
Senadores alertaram para o risco de contingenciamentos no relatório do deputado Cláudio Cajado (PP) sobre o arcabouço fiscal. “Estou de pleno acordo em relação a não termos contingenciamento, em especial sobre os recursos da ciência e tecnologia”, defendeu o líder Randolfe Rodrigues
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, ao participar hoje (17) de audiência pública convocada simultaneamente por três comissões do Senado Federal (Ciência e Tecnologia, Educação e Serviços de Infraestrutura) afirmou que “não há como retomar a atividade econômica do país sem uma reindustrialização contemporânea”.
Ela deu como exemplo a importância estratégica do complexo industrial da saúde e sua importância, o desiquilíbrio da balança comercial e os desafios que a própria pandemia colocou para o país na produção da vacina, quando tivemos que importar os insumos.
A ministra lembrou que os desafios do último Plano Nacional do setor, formulado ainda em 2012, ainda são atuais: transição energética, desenvolvimento digital e mudanças climáticas.
“Esses desafios continuam atuais”, destacou Luciana Santos, para afirmar que “o Ministério da Ciência e Tecnologia não pode nem deve promover uma ação isolada, não é uma ilha de acadêmicos, e sim uma ferramenta transversal, que deve associada à melhoria da qualidade de vida da população”.
A ministra, como o fez na audiência pública em que participou na Câmara dos Deputados, apontou “o grande paradoxo do Brasil ser o 57º país na incorporação da ciência, tecnologia e inovação em produtos que impactem a condição de vida do povo brasileiro”.
Luciana Santos, ao denunciar esse paradoxo, destacou que o governo buscou desenvolver ações focadas na superação desse desafio, inclusive com a recuperação emergencial da capacidade científica do país, com reajustes das bolsas para os pesquisadores.
“Esse é o grande desafio”, sentenciou, lembrando que o país tem desenvolvimento conhecimento através de seus centros de pesquisa e universidades, mas muitas dessas inovações não conseguem impactar a vida das pessoas.
“Não por outro motivo já estivemos na condição de uma das maiores economias do mundo e somos também um país com grandes desigualdades ainda”, pontuou.
Luciana Santos falou de três grandes parcerias que estão sendo feitas no âmbito do governo federal para enfrentar desafios do setor: com o Ministério da educação na implantação de laboratórios e ferramentas nas escolas em tempo integral; como Ministério das Comunicações na construção de uma infraestrutura digital moderna e abrangente; e com
A ministra também ressaltou os avanços obtidos na área nesses primeiros meses de governo com o apoio decisivo do presidente Lula: a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o reajuste das bolsas para os pesquisadores, os investimentos no setor naval e aeronáutico e a decisão de retormar projetos que terão um forte impacto na reindustrialização do país nas áreas de saúde, defesa, energia, entre outros.
A ministra também defendeu o programa de “popularização da ciência”, principalmente depois de anos em que o setor foi marginalizado pelo governo Bolsonaro, como uma importante ferramenta para demonstrar à sociedade o significado do desenvolvimento científico e tecnológico na vida das pessoas.
Luciana Santos anunciou também a realização, em outubro deste ano, da Semana nacional da Ciência e Tecnologia, que servirá para difundir, amplamente, os avanços e os desafios no setor.
RISCOS APRESENTADOS PELO ARCABOUÇO FISCAL
Alguns senadores, como Izalci Lucas (PSDB-DF), em sua intervenção, manifestou a preocupação de que o projeto relativo ao arcabouço fiscal que tramita na Câmara dos Deputados poderá provocar contingenciamento de recursos do FNDCT, considerado fundamental para o setor. O parlamentar cobrou a aplicação integral dos recursos, que somam R$ 9,96 bilhões em 2023.
O arcabouço fiscal tramita na Câmara dos Deputados como projeto de lei complementar (PLP) 93/2023. O relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), apresentou um substitutivo ao texto original, encaminhado em abril pelo Poder Executivo. Um dispositivo sugerido por Cajado prevê o contingenciamento de recursos no caso de descumprimento de metas fiscais.
O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que não há orientação do Palácio do Planalto para o contingenciamento de recursos do FNDCT. Ele lembrou que uma medida provisória (MP 1.136/2022) editada em agosto passado pelo então presidente Jair Bolsonaro bloqueou recursos do fundo. Mas salientou que um projeto de lei (PLN 1/2023) enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado por senadores e deputados recompôs os recursos.
“A história de contingenciamento na regra fiscal está sendo colocada pelo Parlamento, lá na Câmara. A orientação do presidente Lula é acabar com essa história de gasto e falar em investimento. No passado, foram retirados R$ 4,18 bilhões com a medida provisória. Com o projeto de lei, nós recompusemos. Estou de pleno acordo em relação a não termos contingenciamento, em especial sobre os recursos da ciência e tecnologia”, afirmou Randolfe.
A MP 1.136/2022 perdeu a eficácia em fevereiro deste ano, sem sequer ser votada por senadores e deputados. A ministra classificou a medida provisória do governo Bolsonaro como um “corte drástico” no FNDCT. Luciana Santos disse que a pasta tem a intenção de liberar recursos “com celeridade”.
“Por meio do PLN 1/2023, tivemos a recuperação de R$ 4,18 bilhões do fundo. É motivo de grande festa na comunidade científica acadêmica e do setor produtivo poder contar com R$ 9,96 bilhões em 2023. Foi possível liberar R$ 1 bilhão até 14 de abril. Estamos conseguindo fazer a execução com celeridade. O volume chega a ser mais que o dobro do valor desembolsado no período anterior. Nessa primeira leva, apoiamos projetos inovadores de empresas no agronegócio, nos alimentos e nos combustíveis sustentáveis”, destacou.
INDEPENDÊNCIA ENERGÉTICA
O senador Osmar Aziz (PSD-AM) destacou a necessidade do país não aceitar imposições externas que comprometem o desenvolvimento nacional. Ao falar da região amazônica, lembrou que os franceses e os ingleses em suas respectivas guianas exploram o petróleo, embora sustentem um discurso de preservação ambiental para impedir que o Brasil promova a exploração sustentável em um setor ainda estratégico para o país.
“Os grandes protetores do meio ambiente mundial, pretensos defensores, estão explorando petróleo a poucos quilômetros da Amazônia, e tem gente aqui dentro que está a serviço dos americanos, só porque o Biden dá uma ajudinha para o Fundo da Amazônia, e aí não conseguimos atingir nossa autossuficiência no setor”, sentenciou.
Aziz denunciou também o fato de que os recursos orçamentários aprovados no setor não chegam à população brasileira, lembrando do alcance da biodiversidade da região amazônica para ser objeto do desenvolvimento científico e tecnológico.
EXCLUSÃO DIGITAL
O presidente da CCT, senador Carlos Viana (Podemos-MG), pediu à ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação a melhoria “nos parâmetros de conectividade da população”. Ele disse que, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quase 20 milhões de cidadãos não têm cobertura de internet.
— A exclusão digital leva a defasagem no processo de aprendizagem de nossos estudantes, dificulta a geração de emprego e renda e deteriora a qualidade de vida. É um problema cuja solução depende de uma boa vontade política e reforço orçamentário. Segundo Anatel e BID, com investimento de 9,5 bilhões de dólares, o Brasil conseguiria conectar 98,2% da população. É um valor significativo. Contudo, o montante se torna pequeno ante a perspectiva de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) que tais investimentos ensejariam. Esse incremento poderia ser de mais de 2,4% do PIB. Logo, não estamos tratando de um gasto infrutífero, mas de investimento com retorno garantido — afirmou.
FUGA DE CÉREBROS
O presidente da CI, senador Confúcio Moura (MDB-RO), defendeu mais investimentos do Poder Executivo para manter os pesquisadores no país.
“O Brasil é um país que vai aos solavancos: o que um governo faz o outro sempre se preocupa em desfazer. É um vai-e-volta permanente, e isso tem desanimado muitos pesquisadores brasileiros, que vão pouco a pouco se desiludindo com o nosso próprio país. Os maiores expoentes da pesquisa terminam saindo para outros cantos do mundo. Isso para nós é um prejuízo extraordinário”, disse, referindo-se à chamada “fuga de cérebros”.
“Após dez anos sem reajuste, reajustamos as bolsas da carreira científica. Essa medida representa um investimento de R$ 2,32 bilhões na correção dessa defasagem. Além do reajuste, vamos garantir uma ampliação de bolsas de iniciação científica e produtividade. Neste ano, vamos conceder 10 mil novas bolsas. Com isso, estamos garantindo R$ 150 milhões para o fomento à pesquisa científica”, afirmou.
DESASTRES NATURAIS
A senadora Teresa Leitão (PT-PE), por sua vez, questionou a ministra Luciana Santos sobre ações na prevenção de desastres naturais, como enchentes e deslizamentos de terra.
“A gente tem tido desastres naturais com mais frequência. Somos cruelmente atingidos, porque são as populações mais vulneráveis que geralmente estão envolvidas. Quais as perspectivas de melhorar o sistema de monitoramento para torná-lo mais eficiente e salvar mais vidas?”, indagou.
A ministra Luciana Santos informou que o ministério pretende ampliar o alcance do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“Isso é uma combinação entre os eventos climáticos e as condições subnormais em que vivem as concentrações urbanas. Mais de 80% da população brasileira vive nos centros urbanas e vive em condições subnormais: em morros ou alagados. Até o final do mandato, nossa meta é ampliar o sistema de monitoramento e alerta para 1.835 municípios. Isso vai corresponder a 70% da população brasileira, exatamente a parte mais adensada, onde ficam os centros urbanos e onde temos os maiores riscos de perda de vidas”, afirmou.
AGENDA LEGISLATIVA
Durante a audiência pública, Luciana Santos defendeu a aprovação de algumas matérias em tramitação no Senado. O primeiro item citado pela ministra foi o projeto de lei (PL) 2.338/2023, do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto regula o uso da inteligência artificial e aguarda distribuição para as comissões permanentes.
“Achamos que o projeto é muito relevante para criar marcos numa área que tem que ter controle, por motivos óbvios, pelo que impacta na mudança da vida das pessoas”, disse Luciana Santos.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação defendeu ainda a aprovação do PL 1.878/2022, da Comissão de Meio Ambiente (CMA), e do PL 725/2022, do ex-senador Jean Paul Prates (RN). As duas matérias regulam a produção e o uso do hidrogênio verde para fins energéticos.
O PL 1.878/2022 deve ser analisado pela comissão especial de políticas públicas sobre hidrogênio verde (CEHV), instalada em abril deste ano, antes de seguir para a CI. O PL 725/2022 aguarda relatório do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) na CMA.
O presidente da CEHV, senador Cid Gomes (PDT-CE), defendeu a regulação do tema. Para ele, o hidrogênio verde não deve ser usado como um item de exportação do Brasil, mas como parte da matriz energética do país.
“O hidrogênio verde é um combustível que, diferente dos outros, não emite carbono porque a queima é só do hidrogênio. Ele é uma das alternativas na transição energética no mundo. Na Europa, eles já têm um cronograma: para 2030, o objetivo é de que 55% da matriz elétrica da Comunidade Europeia seja de origem renovável. Isso inclui hidrelétrica, eólica, solar. Mas fundamentalmente a que tem maior tendência de crescimento é a utilização do hidrogênio verde”, afirmou.
Luciana Santos também recomendou a aprovação do PL 776/2019, do senador Chico Rodrigues (PSB-RR). O texto permite a dedução no Imposto de Renda de doações feitas a projetos de pesquisa científica e tecnológica. A matéria aguarda designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
MAC
(com informações da Agência Senado)