Em artigo publicado no site mundo.sputniknews.com em que denuncia os crimes cometidos pelos nazistas, inclusive com o apoio do Estado ucraniano, Alexander Terekhin relata que “em março de 2019, quando o grupo já havia atingido o nível máximo de radicalização, foi revelado que o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) encarregava o S14 de realizar certas ‘missões’ que os próprios serviços especiais não podiam realizar por razões jurídicas”. Pela importância e esclarecimentos trazidos pelo articulista, o publicamos na íntegra
ALEXANDER TEREKHIN*
Quando se fala em grupos neonazistas na Ucrânia, a primeira coisa que vem à mente é o sórdido batalhão Azov. No entanto, existem mais organizações ultranacionalistas operando em território ucraniano, muitas com o apoio direto do Estado. Uma delas é a S14¹.
Também conhecida como C14 por sua transliteração ucraniana, ou Sich, esta organização de extrema-direita foi fundada em 2009 e, após uma recente mudança de nome, tornou-se o partido político Fundação da Liberdade.
Recebeu sua fama pelos violentos pogroms realizados contra os ciganos na Ucrânia. No entanto, esses ataques são apenas a ponta do iceberg da violência exercida por esse grupo.
NAZISTAS APOIADOS E FINANCIADOS PELO ESTADO
Em março de 2019, quando o grupo já havia atingido o nível máximo de radicalização, foi revelado que o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) encarregava o S14 de executar certas “missões” que os próprios serviços especiais não podiam realizar por razões jurídicas.
De fato, o próprio fundador do S14, Yevgeny Karas, se gabava abertamente não apenas disso, mas também de que o SBU fornecia ao grupo informações sobre apoiadores da Rússia, que mais tarde seriam atacados pelos extremistas. Assim, os neonazistas do S14 poderiam até agredir seus alvos em plena luz do dia na frente dos policiais.
O próprio Karas relatou os muitos casos em que, ao chegar ao local do ataque, a única coisa que os policiais lhes pediam era que “fizessem suas coisas onde não fossem vistos”.
No entanto, o apoio do Estado que o S14 recebe vai além de sua cooperação com a SBU. Por exemplo, em junho de 2018, foi revelado que o Ministério da Juventude e Esportes forneceu financiamento direto à organização neonazista.
Mais tarde, os grupos de extrema-direita participaram da formação do Ministério de Assuntos dos Veteranos em 2018. Este, por sua vez, retribuiu o favor: coopera amplamente com o batalhão Azov desde 2019 e, em 2021, o conselho social deste Ministério foi integrado pelos membros do S14. Além disso, esse mesmo Ministério também financiou diretamente a atividade do S14.
Da mesma forma, deve-se destacar que o S14 recebeu o maior nível de atenção quando seu líder, juntamente com os representantes do Azov, foi recebido pelo próprio presidente judeu do país, Volodymyr Zelensky.
Em março de 2018, um distrito de Kiev assinou um contrato para formar uma milícia municipal liderada por um representante do S14. Sua função oficial era patrulhar as ruas da capital ucraniana.
“A Ucrânia está mergulhando no caos da violência descontrolada de grupos radicais e sua total impunidade. Praticamente ninguém no país pode se sentir seguro nessas condições”, reagiu a Anistia Internacional a esta notícia.
Como comentou Josh Cohen para o Atlantic Council, o que preocupa é que, embora os partidos de extrema-direita não tenham um bom desempenho nas eleições, parece que o Estado não quer ou não consegue enfrentar esses grupos violentos para acabar com sua impunidade.
“NÓS ADORAMOS MATAR”
Em declarações recentes, feitas no início de fevereiro de 2022, o líder do S14, Yevgeny Karas, comentou que a Ucrânia se fortaleceu significativamente graças ao fornecimento de armas de outros países.
“Eles nos deram tantas armas agora não porque somos bons, mas porque somos os únicos dispostos a cumprir as ordens do Ocidente, porque nos diverte e adoramos matar, e a guerra nos entretém”, disse ele.
Ao mesmo tempo, o neonazista radical enfatizou que, com todo esse potencial militar, a Ucrânia agora pode mudar sua posição em relação a seus vizinhos, como a Hungria.
Então, assim que os nacionalistas chegam ao poder na Ucrânia, isso se tornará em um grande problema para muitos países que agora estão tentando nos ofender”, concluiu.
IMPUNIDADE AOS ASSASSINOS
O ativista social e jornalista Oles Buzin foi assassinado em 16 de abril de 2015 na capital ucraniana, Kiev. Já em junho do mesmo ano, o ex-ministro do Interior, Arsen Avákov, anunciou que o assassinato foi solucionado e os três supostos assassinos foram presos.
Todos os três suspeitos pertenciam ao S14, e entre eles estava o fundador da organização, Yevgeny Karas. Os outros dois eram Andrei Medvedko (ex-agente do Ministério do Interior ucraniano) e Denis Polischuk, candidato a deputado no Parlamento em 2012.
No entanto, um ano depois os suspeitos receberam prisão domiciliar “parcial” como medida preventiva e desde então o caso não avançou. O que avançou foi a carreira política de Medvedko, que em 2019 recebeu o cargo de membro do Conselho de Controle Popular da Agência Nacional Anticorrupção.
MAIS ATAQUES DO S14
O grupo neonazista atingiu o auge de sua radicalização em 2018, quando atacou um comício anual realizado para lembrar dois antifascistas russos que foram mortos. E este seria apenas o começo de sua jornada.
A partir de então, qualquer grupo que não se encaixasse em sua ideologia se tornava um alvo legítimo, e isso incluía as marchas de mulheres em 8 de março, as manifestações pelos direitos LGBT ou veteranos da Segunda Guerra Mundial. Deve-se notar que esses ataques eram perpetrados diante dos olhos dos policiais, que em muitos casos passaram a prender os manifestantes pacíficos que eram vítimas da violência em vez dos radicais.
Mas o S14 ganhou fama internacional após os violentos pogroms de assentamentos de ciganos nos quais não tiveram piedade nem pelas mulheres, nem pelas crianças. Um desses pogroms acabou com a vida de um homem.
No dia seguinte, o líder do S14 emitiu uma advertência com uma clara inclinação pelas ideias neonazistas sob a manchete Safari dos separatistas, na qual ameaçava os “micróbios do terrorismo à espreita nas ruas pacíficas da Ucrânia”. Curiosamente, retórica semelhante foi empregada em outro caso.
Em 2017, o ativista pacifista de esquerda Stas Sergienko acusou membros do S14 de atacá-lo e esfaqueá-lo.
“Este ataque está longe de ser o primeiro e não será o último ataque aos micróbios do terrorismo que espreitam nas ruas pacíficas da Ucrânia”, respondeu o líder do S14, Karas, no dia seguinte.
S14 NO GOLPE DA PRAÇA MAIDÁN
O S14 foi um dos grupos de extrema-direita que participou ativamente dos protestos de Maidan que levaram ao violento golpe de Estado.
Em particular, os militantes do S14 assumiram o controle do prédio da Administração Estatal de Kiev e organizaram sua base de operações lá. De fato, os ultranacionalistas do grupo defenderam o prédio quando, em 11 de dezembro de 2013, as forças de segurança tentaram retomar o controle. Mais tarde, eles assumiriam outro prédio.
Em seguida, os integrantes do grupo realizaram desde lá agressões contra os manifestantes e policiais. Em 16 de fevereiro de 2014, membros do S14, juntamente com seu líder Yevgeny Karas, atacaram os assistentes da jornalista suíça Maria Bastashevsky, ameaçando-os com armas de fogo.
Mais tarde, foi relatado que o prédio da Administração do Estado de Kiev, ocupado por membros do S14, foi vandalizado com símbolos neonazistas.
RECONHECIMENTO INTERNACIONAL COMO GRUPO TERRORISTA
Em novembro de 2017, o S14 foi adicionado ao banco de dados do Consórcio de Pesquisa e Análise de Terrorismo. Um ano depois, junto com outros grupos de extrema direita, o S14 foi reconhecido pelo Departamento de Estado dos EUA como um grupo de ódio ultranacionalista.
Vários especialistas no assunto descreveram o S14 como um grupo extremista e neonazista, cuja “atividade se concentra na perseguição e terrorismo contra jornalistas, blogueiros e civis de oposição”. Por sua vez, Karas assegurou que não é neonazista, mas o fez de uma forma que, justamente pelo contrário, confirmou essas acusações.
Assim, em um programa da BBC onde foi convidado, Karas afirmou que não é nazista ou neonazista porque seu grupo só enfrenta grupos étnicos não ucranianos, que incluem poloneses, russos e judeus.
Apesar disso, em agosto de 2019, o Tribunal de Kiev decidiu que o S14 não pode ser rotulado como um grupo neonazista, provocando um tsunami de indignação de meios de comunicação como The Economist, The Guardian, Haaretz, The Nation, Reuters, Al Jazeera, La Croix e The Washington Post, entre outras editoras e organizações.
O Supremo Tribunal da Ucrânia rejeitou o recurso contra esta decisão em 2020.
Embora muitos dos relatos sobre a atividade violenta do S14 venham da capital ucraniana, eles são apenas uma gota no mar de suas ações realizadas em muitas cidades do país.
* Articulista do site mundo.sputniknews.com. Ex-analista da OSCE no Quirguistão e coordenador de atividades para jovens dentro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na Ásia Central.
- Acredita-se que a letra de seu nome, “S”, faz referência ao termo que descreve um antigo forte em uma região da Ucrânia. O número “14” é um código para a famigerada citação do supremacista branco estadunidense David Eden Lane, que cunhou um slogan composto por 14 palavras : “We must secure the existence of our people and a future for white children” [Nota do tradutor: “nós precisamos garantir a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”, em português].