“Ninguém vai me pegar”, disse Bolsonaro, nos EUA, sobre a quebra dos sigilos bancário e fiscal do seu filho, Flávio Bolsonaro, e de seu faz-tudo, Fabrício Queiroz – ao todo, 86 pessoas, inclusive cinco assessores diretos do então deputado Jair Bolsonaro, que também foram assessores do filho, e 9 empresas.
Flávio Bolsonaro e Queiroz tiveram o sigilo quebrado por indícios – mais do que “robustos”, como disse um promotor – dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Porém, Bolsonaro-pai parece achar que seus filhos – portanto, ele próprio – têm direito à imunidade até mesmo diante de investigações, independente dos seus malfeitos.
Bolsonaro mentiu outra vez sobre a quebra de sigilo de Flávio (“É a jogadinha, quebraram o sigilo bancário dele desde o ano passado e agora, para dar um verniz de legalidade, quebraram oficialmente o sigilo dele”).
O envio de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – ou da Receita Federal – para o Ministério Público (MP), em casos suspeitos, não constitui “quebra de sigilo”.
Se fosse assim, a serventia da lei seria a cobertura de ilícitos – pois é isso o que significa o Coaf (ou a Receita) não enviarem casos suspeitos, ou francamente ilegais, para o MP, como preconiza Bolsonaro (aliás, o líder do governo inseriu uma proibição nesse sentido – em relação à Receita – no substitutivo da medida provisória das alterações administrativas: v. Líder de Bolsonaro quer frear Receita Federal no combate à corrupção).
Bolsonaro disse que não é advogado para entender de “jurisprudência” – referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre esse tema, que apontou a legalidade do envio de informações ao MP.
Já que ele não é advogado, poderia perguntar ao ministro Sérgio Moro, que usou as informações do Coaf (e da Receita) nos casos da Operação Lava Jato. Tanto assim que, hoje, Moro luta para que o Coaf não seja retirado do seu Ministério – contra a oposição sorrateira do próprio Bolsonaro, como se viu, recentemente, em uma votação no Congresso (v. Sérgio Moro, Bolsonaro e uma vaga no STF e Com o voto do DEM de Onyx, comissão tira o Coaf de Moro).
Além disso, um presidente da República, seja ou não advogado, que diz, publicamente, que não se interessa pelas decisões do STF – isto é, pela jurisprudência do Tribunal constitucional do país – está apenas expondo o seu carnegão antidemocrático.
Depois de descarregar seu rancor em cima de uma repórter da “Folha de S. Paulo”, Bolsonaro, na tarde do mesmo dia, disse, sobre o caso de seu filho: “Aqui é Estados Unidos, estamos tratando dessa agenda positiva”.
Porém, por que Bolsonaro perdeu a compostura ao ser perguntado sobre o caso Flávio/Queiroz?
Porque não existe um caso “Flávio/Queiroz”.
Existe um caso Bolsonaro/Queiroz.
Fabrício Queiroz era faz-tudo de Bolsonaro-pai, que o colocou no gabinete do filho (v. Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro).
Nesse sentido, a investigação que resultou na quebra de sigilos de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, mais 84 pessoas e 9 empresas, é ainda bastante inicial.
Por exemplo, o pedido de quebra de sigilo somente toca na relação entre os Bolsonaro e as milícias em duas notas ao pé da página, para esclarecer que Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, funcionárias durante algum tempo do gabinete de Flávio Bolsonaro, são a mãe e a esposa de Adriano Magalhães da Nóbrega, “suspeito de integrar milícia”.
Adriano da Nóbrega é não somente isso, mas o chefe do Escritório do Crime, apontado como a organização criminosa que assassinou a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes (v. Bolsonaro e as milícias).
Então, por que o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC) e a 24ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal da 1ª Central de Inquéritos pediram a quebra de sigilos de Flávio Bolsonaro, Queiroz & cia.?
Por oito indícios dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, elencados no pedido ao juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro (abaixo, reproduzimos essas razões na ordem apresentada, inclusive com os grifos do original):
1) “As transações bancárias atípicas identificadas pelo COAF na conta corrente do investigado FABRÍCIO JOSÉ CARLOS DE QUEIROZ revelam indícios da prática de crimes de peculato (artigo 312 caput do Código Penal) consistentes no desvio de parte das verbas orçamentárias da ALERJ vinculadas à remuneração de ocupantes de cargos em comissão, prática conhecida no meio político como “Rachadinha”, “Rachid” ou “esquema dos gafanhotos”;
2) “A tese defensiva de que FABRÍCIO JOSÉ CARLOS DE QUEIROZ utilizava os recursos repassados pelos assessores exclusivamente para contratar outros assessores informais, além de carecer de provas, mostra-se inverossímil, pois a movimentação dos depósitos e saques de forma fracionada, além da destinação de quantias maiores do que a remuneração do titular para pagamentos de despesas pessoais, evidenciam dolo de ocultação, dissimulação e apropriação incompatíveis com quem alega ter dado destinação pública aos valores confessadamente desviados do orçamento da ALERJ;
3) “Dentre os assessores formalmente nomeados pelo Deputado Estadual FLÁVIO NANTES BOLSONARO que teriam repassado parte da remuneração constatam-se indícios da contratação de funcionários “fantasmas”, que serviriam de instrumentos para desviar os recursos orçamentários da ALERJ sem prestar serviços públicos;
4) “As nomeações de Policiais Militares como assessores parlamentares podem ter ocorrido com desvio de finalidade, pois os militares cedidos ficavam afastados do policiamento ostensivo nas ruas do Rio de Janeiro, mas também não cumpriam expediente na ALERJ, sendo que pelo menos um deles passou meses no exterior, em troca do repasse de parte das gratificações a FABRÍCIO QUEIROZ;
5) “O que a defesa de FABRÍCIO QUEIROZ classifica como “atividades externas” compatíveis com o exercício simultâneo de outras atividades remuneradas contraria o Ato nº 72 da Mesa da Câmara dos Deputados que exige exclusividade e carga horária de 40 (quarenta) horas semanais;
6) “Os depósitos e saques em espécie realizados de forma fracionada nas contas bancárias dos investigados revelam indícios da prática de crimes de lavagem de dinheiro (artigo 1º caput da Lei 9.613/98);
7) “Diversas transações imobiliárias realizadas pelo então Deputado Estadual como a venda de salas comerciais para pessoa jurídica cujo sócio mantém sede em paraíso fiscal (Panamá), transações imobiliárias realizadas com dinheiro em espécie em quantias superiores a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e com indícios de superfaturamento ou subfaturamento nas operações apresentam suspeitas da prática de crimes de lavagem de dinheiro (artigo 1º, § 1º, I da Lei 9.613/98), conforme tipologias sedimentadas na Resolução nº 24/2013 do COAF;
8) “A estabilidade e permanência do esquema de desvio de recursos públicos através da participação de dezenas de assessores que desde o ano de 2007 eram nomeados mediante compromisso de repassar parte das gratificações pagas pela ALERJ revela a existência de uma organização criminosa (artigo 22 da Lei 12.850/13) com funções pré-definidas, ainda que a identificação de todos os integrantes demande a continuidade das investigações”.
É isso o que Bolsonaro chamou de perseguição política (“Desde o começo do meu mandato o pessoal está atrás de mim o tempo todo”).
Não é o primeiro a apresentar uma investigação ou ação penal contra a corrupção como se fosse perseguição política.
C.L.
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Ninguém? O Well não pegou ela lá em Dallas? Tinha um banner onde se lia Wellcome presidente Bolsonaro.
Espero que o caso Queiroz deixe a vida do ex-deputado inútil toda enrolada, para que a maldita reforma vá parar definitivamente na gaveta do suíno Maia .
Poderoso chefão lança desafio.
Lula fez a mesma coisa.