
O percentual das famílias brasileiras que voltaram a utilizar lenha e carvão para o preparo de suas refeições aumento 27% nos últimos dois anos, segundo dados da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com o empobrecimento da população, fruto da crise econômica instaurada no país, muitas famílias deixaram de utilizar o gás de cozinha e foram obrigadas a voltar a utilizar lenha e carvão como combustíveis. De acordo com a Pnad, um quinto das famílias brasileiras estão nesta situação.
Atualmente são 14 milhões de lares preparando alimentos com lenha ou carvão, isso representa uma alta de 27%, ou mais três milhões de domicílios, em apenas dois anos.

Os dados são Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa aponta que no Sudeste a expansão do uso de lenha e carvão para cozinhar foi o maior do país. Houve um aumento de 60%, entre 2016 e 2018, das pessoas que usam dessas formas, chegando em 2,9 milhões de famílias, no ano passado.
A crise econômica prolongada, o aumento do desemprego e do preço do botijão de gás, explicam esse salto. Entre 2016 e 2018, o gás de cozinha acumulou alta de 24% e a taxa média de desemprego passou de 11,5% para 12,3%. Em muitos lugares do Brasil, o preço de um botijão de gás já ultrapassa R$ 100,00.
“É um sinal claro de empobrecimento da população”, destacou Luis Henrique da Silva de Paiva, cientista social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
No Nordeste, 35% dos lares fazem uso de lenha ou carvão para cozinhar, isso representa 4,8 milhões dos domicílios usando dessas formas. “O que estamos vendo é o resultado prático de uma crise econômica prolongada, que leva as famílias a buscar toda e qualquer forma de economia. Essa busca pela otimização do orçamento faz com que algumas práticas que haviam sido esquecidas voltem a ser usadas, como o uso de lenha ou carvão para cozinhar”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva.
Para ele, o dado está diretamente ligado ao aumento da parcela da população que vive em condições de extrema pobreza, pois a crise foi mais severa com os mais pobres. “A crise veio e com ela uma redução da rede de proteção social e a contração da economia, que, levou o salário mínimo a ficar sem ajuste real”, afirmou.
ETANOL
Com o alto custo para a compra de um botijão de gás, uma prática perigosa passou a fazer parte da vida de muitas famílias brasileiras: o uso do etanol para o preparo das refeições. O uso do combustível destinado a automóveis é extremamente perigoso e é responsável pelo aumento do número de queimados nos hospitais.
Em abril de 2018, publicamos entrevista com o chefe do Departamento de Queimados do Hospital de Restauração de Recife, Dr. Marcos Barreto, que apontou que 90% dos leitos reservados para queimaduras do hospital estavam ocupados por vitimas deste tipo de acidente.
“Os pacientes afirmavam que não tinham condição de adquirir o botijão de gás. O botijão de gás estava começando a ter aumentos sistemáticos e as pessoas não tem aumentos sistemáticos, mensal, quinzenal”, afirmou.
“Então eles sempre me diziam ‘olha doutor Marcos, o problema é que eu não tenho os R$ 42, R$ 43 ou R$ 50 para comprar o botijão, o aumento de dez reais para mim faz diferença, mas se eu tenho dez reais aqui, eu posso comprar de álcool e cozinhar por 2, 3, 4 ou 5 dias”, e são exatamente essas pessoas que são mais afetadas”, destacou o médico pernambucano.
Percentual de famílias vivendo de aluguel, ou de favor, também aumenta
A Pnad Contínua mostra ainda que a crise econômica reduziu a parcela de famílias com casa própria. Elas correspondiam a 74,4% do total em 2016 e, no ano passado, caíram para 72,6%. Mais famílias passaram a viver em imóveis alugados ou de favor.
Atualmente imóveis alugados ou de favor representam 19,3 milhões de lares no Brasil, em 2016 eram 17,7 milhões de lares, uma alta de 9% ou mais 800 mil famílias vivendo em imóveis cedidos e outras 800 mil de aluguel.
Para Meirelles, essa piora nas condições de vida da população terá consequências em longo prazo, mesmo que a economia volte logo a reagir. “A geração futura vai partir de uma base pior. Quando você vem num processo de melhoria, mesmo que pequena, a perspectiva é de crescer. No entanto, o que temos é um quadro de recuperar o que foi perdido e essa conjuntura é especialmente prejudicial à primeira infância”, disse o presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva.
Mulheres respondem por 45% dos lares
A Pnad Contínua também apontou que os homens seguem sendo responsáveis pela maior parte dos lares (55%), enquanto as mulheres respondem pelos outros 45%. Mas essa diferença vem diminuindo. Em 2012, primeiro ano do levantamento, os homens comandavam 63% dos lares e as mulheres 37%. No ano passado, o número de famílias chefiadas por homens caiu pelo terceiro ano seguido. Eram 38,8 milhões em 2018, frente aos 39,1 milhões registrados no ano anterior. As mulheres já são responsáveis por 32,1 milhões de domicílios. Esse número cresceu em 1,8 milhões em relação a 2017.
Leia mais: