
Ex-ministro da Defesa elogiou gestão do ministro Alexandre de Moraes no TSE e contradisse depoimento de Almir Garnier sobre relatório das urnas. Como ele, quase todos os réus procurarm se mostrar bonzinhos diante da Justiça
O STF (Supremo Tribunal Federal) finalizou, nesta terça-feira (10), os interrogatórios dos membros do chamado “núcleo crucial” da trama golpista de 2022. O penúltimo a depor foi o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. O último depoimento foi o do general Walter Braga Netto. A trama foi urdida para manter o ex-presidente no poder.
O general surpreendeu ao pedir desculpas públicas ao ministro Alexandre de Moraes pelas críticas feitas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ainda elogiou a gestão do magistrado na Presidência da Corte Eleitoral.
O caso investiga conspiração para impedir a posse do presidente Lula (PT) após as eleições de 2022. A PGR (Procuradoria-Geral da República) aponta Bolsonaro como figura central da trama, que, segundo relatório da PF, envolveu militares de alta patente e autoridades do governo federal.
O “núcleo crucial” da trama, segundo a denúncia da PGR, é composto por 7 membros. E, ainda, segundo a PGR são os que lideraram a trama golpista:
· Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência);
· Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
· Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
· General Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
· Jair Bolsonaro, ex-presidente;
· Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e
· Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
PEDIDO PÚBLICO DE DESCULPAS
Durante o interrogatório, Paulo Sérgio fez pedido de desculpas público ao ministro Alexandre de Moraes. “Inicialmente, presidente, eu queria me desculpar publicamente por ter feito essas colocações naquele dia”, declarou o ex-ministro.
Nogueira justificou as declarações passadas como reflexo da inexperiência dele no cargo ministerial. “Eu tinha assumido o Ministério da Defesa em abril de 22, eu vinha do Exército. Talvez, com aquela postura de militar, e vendo aos poucos que na Defesa as coisas seriam diferentes”, explicou.
O general reconheceu ter usado “palavras completamente inadequadas” para tratar do trabalho do TSE e dirigiu-se diretamente a Moraes: “mais ainda olhando para vossa excelência, porque nós trabalhamos juntos nesse processo”.
ELOGIOS À GESTÃO DE MORAES NO TSE
Contrariando expectativas, Paulo Sérgio Nogueira teceu elogios à gestão de Alexandre de Moraes na Presidência do TSE. “A ascensão de vossa excelência à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral facilitou a minha vida”, afirmou o ex-ministro.
Como exemplo da boa relação, Nogueira citou o teste de integridade com biometria das urnas eletrônicas. Segundo ele, inicialmente havia “dificuldades logísticas pela proximidade do pleito”, mas Moraes determinou: “Vamos fazer, sim”.
“O senhor determinou um número de urnas e, com o senhor, consegui quase que triplicar. Esse teste, nas eleições de 2024, foram repetidas”, destacou Nogueira, ao apresentar o episódio como prova de colaboração efetiva com o TSE.
CONTRADIÇÃO COM ALMIR GARNIER
Um dos pontos mais controversos do depoimento do general foi a contradição direta com o testemunho do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Nogueira negou ter discutido relatório crítico às urnas eletrônicas com o almirante.
“O próprio Almirante Garnier disse hoje, que nós despachamos com ele esse relatório. Presidente, eu não despachei esse relatório com ninguém, o relatório era da comissão”, declarou categoricamente o ex-ministro.
Nogueira também afirmou nunca ter sido pressionado por Bolsonaro sobre o relatório, e contradisse versões anteriores que sugeriam interferência presidencial no documento da CTE (Comissão de Transparência Eleitoral).
NEGAÇÃO DE INSINUAÇÃO DE FRAUDE
Sobre o polêmico relatório das urnas eletrônicas, o ex-ministro negou ter insinuado fraude no processo eleitoral. “Quando o primeiro relatório saiu, houve uma repercussão impressionante. E ficou aquela: teve fraude ou não teve fraude?”, explicou.
O ex-ministro admitiu ter sido inadequado em suas palavras: “Eu soltei essa nota e, talvez, nas palavras eu não fui legal. Eu queria era desvincular o relatório com a fraude”. Demonstrando arrependimento, acrescentou: “Se fosse hoje, não teria feito essa nota, ou teria feito um esclarecimento mais ameno”.
Nogueira enfatizou que não teve “intenção de contrariar ou confrontar o TSE” e que o parecer da CTE, chefiada por militares em parceria com o TSE, não encontrou vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.
DESCONHECIMENTO DE MINUTA GOLPISTA
O ex-ministro negou conhecimento da minuta golpista enviada por Mauro Cid a Walter Braga Netto. O documento — “Bolsonaro Min Defesa 6-11 semifinal.docx” —, datado de 5 de novembro de 2022, apontava supostas vulnerabilidades nas urnas e seria endereçado ao ministro da Defesa.
“Eu concluí que era um texto encaminhado a Braga Netto e supostamente endereçado a mim”, declarou Nogueira, afirmando que soube do documento apenas por meio do inquérito e nunca o recebeu diretamente.
A negação é significativa, pois o documento representa uma das evidências centrais da acusação sobre a participação do Ministério da Defesa na elaboração de narrativas golpistas.
ENCONTRO COM HACKER CONFIRMADO
Paulo Sérgio Nogueira confirmou ter recebido o hacker Walter Delgatti no Ministério da Defesa a pedido de Bolsonaro. “Bolsonaro ligou e pediu que ele recebesse Walter Delgatti no Ministério da Defesa para ver se ele tinha ‘algo a acrescentar’ sobre as urnas eletrônicas”, relatou.
Esse relato, então, confirmou o depoimento de Delgatti, e comprometeu mais ainda a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), que está foragida na Itália. Já que a deputada levou o hacker ao Palácio do Planalto para conversar com o ex-presidente.
No entanto, o ex-ministro minimizou a importância do encontro: “o hacker esteve lá apenas uma vez, por cerca de 15 minutos”. Mais significativo ainda, Nogueira afirmou que “esse cidadão não saiu da sala de espera”, sugerindo que não houve reunião formal ou troca substancial de informações.
ADMISSÃO DE CONTATO COM MINUTA GOLPISTA
Em revelação crucial para o processo, Paulo Sérgio Nogueira admitiu ter tido contato com a minuta golpista durante reunião com Bolsonaro. “Tive contato, dia 7 de dezembro, numa projeção de ‘considerandos’, em reunião com o presidente Bolsonaro. Depois, nada de minuta de golpe”, declarou o ex-ministro.
A admissão representa mudança significativa em relação a negações anteriores e confirma que documentos golpistas circularam no alto escalão do governo. No entanto, Nogueira tentou minimizar a participação dele, sob a alegação que se tratava apenas de “considerandos” e não de minuta propriamente dita.
“Eu nunca peguei minuta de golpe para tratar com comandantes das Forças Armadas”, enfatizou o ex-ministro, e buscou estabelecer distinção entre ter conhecimento do documento e utilizá-lo para pressionar militares.
“TEMPESTADE DE IDEIAS”
Sobre o encontro de 7 de dezembro de 2022 com Bolsonaro e comandantes militares, Paulo Sérgio Nogueira ofereceu versão que buscou caracterizar as discussões como exploratórias, não operacionais. Segundo ele, o presidente mostrou apenas “ações e eventos em que ele se sentiu prejudicado ou injustiçado”.
O ex-ministro admitiu que estados de sítio e defesa foram discutidos, mas os caracterizou como parte de “tempestade de ideias” durante as conversas. A expressão sugere brainstorming teórico, não planejamento concreto de ações antidemocráticas.
Essa versão contrasta com depoimentos de outros envolvidos na trama golpista, que descreveram reuniões mais estruturadas e com objetivos específicos de articulação golpista.
MOMENTO DESCONTRAÍDO
Momento inusitado do interrogatório ocorreu quando Paulo Sérgio Nogueira chamou Alexandre de Moraes de “comandante”, corrigindo-se rapidamente para “ministro”. O lapso revelou a mentalidade militar do depoente e gerou resposta bem-humorada do magistrado.
“Isso é um elogio. Nas redes sociais, já recebi elogios piores”, respondeu Moraes, e provocou risos no plenário. O episódio ilustrou o tom mais descontraído do interrogatório de Nogueira, em comparação com outros réus.
PREOCUPAÇÃO COM “BOLSONARO DEPRIMIDO”
Paulo Sérgio Nogueira revelou ter proposto “escalinha” entre os 3 comandantes militares — Exército, Marinha e Aeronáutica —, para visitar Bolsonaro, sob a alegação com preocupação com o “estado de saúde” do ex-presidente.
Segundo ele, entre novembro e dezembro de 2022, esteve “ao menos 20 dias ao lado” de Bolsonaro.
A declaração busca humanizar a relação com o ex-presidente e justificar a proximidade no período pós-eleitoral como cuidado pessoal, não conspiração política. No entanto, essa proximidade constante também pode ser interpretada como evidência de participação ativa dele nas articulações do período.
NOVA CONTRADIÇÃO COM BAPTISTA JÚNIOR
A versão de Paulo Sérgio sobre as reuniões com comandantes militares conflita diretamente com o depoimento de Carlos Baptista Júnior. O ex-comandante da Aeronáutica havia acusado Nogueira de apresentar documento com propostas de estados de sítio e defesa, em 14 de dezembro de 2022.
“Eu nunca tratei de minuta de golpe com meus 3 comandantes”, declarou categoricamente Nogueira. Assim, criou contradição frontal com o testemunho de Baptista Júnior. Essa divergência será crucial para a avaliação da credibilidade dos envolvidos pelos ministros do STF.
MONITORAMENTO DE PROTESTOS
O ex-ministro admitiu que monitorava protestos por meio das redes sociais e revelou as preocupações com a escalada dos atos. “Temia que uma liderança levantasse o braço”, declarou Nogueira, o que sugeriu receio de que os protestos ganhassem direcionamento mais radicalizado por parte dos apoiadores do ex-presidente.
Essa admissão indica que o Ministério da Defesa acompanhava ativamente os movimentos pós-eleitorais e tinha consciência do potencial de radicalização dos atos.
Essa declaração pode ser interpretada tanto como preocupação legítima com a ordem pública quanto com o monitoramento para fins de articulação política. Ambas as perspectivas são válidas, mas diante do conjunto probatório farto e grande, a segunda preocupação é mais provável e aceitável.
As próximas oitivas serão dos outros 32 réus, que compõem os outros 3 núcleos diretivos da trama golpista.
“NÚCLEO 2”
O segundo grupo descrito pela PGR na denúncia tinha o papel de gerenciar as ações elaboradas pela organização. Ao todo, 6 denunciados integram este núcleo. Três desses membros — Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF; Marília de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça; e Fernando de Souza Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal — coordenavam “o emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro no poder”.
“NÚCLEO 3”
Ainda na denúncia da PGR, o órgão descreveu o papel de do terceiro grupo, que tinha como missão principal executar as ações coordenadas pelo núcleo anterior. São 12 pessoas que são citadas nessa parte do documento e tinham papéis distintos.
“NÚCLEO 4”
Por fim, esse quarto grupo da organização criminosa, segundo a PGR, foi designado por Bolsonaro para coordenar as estratégias de desinformação. O núcleo era formado por 8 membros, sendo a maioria de militar.