A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira (8) avivou algumas narrativas estapafúrdias sobre o comportamento das Forças Armadas nesse fatídico episódio golpista enredado pelo bolsonarismo – a versão fascista na política brasileira nesses últimos tempos.
O fato de alguns militares de alta patente terem participado diretamente das ações levou alguns analistas de plantão a concluírem que a postura contrária dos altos militares à investida golpista não teria sido decisiva para frustrar os meliantes que invadiram e depredaram as sedes dos 3 poderes da República naquele 8 de janeiro de 2023.
“Volta a circular na praça a tese de que o golpe de Bolsonaro não se consumou devido à recusa de parte da cúpula das Forças Armadas. É mentira. Convidados e pressionados a dar um golpe, os “legalistas” do Alto Comando do Exército não deram voz de prisão aos golpistas nem denunciaram a tramoia. Ficaram na moita. Aguardando exatamente o quê? Na verdade, traíram a Constituição naquele momento, dando tempo para que Bolsonaro e seus fascistas civis e militares tentassem consumar o golpe”, escreveu o jornalista Kennedy Alencar.
Não faltaram replicadores do desatino.
Ora, todas as informações reveladas até então pelas investigações deixam claro que o êxito do golpe esteve, o tempo todo, condicionado ao apoio das Forças Armadas pelo seu Alto Comando.
Os próprios golpistas afirmaram isso em alto e bom som por diversas vezes e o ódio destilado por eles contra os militares de alta patente que não apoiaram o disparate bolsonarista é o recibo vivo, com firma passada, dessa constatação.
Durante a operação de hoje, mais um diálogo revelado pela Polícia Federal entre o ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro Mauro Cid e o major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins, em novembro de 2022, já depois das eleições, reforça a convicção de que as Forças Armadas foram decisivas para frustrar o golpe.
“O pessoal tá querendo a orientação correta da manifestação. A pedida é ir para o CN (Congresso Nacional) e STF (Supremo Tribunal Federal)?? As FFAA (Forças Armadas) vão garantir a permanência lá??”, pergunta Rafael Martins, ao que Cid responde, em duas mensagens sequenciadas: “Cn e stf” e “vão”, numa clara evidência de que os golpistas consideravam o apoio das Forças Armadas na investida golpista como o elemento vital para a consecução de seus torpes objetivos.
Kennedy acrescenta que os militares também “protegeram e toleraram acampamentos golpistas até 08/01/22, apesar do resultado cristalino do segundo turno em 30/10/22. Que o Brasil não se engane. O golpismo continua vivo nas Forças Armadas. Lula erra ao bancar a estratégia acomodatícia de Múcio”, avaliou.
Ora, hoje se sabe que o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga as causas da tentativa de golpe, estava a postos para determinar a retirada de tais acampamentos, especialmente em Brasília, se fosse provocado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a autoridade legal e competente para usar a força de coação que estava sob sua responsabilidade, no caso, a Polícia Militar, para dissolver as barracas ali instaladas e dispersar os golpistas.
Ibaneis, um civil (grifo nosso), recusou-se a encaminhar o expediente a Moraes. Consta que o documento teria sido preparado, mas, na hora H, o governador desistiu, prevalecendo em seu gesto a inclinação bolsonarista demonstrada nos últimos anos de seu primeiro mandato e nas eleições de outubro.
Kennedy vai mais longe ao afirmar que “no momento, tentam vender como um ‘avanço’ a ordem do comandante do Exército, Tomás Paiva, para que o golpe de 64 não seja celebrado nos quartéis. Ora, celebrar um golpe contra a democracia seria crime. Nos 60 anos do golpe de 64, o governo Lula deveria cobrar uma autocrítica e um pedido de desculpas dos militares”.
Ora, o que o ilustre analista quer de Lula, após 4 anos de hegemonia de uma corrente neofascista na política, que contaminou, por óbvio, setores das Forças Armadas? O confronto aberto com as mesmas? Cobrar “autocrítica”?
Não há dúvida de que o fato de não haver comemorações do golpe de 64 já representa um “avanço” depois dessas turbulências provocadas pelo bolsonarismo e um avanço, ainda maior, o fato dos atuais comandantes das Forças Armadas estarem comprometidos no fortalecimento da instituição enquanto instrumento de Estado, a serviço da defesa da Pátria e de sua soberania, reforçando o caráter profissional de seus integrantes, algo, aliás, que Bolsonaro e sua turba tentaram desvirtuar enquanto estiveram no poder.
Mas, felizmente, não conseguiram, pois, como diz o próprio Kennedy – nisso concordamos com ele – não havia “condições objetivas” para o golpe, e uma dessas condições, certamente, a mais decisiva, foi a ausência de apoio dos altos mandos militares, além de outros fatores como a falta de apoio social, político e externo para tal empreitada.
Lembremos que o golpe perpetrado contra a democracia brasileira há 60 anos atrás só aconteceu em razão da ação de parcela diminuta, todavia, decidida e estridente, das Forças Armadas de então.
Bastaria, portanto, a mesma ação por parte dos militares de alta patente aboletados no comando da instituição no final do desgoverno Bolsonaro para conseguirem o mesmo intento, pois vicejava, aos borbotões, as falsas narrativas contra as urnas eletrônicas e o comando da Justiça Eleitoral, restando o caos social, que eles provocaram em várias ocasiões, como no dia da diplomação do presidente eleito, para instar as Forças Armadas a garantir o golpe de Estado.
As novas provas reveladas hoje pelas investigações só reforçam o fato de que as Forças Armadas foram fundamentais para evitar o golpe.
A desistência de Bolsonaro ao prosseguimento das ações golpistas após reunião com os três comandantes militares no final de seu governo, quando apenas um deles, o da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria sinalizado positivamente – fato revelado na delação de Mauro Cid, já evidenciara a postura majoritária das Forças Armadas em defesa da democracia e da Constituição.
As mensagens inusitadas de Braga Netto, então ministro da Defesa de Bolsonaro, também reveladas hoje, demonstrando descontentamento à resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica à ação golpista, é outra evidência desse fato.
De resto, sobram apenas narrativas descoladas da realidade que servem apenas para tentar açular e azedar as relações entre o governo do presidente Lula e as Forças Armadas.
Não prosperarão!
MARCO ANTÔNIO CAMPANELLA