Nova-iorquinos elegem Mamdani e impõem importante derrota a Trump

Mamdani foi eleito com propostas de reduzir aluguéis e zerar preço dos transportes (Stephanie Keith/AFP)

No desespero, diante da previsível derrota na cidade norte-americana de maior destaque, Trump chegou a assacar contra Mamdani xingando o candidato democrata de “comunista lunático”

O candidato democrata Zohran Mamdani foi eleito prefeito de Nova Iorque nesta terça-feira (4), na eleição de maior comparecimento às urnas em mais de 50 anos, dois milhões de votantes, apesar de acusado pelo presidente Donald Trump de ser um “comunista lunático” e da ameaça de cortar verbas federais para a maior cidade dos EUA caso eleito.

Segundo a Associated Press, com 89% das urnas apuradas, Mandami teve 1.022.44 votos (50,4%), contra 844.813 votos (41,6%) do ex-governador democrata Andrew Cuomo, que concorreu como independente, e 144.907 votos (7,1%) do anedótico candidato republicano Curtis Sliwa, autoproclamado chefe da milícia Guardian Angels.

Mamdami tomará posse em 1º de janeiro de 2026, com mandato de quatro anos e é o mais jovem prefeito da história de Nova Iorque. Assim que a Associated Press, como é a tradição nos EUA, confirmou sua vitória, no Brooklyn seus apoiadores o aplaudiram e se abraçaram, lançando cartazes para o alto enquanto alguém hasteou a bandeira oficial de NY.

Por sua conta na plataforma X, Mamdami postou um vídeo de um trem de metrô partindo para a estação Prefeitura, e com um anúncio “próxima e única parada é a City Hall”. Durante toda a campanha, as pesquisas o mostraram como favorito.

Em um momento em que o presidente dos EUA faz da caçada aos imigrantes a principal cartada interna de sua política de extrema-direita, a eleição de Mamdami funciona como um referendo em Nova Iorque contra os desmandos de Trump: o novo prefeito é um imigrante africano muçulmano e era deputado estadual. E, pela plataforma de mudanças que assumiu em sua campanha, também um veredicto contra a política econômica de Trump, e seus mais evidentes tropeços neste momento, o shutdown e o repique nos preços decorrente da guerra tarifária.

Nascido em Kampala, capital de Uganda, e criado em Nova Iorque, o jovem de 34 anos é filho de mãe indiana — a cineasta Mira Nair, conhecida no meio do cinema independente e premiada nos festivais de Cannes e Veneza — e pai ugandês. Ele se tornou cidadão norte-americano em 2018.

Nas primárias, contra a máquina da burocracia do Partido Democrata, o pouco conhecido Mamdami obteve uma vitória surpreendente sobre o ex-governador Andrew Cuomo e foi escolhido como o candidato do partido, se apresentando como um “socialista democrático”.

O que, até recentemente, desde o auge do macartismo, era quase um palavrão no léxico político norte-americano, e sua escolha ecoa a repercussão das campanhas do senador Bernie Sanders e o rechaço aos anos Biden.

A criativa campanha de Mamdami, centrada nos jovens e nos enormes problemas vividos pela população de NY, também foi uma grata surpresa, fazendo-o ser uma espécie de anti-Trump, sempre cortês, sempre risonho, e sempre apresentando propostas de solução.

A campanha inovou com vídeos irreverentes, defendendo pautas sociais como supermercados subsidiados, a gratuidade do transporte público, creches escolares gratuitas e o congelamento do aluguel de quase um milhão de nova-iorquinos.

Os vídeos de Mamdani no Tiktok, onde ele tem 1,6 milhão de seguidores, alcançaram 23,6 milhões de curtidas. Em um dos vídeos, uma eleitora conservadora passa, de bicicleta, pedalando por Mamdami, e o xinga de “comunista”. Ele não se altera e retruca: “ciclista”.

UMA NOVA IORQUE QUE SE POSSA PAGAR

Uma Nova Iorque “affordable” (acessível ou que se pode pagar), o lema da campanha aborda diretamente a crise vivida na maior cidade dos EUA em que a alta dos aluguéis e a escassez de residências são problemas generalizados.

Em junho, o aluguel médio em Nova York superou, pela primeira vez, o valor de US$ 4 mil (cerca de R$ 21,8 mil), segundo o site imobiliário StreetEasy. O valor é mais que o dobro da média das cidades norte-americanas.

A pobreza em Nova Iorque já é o dobro da média nacional. Um quarto dos nova-iorquinos não tem dinheiro suficiente para moradia, alimentação ou assistência médica. Vinte e seis por cento das crianças (ou seja, 420.000) vivem na pobreza.

Ele defendeu ainda aumentar o salário-mínimo (que nos EUA pode ter um valor local maior do que o nacional) e taxar grandes fortunas. Diferenciando-se do establishment democrata, também se manifestou contra o genocídio cometido por Israel na Faixa de Gaza. Inclusive prometeu honrar o mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra o primeiro-ministro Netanyahu se ele fosse a Nova Iorque.

Trump tentou tirar proveito da posição de Mamdani, acusando-o de “odiar judeus” e afirmando que o judeu que votasse nele seria “estúpido”, isso na maior comunidade judaica dos EUA. Como resposta centenas de rabinos e lideranças judaicas locais saíram em sua defesa e apoiaram sua solidariedade aos palestinos.

Após sua vitória nas primárias, Mamdani citou o bate-papo ao lado da lareira de FDR de 1938, como exemplo de suas referências políticas: “A democracia desapareceu em várias outras grandes nações, não porque as pessoas não gostem da democracia, mas porque se cansaram do desemprego e da insegurança, de ver seus filhos famintos enquanto ficavam indefesos diante da confusão e fraqueza do governo. Em desespero, eles escolheram sacrificar a liberdade na esperança de conseguir algo para comer.”

Indubitavelmente se referindo a ofensiva de Trump contra os direitos, ele destacou que em Nova Iorque, se deixamos uma coisa clara nos últimos meses, “é que não precisamos escolher entre os dois”.

No último programa ’60 Minutes’, da CBS News, antes da eleição, Trump sinalizara sua preferência por Cuomo. “Não sou fã de Cuomo de uma forma ou de outra”, disse o presidente. “Mas se for entre um democrata ruim e um comunista, vou escolher o democrata ruim o tempo todo, para ser honesto com você”. E reiterou suas ameaças aos nova-iorquinos. “Se ele vencer, vai ser difícil enviar dinheiro a Nova York, porque não faz sentido enviar dinheiro a comunistas”.

Outras derrotas para Trump em Nova Jersey, onde a democrata Mikie Sherry foi eleita governadora, derrotando o republicano Jack Ciattarelli. Na Virgínia, a democrata Abigil Spanberger se tornou a primeira governadora do Estado, suplantando o atual vice-governador republicano Winsome Earel-Sears.

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