No dia 21 de junho de 2004, o Brasil perdia Leonel Brizola.
O menino pobre do interior do Rio Grande do Sul – depois governador do Estado, assim como foi governador, também, do Rio de Janeiro – completava a sua vida.
Em outras oportunidades, já publicamos textos de Brizola, e sobre Brizola, que o leitor poderá ler neste site (p. ex., HP 16/09/2011, Campanha da Legalidade: Brizola convoca o povo a resistir ao golpe, ou,HP 25/01/2018, Leonel Brizola: a coragem e a lucidez a serviço do Brasil).
Desta vez, publicamos a síntese, de Brizola, sobre os direitos do povo brasileiro.
São 15 pontos que definem o seu ideário, a sua identificação com o povo brasileiro.
Extraímos o texto do livro Tijolaços (Galpão de Ideias Leonel Brizola, Rio, 2017, pp. 33 a 38).
O texto foi escrito por Brizola, em 1990, para o manifesto de fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Portanto, tem quase 30 anos.
Na introdução, que é reproduzida no livro, Brizola escreveu: “Um partido político, para merecer este nome, deve guardar fidelidade a um conjunto de ideias e princípios sem os quais passaria a ser apenas um aglomerado de interesses e ambições eleitorais. Nosso partido, ao longo dos anos, vem mantendo essa coerência. É por isso que as elites econômicas e políticas que controlam o país – e que são as grandes responsáveis por essa situação a que o Brasil chegou – não nos podem compreender e, muito menos, nos tolerar. Dizem que não temos propostas ou ideias simplesmente porque não adotamos as suas, estas sim, fracassadas e obsoletas. Criticam-nos quando não coonestamos suas farsas ou manipulações porque sabem que, haja o que houver, custe o que custar, jamais faltaremos a nosso dever de coerência e lealdade para com a população”.
Neste momento, em que o reacionarismo, a estupidez, em suma, um governo contra o povo, contra a Nação, contra a democracia (e, além disso, contra a Educação, contra a Ciência e contra a Cultura), instalou-se temporariamente no país, reler o que Brizola pensava é, como diria Stanislaw Ponte Preta, um refrigério.
C.L.
Os direitos do povo brasileiro
[27 de maio de 1990]
LEONEL BRIZOLA
1. O DIREITO de viver em liberdade e sem medo, como povo civilizado, num ambiente de paz, sem ameaças de golpes e de violências repressivas, na posse e no usufruto de seu território e de seus recursos naturais, e em condições de impor respeito à sua dignidade e independência.
2. O DIREITO de ser a única fonte de soberania e de todo poder legítimo nos limites do território pátrio, e, por conseguinte, o direito de auto-organizar-se em um regime democrático, com uma Constituição estável, de ter suas leis, suas instituições públicas, sociais e privadas e o próprio Estado, organizados e funcionando conforme sua vontade soberana e seus reais interesses. Em consequência, é um direito do povo brasileiro opor-se e repelir toda e qualquer concepção ou doutrina que atribui a grupos e minorias ou às próprias instituições armadas uma missão tutelar por cima da soberania popular.
3. O DIREITO de escolher e fiscalizar livremente seus dirigentes e representantes no Estado, nos partidos políticos e em suas instituições sociais, através do voto universal, secreto e direto de todos os seus cidadãos, homens e mulheres, sem discriminação alguma, inclusive aqueles aos quais a sociedade e o Estado deixaram de ensinar a ler e a escrever. E, portanto, o direito de repelir e combater, considerando um atentado às garantias do cidadão, das minorias e à própria nação toda e qualquer interferência e pressões do poder econômico ou de origem autoritária nas eleições, corrompendo ou coagindo, deformando, enfim, a verdade eleitoral.
4. O DIREITO de participar da discussão, elaboração, execução, controle ou revisão de todas as decisões e atividades que o afetam, tanto no plano individual como quanto no coletivo, e dispor da mais ampla informação, num ambiente de livre debate dos problemas do país e da sociedade, com acesso a todas as correntes de pensamento, consagrando, em sua plenitude, a liberdade de imprensa -, da imprensa escrita, do rádio e da televisão – e a livre criação em todos os campos da cultura, das artes e da ciência.
5. O DIREITO de auto-organizar-se, num ambiente pluralista, em partidos, sindicatos, movimentos, associações, instituições e toda e qualquer forma de organização ou atividade, de acordo com os interesses e motivações, tendências e aspirações da população, de suas minorias, grupos sociais e comunidades, com independência do controle e tutela do Estado e com garantias contra toda a forma de autoritarismo ou limitações arbitrárias.
6. O DIREITO de abominar e combater toda doutrina e práticas que descriminem brasileiros e demais habitantes do país por suas ideias, crenças, sexo, idade, raça, aspecto físico, nacionalidade, classe social e econômicas ou, muito especialmente, por sua condição de pobreza; ou, ainda, que conduzam ao desrespeito de sua dignidade ou que suprimam ou destruam seus direitos humanos e sociais.
7. O DIREITO de transformar, através de legislação, medidas e instrumentos democráticos adequados, as estruturas políticas, sociais e econômicas do país para a construção de nosso desenvolvimento independente e de uma sociedade que venha a ser cada dia mais participativa e criativa, mais livre e democrática, mais fraterna e igualitária, com oportunidades iguais para todos os brasileiros.
8. O DIREITO de estabelecer, diante desse escândalo social inconcebível, atentado crucial ao futuro da nação, que é a existência no país de 25 milhões de menores carentes, em estado de miséria, degradação ou de completo abandono, como a mais urgente prioridade nacional, independentemente de toda outra consideração, a de garantir a todas as crianças, aos adolescentes e jovens do país, particularmente as de origem mais humilde, a necessária assistência, desde o ventre materno, alimentação, escolarização, desenvolvimento humano e educação.
9. O DIREITO de considerar, igualmente, como questão prioritária para o conjunto da nação, a situação de minorias, de degradação, de marginalismo de dezenas de milhões de brasileiros carentes de amparo, integrando-os, socialmente, através de amplos programas de desenvolvimento social; estimulando sua auto-organização e tomada de consciência, proporcionando-lhes meios de produção, trabalho, garantindo-lhes, como mínimo, um teto condigno, em um nível aceitável de assistência médico-social e meios básicos de sobrevivência e educação.
10. O DIREITO de estabelecer prioridades aos interesses gerais das maiorias trabalhadoras, populares e produtivas do país, proporcionando a todos, por modesta que seja sua habilitação, acesso ao trabalho, estabilidade ocupacional, salário justo, participação real e crescente nos frutos do desenvolvimento do qual eles são os principais construtores, bem como previdência e serviços sociais. O direito à ampla liberdade de auto-organizar-se em sindicatos e outras entidades que os próprios trabalhadores julguem necessárias e convenientes para a defesa de seus interesses, para dirigi-los independentemente do controle patronal, do Estado e dos partidos políticos, com plena garantia de greve como principal instrumento de luta dos assalariados.
11. O DIREITO de democratizar o regime de propriedade e a justa utilização dos recursos produtivos, visando ao desenvolvimento social e ao progresso econômico, de forma a garantir ao pequeno e médio produtor rural o acesso à propriedade ou à preservação e propriedade da mesma, e proporcionar habitação condigna a todas as famílias, tanto nas cidades quanto no interior do País.
12. O DIREITO de rejeitar ou opor-se a toda e qualquer política econômica e social concentracionista que favoreça as minorias e grupos privilegiados, nacionais ou estrangeiros, condenando imensos contingentes da população brasileira e regiões inteiras do País ao marginalismo e à miséria.
13. O DIREITO de exigir que o desenvolvimento brasileiro se realize com harmonia e proteção da natureza, com defesa do meio ambiente e a utilização racional dos nossos recursos naturais não renováveis. O povo brasileiro tem o direito de afirmar, em sua inconformidade, que a concessão de latifúndios a grupos nacionais e estrangeiros e à exploração predatória da Amazônia vem se realizando à sua revelia, lesando seus legítimos interesses.
14. O DIREITO de defender-se, de combater todo tipo de imperialismo político e econômico ou sistemas de exploração, não apenas do homem pelo homem, de grupos ou classes contra a coletividade, como, especialmente, a exploração do trabalho e dos recursos naturais de nosso país pelas empresas multinacionais.
15. O DIREITO de denunciar, como antinacionais, totalitárias, contrárias ao Brasil e seus destinos superiores, quaisquer doutrinas ou práticas que não reconheçam esses direitos brasileiros, como povo e nação, e que pretendam impingir a ideia de que a segurança nacional e o desenvolvimento só podem ser alcançados com um Estado forte, autoritário, elitista, centralizado e centralizador, com a economia do país entregue a grupos econômicos e financeiros internacionais. Essa doutrina é um instrumento ideológico de interesses estranhos à nacionalidade e de grupos espoliadores que nos vêm conduzindo à dependência e à dominação neo-colonial. Somente seremos uma grande nação em segurança se a totalidade de nossa população se elevar culturalmente, sob os valores da liberdade e da democracia, atingindo níveis de vida e de criatividade que só um desenvolvimento socialmente justo e independente lhe pode proporcionar.
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