Nos 95 anos da Revolução de 30, retomar o legado nacionalista de Getúlio

Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930 (foto histórica)


PEDRO AUGUSTO PINHO (*)


Se todas as pessoas anotassem diariamente num caderno seus juízos, pensamentos, motivos de ação e as principais ocorrências em que foram parte, muitos, a quem um destino singular impeliu, poderiam igualar as maravilhosas fantasias descritas nos livros de aventuras dos escritores da mais rica fantasia imaginativa. O aparente prosaísmo da vida real é bem mais interessante do que parece. Lembrei-me que, se anotasse diariamente, com lealdade e sinceridade, os fatos de minha vida como quem escreve apenas para si mesmo, e não para o público, teria aí um largo repositório de fatos a examinar e uma lição contínua da experiência a consultar

Com estas palavras, Getúlio Dornelles Vargas dá início a seu “Diário”, em 3 de outubro de 1930. E foi nesta data que a historiografia brasileira assinala o início da revolução que marcou o fim da República Velha, movimento que eclodiu no Rio Grande do Sul, com participação de Minas Gerais (Virgílio de Melo Franco) e do Nordeste (Juarez Távora).

À época, Getúlio era Presidente (Governador) do Rio Grande do Sul. Entre os eventos do dia, faz, em seu “Diário”, uma reflexão: “Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída digna para seu estado. A minha sorte não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide do destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e ativos. Não terei uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem? E se perdermos? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso”.

Entre 15/11/1926 e 17/12/1927, Getúlio foi Ministro da Fazenda de Washington Luís. Implantou neste período a reforma monetária e cambial (Decreto nº 5.108, de 18 de dezembro de 1926), e, em dezembro de 1928, antes de se afastar para disputar a Presidência do Estado do Rio Grande do Sul, criou o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União.

Até então, Getúlio, filho de “estancieiros” (proprietários rurais), esteve dedicado aos interesses ruralistas e das políticas gaúchas, onde as grandes figuras eram Pinheiro Machado e Borges de Medeiros. Mas sempre havia a sombra de Júlio de Castilhos, o Patriarca do Rio Grande do Sul, que deixara na Constituição de 1891 um positivismo nacionalizado.

Getúlio, e sua biblioteca o confirma, era leitor voraz, acompanhando as ideias e os movimentos no mundo ocidental. Podia assim, de certa forma, entender e até mesmo antever uma vertente política ou uma necessidade popular ainda não explicitada.

O que mais distanciava o Brasil dos países desenvolvidos era a falta de escolas, a garantia do trabalhador (lembremos que 1930 dista da formal libertação dos escravos menos de meio século: 42 anos) e um projeto de industrialização.

Tanto que, empossado na Presidência do Governo Provisório em 3 de novembro de 1930, onze dias depois cria o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14/11/1930), e, doze dias após, no mesmo mês de novembro, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto nº 19.433, de 26/11/1930). Profundas e verdadeiras revoluções.

Também revoga a Constituição de 1891, que acolhia os interesses agrários, plutocráticos e convoca o povo a participar do processo constitucional que levaria à Constituição de 1934.

O MUNDO EM NOVEMBRO DE 1930

Nas três primeiras décadas do século XX, o mundo ocidental enfrentara uma grande guerra, a mudança do principal insumo energético, o país que pela primeira vez na história fizera vitoriosa a revolução comunista, as invenções do automóvel, do avião e da radiodifusão, a conclusão da construção do Canal do Panamá e a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em outubro de 1929, marcando o fim da prosperidade da década.

O século XIX fora do triunfo e da expansão da Grã-Bretanha. Agora surgiam poderosos os Estados Unidos da América (EUA).

Porém, o que verdadeiramente nos importava e ainda nos causam fortes apreensões, é o Brasil, que, malgrado as mudanças institucionais e governamentais, da Independência e da República, ainda continuava e permanece, finda a Era Vargas, a ser colônia.

Mesmo com os 18 anos de governança de Getúlio, quando o Brasil avançou na oferta de vagas nas escolas e na iniciativa nas pesquisas científicas e tecnológicas, se industrializou com foco na empresa nacional e na proteção do trabalho, a distância para as nações mais desenvolvidas permanecia grande, e, no Brasil, uma oposição venal e entreguista o caluniava e dificultava melhores resultados.

Em outubro de 1961, mostrando a falta de Getúlio para a verdadeira libertação do Brasil, o engenheiro, humanitarista e filantropo Paulo Guilherme Martins editou “Um Dia na Vida do Brasilino”, onde, de modo irônico, mostrava a dependência nacional. Transcrevemos desta obra a manhã do Brasilino (“um homem qualquer, que mora num apartamento qualquer, numa cidade qualquer” e que lê no jornal de Carlos Lacerda, Tribuna da Imprensa, que “não existe imperialismo no Brasil”).

“(Brasilino) toma a sua primeira refeição. Não sabe que o leite que bebe é originário de uma vaca que foi alimentada com farelo Refinazil, da “Refinações de Milho do Brazil” (Brasil com Z), que é americana, e que a farinha com a qual foi feito o pão é originária do “Moinho Santista”, que não é santista e sim inglês”. “Em seguida, Brasilino vai fazer a barba: toma do pincel, feito com fios de nylon da “Rhodia” – que é francesa – enche-o com creme de barbear “Williams”, que é americano. Ensaboado o rosto, Brasilino toma seu aparelho “Gillette”, munido com lâminas “Gillette”, ambos da “Gillette Safety Razor do Brazil”, e, feliz, vai raspando a face, pois nem pensa que, para fazer sua barba, tem que pagar dividendos ao Capital Estrangeiro”.

Nas duas primeiras décadas do século XX, a Nação anestesiada, alienada, desinstruída, só teve registrável o protesto popular contra a vacinação obrigatória para a varíola no Rio de Janeiro, em 1904.

Os principais eventos se concentraram na década de 1920, quer na área cultural, a Semana de Arte Moderna, quer no mundo militar, em 1922, que ficou conhecido como “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, no Rio de Janeiro, e, em 1924, a revolta militar que eclodiu em São Paulo, rápida e fortemente reprimida. Porém, por toda a década houve manifestações que ficaram conhecidas por “Tenentismo”, dos jovens oficiais defendendo reformas políticas e sociais.

O grande feito desta década foi a “Coluna Prestes”, composta de 1,5 mil homens, que percorreu cerca de 25 mil quilômetros, através de treze estados do Brasil, entre outubro de 1924 e março de 1927. Participaram da Coluna, além de Luís Carlos Prestes, Miguel Costa, Juarez Távora, Siqueira Campos, Djalma Dutra, Cordeiro de Farias e Isidoro Dias Lopes, com o objetivo de desestabilizar e derrubar a República Velha e as oligarquias agrárias, implantar o voto secreto e promover o ensino público. Em 1926, o Governo Federal pediu a intermediação do Padre Cícero para oferecer a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a patente de Capitão, além de armas, para que ele combatesse a Coluna Prestes, demonstrando a fraqueza e o isolamento dos governos da República Velha (entre outras fontes: FGV tenentismo/mapas/coluna-prestes-no-tempo-e-no-espaco).

Os Governos de Getúlio não enfrentaram somente os capitais estrangeiros, mas a traição de muitos que dele se acercaram e, sobretudo, das mentiras que surgiram para que a imensa popularidade que cercava seus empreendimentos fosse contraposta, sobretudo na classe média, pela corrupção. O udenista Afonso Arinos de Melo Franco, já no período dos governos militares, 1964-1985, escreveu no “Jornal do Brasil” que o “Mar de Lama” fora somente um artifício oposicionista, pois jamais fora comprovado, embora tenha sido persistentemente investigado.

O BRASIL SEM GETÚLIO NEM SUCESSOR

Como já é público e notório, o mundo que segue após a Grande Guerra 1939-1945 não é o da Guerra Fria, uma bipolaridade política de interesse de ambas as partes, o ocidente imperialista e o mundo soviético, como as consequências da Conferência de Bandung (18 a 24 de abril de 1955), congregando 23 países da Ásia e do Oriente Médio, apresentam verdadeira comprovação. Mas da reconquista do poder financeiro, perdido com a Guerra de 1914-1918 e com a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929.

O industrialismo tinha como seu ponto forte a energia do petróleo, cuja eficiência superava a dos demais insumos energéticos, e a geração de empregos para ter a massa de consumidores a lhe proporcionar lucro. Do outro lado, as finanças dispensavam consumidores, pois seu lucro vinha das especulações e do controle das finanças dos Estados e combatiam o petróleo pelas falácias das crises climáticas e da poluição.

Na década de 1980 as finanças obtêm a vitória com as desregulações financeiras apoiadas pelos governantes do Reino Unido e dos EUA, logo se espalhando pela Europa Ocidental, e, no Brasil, impondo o general Figueiredo na sucessão em 1979 do general Geisel.

Desde então as finanças apátridas tomam conta do governo brasileiro e iniciam o desmonte do Estado, levando o Brasil aos anos da República Velha, sem os tenentistas, nem um líder da estatura de Getúlio.

A educação voltou a ser privada, como nos tempos coloniais, tendo o governador do Estado de São Paulo, coronel Tarcísio de Freitas, colocado escolas públicas paulistas em leilão, a energia que sob comando de Estado deu autossuficiência ao Brasil, hoje tornou-se financiadora de empresas estrangeiras e o País, como antes de Getúlio, importador de derivados de petróleo, e voltando, como no Império e na República Velha, a ser exportador de matérias primas, minerais e produtos agrícolas e pecuários não processados ou com o mínimo de tratamento necessário para aceitação no exterior.

Na representação política, todas as decisões são negociadas com favores ou dinheiro, a corrupção prevalece entre os representantes do povo, que, desinformado pelos meios de comunicação, fica apenas com as emoções para guiar seus votos.

O retrocesso em relação à Era Vargas é patente. E não há um Getúlio para colocar o Brasil no mundo da instrução, do trabalho, da saúde, da pesquisa e desenvolvimento, que garantem soberania e cidadania aos brasileiros.

(*) administrador aposentado.

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