A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Câmara Sobre Controle Externo e da Atividade Policial, órgãos do Ministério Público Federal (MPF), afirmaram, em nota técnica conjunta, que os novos decretos de Jair Bolsonaro sobre a liberação da posse e do porte de armas são inconstitucionais.
Diante da suspensão pelo Senado Federal dos primeiros decretos que liberavam a posse e o porte de armas para cerca de 20 categorias profissionais, Bolsonaro editou, na semana passada, mais quatro novos decretos tratando da mesma coisa.
Os quatro novos decretos sobre armas são: 9.844, 9.845, 9.846 e 9.847. Eles foram editados e publicados em 25 de junho de 2019, em duas edições extras do Diário Oficial da União. O pretexto foi regulamentar a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) e substituir os anteriormente publicados pelo governo federal: o Decreto 9.785, de 7 de maio de 2019, e o Decreto 9.797, de 21 de maio de 2019.
“Trata-se de mais um capítulo da tentativa do Poder Executivo de subverter o sentido da Lei 10.826/2003 mediante subsequentes atos infralegais, que se iniciou com a edição do Decreto 9.685, em 15 de janeiro de 2019, e se seguiu com os Decretos 9.785 e 9.797. Já o Decreto 9.844 foi editado e revogado no mesmo dia, pelo subsequente Decreto 9.847, gerando inclusive insegurança jurídica”, comenta a nota.
Na nota técnica conjunta, os órgãos do MPF afirmaram que os novos decretos “não superam os vícios das normativas anteriores e seguem marcados por ilegalidades e inconstitucionalidades”. Além disso, os decretos atropelam “os princípios da legalidade e da separação dos poderes”.
Para os órgãos do MPF, os novos decretos trazem ínfimas alterações. Apenas o Decreto 9.847, anunciado em 26 de junho, embora datado do dia anterior, é que veiculou algumas poucas modificações na regulamentação. “Basicamente, o positivo nesse decreto é a revogação das normas que liberavam o porte de armas de fogo e ampliavam o quantitativo de munições que qualquer cidadão poderia adquirir. Entretanto, nenhum dos decretos solucionou diversas outras ilegalidades presentes nas regulamentações promovidas a partir do Decreto 9.685, de janeiro de 2019”, aponta a nota.
“Os atritos são tantos e tão profundos que se revela a total inconstitucionalidade dos decretos emitidos, os quais não disfarçam o propósito de alterar a política pública de desarmamento aprovada na mencionada lei [10.826/2003]. Ao assim agir, o Poder Executivo atenta contra os princípios da legalidade e da separação dos poderes. Essa situação não se alterou, ainda que se tenha excluído da regulamentação as absurdas normas sobre porte de armas”, diz o texto.
Os órgãos avaliam a manobra utilizada pelo governo federal na edição dos novos decretos. Segundo eles, a técnica de revogar integralmente o decreto 9.785 e substitui-lo por três novos atos impediu que o Judiciário e o Legislativo analisassem ou suspendessem os decretos 9.785 e 9.685. “De fato, tudo se passou na véspera de julgamento agendado pelo Supremo Tribunal Federal para analisar pedido cautelar de suspensão das normas anteriores, e também no mesmo dia em que a Câmara de Deputados previa concluir o processo, iniciado no Senado Federal, para eventual aprovação de decreto legislativo que suspenderia a execução dos decretos antecedentes”, aponta o texto.
O Senado suspendeu os decretos de Bolsonaro por entender que ele estava legislando no lugar do Congresso Nacional, uma vez que atropela os limites postos pelo estatuto do desarmamento. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que a tendência era que os deputados seguissem a medida tomada pelo Senado, que aprovou por 47 a 28 um decreto legislativo suspendendo os decretos de Bolsonaro.
Os novos decretos de Bolsonaro continuam não exigindo que o cidadão que quer comprar uma arma demonstre efetiva necessidade, como coloca lei 10.862, de 2003, e não exige que a efetiva necessidade seja comprovada.
Por exemplo, o registro, posse e porte de armas e munições por caçadores, colecionadores e atiradores receberam um tratamento privilegiado no decreto 9.846, editado no último dia 25. Pelo decreto, essas categorias passam a ter autorização, inclusive, para aquisição de armas de porte e portáteis, em volumes bastante absurdos. Os caçadores poderão manter até 30 armas, e atiradores, até 60. Um único atirador pode, a cada ano, comprar até 150 mil munições de armas de uso permitido e até 30 mil munições de armas de uso restrito. “Trata-se de um expressivo arsenal. Sem qualquer justificativa específica”, analisam a PFDC e a Câmara sobre Sistema Prisional.
“Ou seja, todos os interessados que façam uma declaração – pouco importa o seu conteúdo e o nexo causal entre a justificativa e a suposta efetiva necessidade de posse – deverão ter o seu pleito atendido pela Polícia Federal”, afirmam os órgãos.
Os órgãos afirmam que para a redução da violência no país, “é necessária a implantação de uma política pública que reafirme a capacidade do Estado de garantir o direito fundamental à segurança pública de toda a sociedade, a qual deverá enfrentar não apenas as atribuições e os modos de atuação dos serviços de polícia, mas também a política criminal”.
“Diversos estudos sérios indicam que a redução do número de armas de fogo é fator determinante para contenção da expansão da violência letal”. Já os decretos fazem o contrário.
Por fim, os órgãos do Ministério Público afirmam que os decretos têm que ser novamente suspensos, seja por ato do legislativo ou do judiciário.
Leia nota técnica na íntegra aqui.
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