização da cadeia mundial de suprimentos, que leva à escassez de determinadas matérias primas e bens intermediários?
HP- Quais as consequências na economia do país das medidas eleitoreiras de Bolsonaro como, por exemplo, o auxílio emergencial de 600 reais para 20 milhões de brasileiros até dezembro, totalizando 43 bilhões de reais?
NILSON ARAÚJO – Há também outras medidas de igual natureza. Se somarmos a previsão de gastos dos vários pacotes reeleitoreiros (complementação do chamado Auxílio Brasil, renúncias fiscais, antecipação do 13º a aposentados e do FGTS, redução do preço dos combustíveis), chega-se, como dissemos antes, a um montante entre R$ 160 bilhões a R$ 200 bilhões. Se tomarmos o valor menor, representa 1,8% do PIB. Como falei na resposta anterior, isso alimenta o mercado interno e, como a economia está com capacidade ociosa, as empresas podem atender a essa demanda sem precisar fazer novos investimentos. Isso puxa o PIB para cima. Duas coisas, no entanto: a) como esse gasto representa apenas 1,8% do PIB, o efeito no seu crescimento é pequeno; b) como esses pacotes reeleitoreiros se extinguem em dezembro, esse ligeiro alívio na economia igualmente desaparecerá. Para financiar esses pacotes, o governo cometeu barbaridades tais como calote nos precatórios e agora o contingenciamento, quer dizer, o bloqueio de R$ 10,5 bilhões dos orçamentos da educação, ciência e tecnologia, saúde, desenvolvimento regional e defesa. Só da educação, foram bloqueados R$ 3 bilhões.
HP- Os juros do BC estão em 13,75%. A IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado avalia que o Brasil vai gastar, em 2022, 719 bilhões de reais com juros. Esses juros nas nuvens trazem algum benefício para o país. Atraem capital externo? Derrubam a inflação? O que significa, afinal, essa sangria em nossa vida econômica?
NILSON ARAÚJO – Essa elevada taxa da Selic (juros básicos praticados pelo BancoCentral), se descontada a inflação, está entre as maiores do mundo. Esses R$ 719 bilhões são recursos que são surrupiados ao investimento público e ao bem estar da população.
Benefício algum. O governo com essa política dá com uma mão e tira com a outra, ou seja, de um lado, a promessa de inflação baixa nem sempre cumprida e, de outro, o fechamento de empresas nacionais e o desemprego. O BC pratica juros elevados como instrumento de combate à inflação, não tanto porque contenha a demanda, mas, sobretudo, porque atrai capital externo (o capital especulativo, fictício, estéril, que nada produz e se alimenta do valor gerado na economia real); com a maior oferta de dólares trazidos pelo capital externo, nossa moeda, o Real, se valoriza, tornando o produto importado mais barato e bloqueando assim a elevação dos preços.
Mas os efeitos colaterais quebram a indústria nacional, promovendo a desindustrialização da economia: a participação da indústria de transformação no PIB, que, na década de 1980, beirou os 30%, hoje mal chega a 10%. E com a indústria vai-se também o emprego. Os pós-modernos dizem que não há problema nisso e que essa seria a tendência mundial. Mas ocorre que a média mundial desse índice é de 16,6%, sendo que isso, repito, é uma média; há países em que a indústria de transformação tem uma participação no PIB muito maior.
Juros elevados trazem prejuízos à economia e à população: 1) cerceiam a possibilidade de o Estado investir e de promover o bem estar da população; 2) sacrificam o investimento privado: os empresários que têm recursos próprios deixam de investir na produção para aplicar no mercado financeiro e os que não o têm estão impossibilitados de tomar empréstimos a esse custo proibitivo; 3) provocam a desindustrialização da economia.
HP- Temer fez a reforma trabalhista, modificando 103 artigos da CLT. Bolsonaro fez a reforma da Previdência, adiando em até dez anos o direito à aposentadoria dos mais pobres e credita novos postos de trabalho a essas reformas. Quais os efeitos dessas medidas para o trabalhador?
NILSON ARAÚJO – Os governos comandados pelas oligarquias financeiras dos países desenvolvidos, por meio de seus servis prepostos nos países da periferia, sempre que vão tirar algum direito do trabalhador disfarçam dizendo que é para beneficiá-lo. A antirreforma da Previdência, na verdade, retirou o direito do trabalhador se aposentar, sobretudo os mais pobres, ao exigir uma trajetória de emprego que poucos trabalhadores conseguem manter, além de estabelecer uma idade mínima que a maioria dos trabalhadores não consegue atingir: entre 62 e 65 anos, a depender da situação e do ano em que o trabalhador se aposentaria.
Com a antirreforma trabalhista, praticamente se retiraram os direitos conquistados desde as primeiras medidas adotadas por Getúlio Vargas (corporificadas na CLT) até as incluídas na Constituição de 1988. Enterrados numa crise sem fim, gerada por eles mesmos, os monopólios, sobretudo os do capital financeiro, querem tirar o couro do trabalhador, para isso retirando seus direitos e transformando-o praticamente num escravo.
Assim como no período de nascimento do capitalismo, ele recriou o trabalho escravo nas Américas, agora, na sua fase senil, tenta criar uma espécie de escravidão moderna.
No período de vigência dessas antirreformas, a começar pela implementada por Temer, a economia tem estado estagnada ou em recessão e as taxas de desemprego nas alturas. As duas antirreformas, em lugar de gerar emprego, como eles prometeram, engendram estagnação na economia, ao debilitarem o mercado interno, e, por conseguinte, contribuem para gerar desemprego, como geraram até agora. Agora, começaram a ser criados alguns empregos, mas grande parcela sem direitos, à semelhança de um escravo.
HP- O debate econômico vai esquentar no 2º tuno das eleições. São 33 milhões passando fome e 40% dos trabalhadores na informalidade. Caso Lula confirme a vitória, na sua opinião, que medidas econômicas o novo governo deveria, desde já, assumir o compromisso de tomar?
NILSON ARAÚJO – Já é quase consenso entre os economistas denominados progressistas que o governo Lula deve tomar as medidas mais importantes nos primeiros seis meses porque a expectativa do povo é muito grande e provavelmente não daria para esperar mais tempo amargando a miséria e o desemprego, sem pelo menos ser dado início a um processo de reconstrução que aponte para a retomada do desenvolvimento, tirando o Brasil do buraco em que o meteram.
“Iniciar a reconstrução da capacidade estatal de atuar na economia, como a recomposição da Petrobras, o desarme da armadilha da política econômica ancorada nos juros altos, na valorização da moeda e no superavit primário”
O recomendável, então, é que, caso confirme a vitória de Lula, o que lutamos para acontecer, o novo governo inicie imediatamente um processo de reconstrução nacional. Há as medidas necessárias e as que é possível implementar em face da correlação de forças. Há medidas mais estruturais que se tornam emergenciais em função da gravidade da crise. O governo Bolsonaro está realizando um verdadeiro desmonte nacional. Sem a pretensão de ser exaustivo, indico aqui algumas dessas medidas necessárias.
Começar por medidas que reconstruam o espaço democrático que possuía o Estado brasileiro sob a égide da Constituição de 1988, recriando, por exemplo, os Conselhos e as Conferências (e recorrendo a plebiscitos e referendos, quando necessário), e iniciar a reconstrução da capacidade estatal de atuar na economia, como a recomposição da Petrobras, o desarme da armadilha da política econômica ancorada nos juros altos, na valorização da moeda e no superavit primário, bem como a extinção do teto de gastos. Sem isso, não sobrarão recursos para investimento ou para os programas sociais. E, mesmo que sobrem, não tem como gastar devido ao limite estabelecido pelo teto de gastos (que, diga-se de passagem, por ter sido bastante avacalhado por Bolsonaro-Guedes, na prática, já não existe mais).
A armadilha dessa política econômica se assemelha ao caso de um fazendeiro que mata a vaca para matar o berne. Nessa linha, essa política, para matar a inflação, mata a indústria nacional, desindustrializando o país. Ao lado da abertura comercial, é a principal responsável pela desindustrialização. Isso porque, ao praticar juros altos na suposição de combater a inflação, atrai capital especulativo externo, aumentando a oferta de dólares, o que provoca a valorização da nossa moeda, barateando assim as mercadorias importadas. Isso pode conter o aumento dos preços e derrubar a inflação, mas simultaneamente leva a indústria nacional à falência, ao não conseguir competir com os mastodontes internacionais, que, além de ser grandes empresas, ainda recebem um subsídio do governo do Brasil, que, além de valorizar a própria moeda, ainda promove a redução ou eliminação das tarifas de importação.
SALÁRIO MÍNIMO
Ao mesmo tempo que se enfrenta essa questão financeira, sobretudo baixando a taxa básica de juros para patamares civilizados, ao contrário dos verdadeiros juros de agiotagem que se pratica no país, tem-se que deflagrar um conjunto de medidas que dê início ao processo de reconstrução nacional. Para isso, deve-se fortalecer o mercado interno pela combinação de uma política arrojada de recuperação do salário mínimo com a criação de um programa que resolva a questão da dívida que mantém 63 milhões de pessoas, quer dizer, 39,17% da população adulta, penduradas no Serasa (acatando a proposta do Ciro Gomes). A elaboração de uma legislação que, inspirada no estatuto da CLT, contemple fatos novos do mercado de trabalho, a exemplo da uberização, considerando que a antirreforma trabalhista deixou o trabalhador praticamente sem direitos; essa nova legislação, ao memo tempo que retira o trabalhador de uma condição semiescrava lhe faculta melhores condições para lutar por seus direitos, ajuda a fortalecer o mercado interno Simultaneamente, organiza-se, um programa de compras governamentais.
“Retomar o investimento público é fundamental porque, não apenas ele gera infraestrutura e empregos, mas também serve de alavanca para o investimento privado”
Retomar o investimento público é fundamental porque, não apenas ele gera infraestrutura e empregos, mas também serve de alavanca para o investimento privado. Por exemplo, ao recuperar a capacidade de investimento da Petrobras, os produtores de plataformas, navios, sondas, etc. vão se encorajar a investir porque teriam um mercado garantido.
Há cerca de 14 mil obras de infraestrutura paradas no país, deteriorando-se e, portanto, desperdiçando os recursos que foram investidos. Retomar essas obras e ao mesmo tempo lançar um programa de obras estratégicas, como ferrovia, metrô, habitação e saneamento básico.
Mas não se iria muito longe se não se deflagrasse o processo de reindustrialização, a começar pelo complexo industrial da saúde, pois a Pandemia revelou nossas virtudes, principalmente o papel ímpar do SUS, mas também nossas debilidades, como, por exemplo, a não descoberta e fabricação da vacina contra a Covid-19. Até a pequena ilha do Caribe fabricou sua própria vacina, possibilitando que toda população fosse vacinada. O Butantã e a Fundação Oswaldo Cruz produziram vacinas, mas com o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da China e da Inglaterra (AstraZeneca). Mas há também os demais complexos industriais, como o de petróleo e gás, o militar, o agroindustrial.
FOME
O combate à fome, ao desemprego e à miséria extrema não podem esperar um minuto sequer. São 33 milhões de irmãos e irmãs nossas passando fome, sendo que 125,2 milhões (equivalentes a 58,7% da população) com algum grau de insuficiência alimentar e cerca de dez milhões de trabalhadores desempregados, sem contar o subemprego e o trabalho informal.
Para isso, manter os 600 reais do Bolsa Família rebatizado e iniciar um programa de renda mínima, retomando ao mesmo tempo o programa de estoques reguladores de alimentos e a “nacionalização” do preço dos combustíveis, para evitar a carestia que temos sofrido na carne nesses últimos dois anos e que afeta sobretudo aos trabalhadores de menores níveis de renda.
A questão do desemprego deverá ser enfrentada de frente. Dada a importância e a urgência não apenas de retomar as obras paradas, mas lançar um amplo programa de obras de infraestrutura de qualidade e deflagar o processo de reindustrialização do país, adotando um programa específico para incorporação dos desempregados ao mercado de trabalho. é também importante realizar o assentamento das cerca de 130 mil famílias que estão acampadas na beira das estradas.
É fundamental barrar o obscurantismo em todas as esferas da vida, mas particularmente na educação, nas ciências, e na cultura, é também de fundamental importância deflagar um amplo programa de educação que comece pela educação integral em tempo integral e pelo fortalecimento do ensino público, gratuito e de qualidade em todos os níveis. Não devemos esquecer do impacto da pandemia na educação das crianças e adolescentes. A realização de um “programa nacional de reforço escolar para a redução dos danos causados pela Covid-19 constitui uma necessidade premente. Esse programa deve ter como princípio o acolhimento, a recuperação da aprendizagem e medidas pedagógicas efetivas contra a evasão e a reprovação” (Diretrizes para uma plataforma emergencial e reconstrução nacional).
MEIO AMBIENTE
Para demonstrar logo de início a postura, ao contrário do atual governo, de que está comprometido com a luta pela emancipação da mulher, articular para aprovar na Câmara o PL 130/2011, que pune as empresas ou instituições que se recusarem a pagar salário igual para trabalho igual e, ao mesmo tempo, recriar o Ministério da Mulher. Além disso, o governo deve deflagar o combate a todas as formas de discriminação e preconceito.
Para um governo de união e salvação nacional, é imprescindível combater as desigualdades regionais, comandar a luta para superar o modelo predatório que impera na Amazônia, reverter a política anti ambientalista do atual governo. Um primeiro passo na questão ambiental consiste em “reconstruir e fortalecer o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os órgãos de apoio à definição de políticas ambientais e de fiscalização, além de aumentar a multa e a pena para crimes ambientais, sobretudo em casos de desastres ecológicos, como o de Mariana e Brumadinho” (Diretrizes…).
Por fim, começar a construir a “escada tecnológica” para, ´por meio da ciência & tecnologia, dar um salto de qualidade no nosso processo de desenvolvimento, recuperar a política externa independente com base no princípio da autodeterminação dos povos e nações e reafirmar o papel das Forças Armadas como defensoras do nosso território são ações fundamentais para a conquista da soberania nacional, indispensável para implementar o desenvolvimento soberano voltado para o atendimento das necessidades do nosso povo.
HP- Onde levantar recursos para essas mudanças?
NILSON ARAÚJO – Como todos os países que se industrializaram ou passaram por crises profundas, realizar a emissão monetária (em momentos de crise, com o aparato produtivo com capacidade ociosa, ela não é inflacionária, principalmente se for destinada ao investimento público); redução importante das isenções fiscais (segundo a Anafisco, o montante das renúncias fiscais atualmente é de R$ 457 bilhões, sendo que só R$ 141 bilhões seriam defensáveis econômica e socialmente); baixa na taxa de juros para patamares civilizados (nos últimos 12 meses até julho, à atual taxa de juros escorchante, o governo repassou R$ 586,4 bilhões aos banqueiros e outros aplicadores no mercado financeiro, havendo a estimativa de que ao longo deste ano se chegará à cifra de R$ 719 bilhões, ou seja, 4,5 vezes o montante dos pacotes reeleitoreiros); combate sem quartel à sonegação (o secretário da receita de Itamar Franco, Osires Silva, montou um programa de fiscalização das grandes empresas e, no primeiro ano de governo, conseguiu aumentar a arrecadação em 32%), taxação da distribuição de lucros e dividendos (só o Brasil e um outro país isentam lucros e dividendos); estabelecimento de uma renda adequada do pré-sal, seguindo o exemplo da Noruega, que transitou de um país atrasado da Europa para o pais de maior renda per capita no mundo com base na renda petroleira.
HP- No seu entender, qual a relação entre a política fascista de Bolsonaro e a política econômica de seu governo?
NILSON ARAÚJO – Os mastodontes cartéis dos países desenvolvidos, como não conseguem sair da crise na qual se meteram desde o começo dos anos 1970, buscam espremer cada vez mais os trabalhadores do mundo inteiro, inclusive dos próprios países desenvolvidos, dos quais se retirou a maior parte dos direitos conquistados no welfare state, sugando sua mais-valia tal como um vampiro chupa o sangue de suas vítimas. Daí resultaram as políticas neoliberais.
Mas a parte apodrecida da oligarquia financeira dos países centrais, seguida por seus servis prepostos da periferia do mundo capitalista, quer mais do que pode oferecer o neoliberalismo ordinário; quer um ultraneoliberalismo, isto é, escorchar mais ainda os trabalhadores. Como os trabalhadores reagem em clima de liberdade, essa oligarquia financeira apodrecida não hesita inclusive em impor regimes de força, incluindo aí os de natureza fascista.
O fascismo dos países centrais é expansionista; quer dominar outros povos. Já o fascismo da periferia é entreguista, é sabujo dos interesses imperialistas, haja vista o comportamento de Bolsonaro e sua trupe. Dizem-se patriotas, mas batem continência para a bandeira estadunidense e labutam para desnacionalizar a principal empresa estatal do Brasil, fruto de muitas lutas de militares e civis, desde a segunda metade da década de 1940, a Petróleo Brasileiro S.A, a Petrobras, velha de guerra.
Assim como as condições de vida do povo são o cerne da luta democrática, porque não existe democracia com 33 milhões passando fome e 40 milhões sem direito algum, o cerne do fascismo é a exploração desmedida do ser humano.