“Por que a inflação no Brasil (10,06% em 2021) está rodando a quase o dobro da inflação dos EUA (6,8%), e ao dobro da inflação na Europa e da inflação do G20 (5,2%), grupo das 20 principais economias, do qual o Brasil faz parte”, questiona o economista. “O problema é simples: há desconfiança sim, mas em relação a Bolsonaro”
O economista Nilson Araújo de Souza, organizador do livro ”O pensamento Nacional Desenvolvimentista’, doutor em economia pela Universidade Autônoma do México (Unam), e pós-doutor pela USP, afirmou ao HP que para enfrentar a inflação que castiga o Brasil neste momento tem que atacar pelo lado da oferta, ao contrário da elevação dos juros promovida pelo Banco Central.
Ele cita como maior escândalo no processo inflacionário o critério da correção de preços dos combustíveis, corrigidos pela variação do dólar. “Mas todo esse processo inflacionário foi deflagrado em 2020 por uma gigantesca irresponsabilidade do ultraneoliberalismo de Guedes, que acabou de desmontar os estoques reguladores de alimentos (inclusive desfazendo-se dos armazéns) e deixou toda a produção escapar para o mercado externo. E assim os preços dos alimentos cotados internacionalmente e em elevação passaram a reinar soberanos na determinação dos preços internos”, destacou o economista.
“Em que a elevação da taxa de juros no Brasil pode interferir nos preços das commodities (fixados internacionalmente), nas tarifas de energia elétrica (um preço administrado, conforme a própria carta) e nos “gargalos nas cadeias produtivas globais”? Fica claro na própria carta do presidente do BC que a inflação que castiga o Brasil neste momento resulta de um choque de oferta. Portanto, para conjura-la, tem que atacar pelo lado da oferta: 1) formando estoques reguladores de alimentos na safra que se inicia; 2) refinando internamente a quantidade de combustíveis indispensável ao abastecimento interno; 3) mudando a política de reajuste dos preços administrados, a começar por energia e combustíveis; 4) taxação da exportação de petróleo em bruto e alimentos”, defendeu.
HORA DO POVO – O presidente do Banco Central justificou a inflação brasileira como sendo um problema global. Você concorda?
NILSON ARAÚJO DE SOUZA – A inflação é um problema global, produto dos desarranjos da retomada da atividade econômica em meio a idas e vindas da pandemia. Mas o que ele deixa de explicar é por que a inflação no Brasil (10,06% em 2021) está rodando a quase o dobro da inflação dos EUA (6,8%), e ao dobro da inflação na Europa e da inflação do G20 (5,2%), grupo das 20 principais economias, do qual o Brasil faz parte. Ao longo dessa nossa conversa, vou procurar fornecer elementos para entender essa questão.
HP – Culpou a variação cambial como um dos fatores inflacionários e creditou esse problema a desconfianças no arcabouço fiscal.
NILSON ARAÚJO – A forte variação do dólar nos últimos dois anos (aumentou 7,47% em 2021, depois de haver aumentado 29,36% em 2020) e consequente desvalorização do real tornaram as mercadorias importadas mais caras em real. A questão mais uma vez é explicar a causa dessa variação cambial. Ele atribui a desconfianças no arcabouço fiscal, que estaria espantando os detentores de dólares, tornando-os, portanto, mais caros em moeda nacional. Mas por que, então, o dólar se valorizou no Brasil mais do que em outros países? O problema é simples: desconfiança sim, mas em relação a Bolsonaro. É a fuga da situação de insegurança gerada pelo comportamento de Bolsonaro.
HP – Culpou também a falta de chuvas. Procede?
NILSON ARAÚJO – Algo tem a ver a falta de chuvas com o encarecimento da energia, considerando que a maior proporção de abastecimento energético do país vem das hidrelétricas. Mas, na verdade, a tarifa da energia foi também impactada pela desvalorização do real em relação do dólar, já que essa tarifa, sobretudo no Centro-Sul, devido aos acordos de Itaipu, é corrigida pelo câmbio.
Mas o maior escândalo é o critério da correção de preços dos combustíveis. O Brasil é autossuficiente na produção de petróleo e também tem capacidade de refino suficiente para abastecer o mercado interno de derivados. No entanto, parte do petróleo é exportada, refinada lá fora nas refinarias das petrolíferas estrangeiras e reimportada sob a forma de gasolina e óleo. E, por esse passeio no exterior, seus preços são corrigidos pela variação do dólar. Bastaria coibir a exportação de petróleo em bruto, mediante taxação, para manter aqui dentro o volume suficiente para abastecer o mercado interno.
Mas todo esse processo inflacionário foi deflagrado em 2020 por uma gigantesca irresponsabilidade do ultraneoliberalismo de Guedes, que acabou de desmontar os estoques reguladores de alimentos (inclusive desfazendo-se dos armazéns) e deixou toda a produção escapar para o mercado externo. E assim os preços dos alimentos cotados internacionalmente e em elevação passaram a reinar soberanos na determinação dos preços internos.
HP – Por fim, sinalizou que a taxa de juros vai continuar subindo. Você acha que ele está certo?
NILSON ARAÚJO – Erradíssimo. A taxa de juros básica (a Selic), estabelecida pelo Banco Central, até março do ano passado estava em 2% ao ano. A partir dali, desembestou e chegou aos 9,25% atuais, e o BC ainda ameaça chegar aos 12% neste ano. Eles costumam recorrer à política monetária restritiva (juros altos) como instrumento de combate à inflação quando atribuem suas causas à pressão da demanda.
Esse instrumento até pode derrubar a inflação, numa economia que escancarou suas portas para o importacionismo, mas o custo em queda da produção e aumento de desemprego é altíssimo, já que desanima a atividade econômica. A entrada da economia brasileira em recessão a partir do segundo trimestre de 2021, situação que deve se manter neste ano, tem como uma de suas principais causas essa escalada dos juros.
Mas a própria carta do presidente do BC atribui essa escalada da inflação a outros fatores: “i. forte elevação dos preços de bens transacionáveis em moeda local, em especial os preços de commodities; ii. bandeira de energia elétrica de escassez hídrica; e iii. desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, e gargalos nas cadeias produtivas globais”.
Em que a elevação da taxa de juros no Brasil pode interferir nos preços das commodities (fixados internacionalmente), nas tarifas de energia elétrica (um preço administrado, conforme a própria carta) e nos “gargalos nas cadeias produtivas globais”? Fica claro na própria carta do presidente do BC que a inflação que castiga o Brasil neste momento resulta de um choque de oferta. Portanto, para conjura-la, tem que atacar pelo lado da oferta: 1) formando estoques reguladores de alimentos na safra que se inicia; 2) refinando internamente a quantidade de combustíveis indispensável ao abastecimento interno; 3) mudando a política de reajuste dos preços administrados, a começar por energia e combustíveis; 4) taxação da exportação de petróleo em bruto e alimentos.