
“Em dois anos meu governo realizou mais do que qualquer outro na história desse país”, disse Trump à surpresa Assembleia, que desatou a rir diante da estranha arenga
Após chegar atrasado, ao discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Donald Trump se surpreendeu, quando o plenário não conseguiu evitar risadas, e até gargalhadas, diante do que estavam escutando. Trump ainda tentou remendar a insólita situação, primeiro, com um “é tudo verdade” e, outros risos adiante, um “eu não esperava essa reação, mas tudo bem”.
Disse Trump: “Senhora Presidente [a equatoriana Maria Fernanda Espinosa], há um ano atrás eu estive diante de vocês pela primeira vez neste grande salão, eu me dirigi às ameaças que nosso mundo enfrenta e apresentei uma visão para alcançar um futuro mais brilhante para toda a humanidade”. E continuou: “Hoje, estou diante da Assembleia Geral das Nações Unidas para compartilhar o extraordinário progresso que fizemos. Em menos de dois anos. Meu governo realizou mais do que quase qualquer governo na história de nosso país”.
Com todas as sanções que decretou, países que ameaçou e acordos que rasgou, possivelmente a reação do plenário foi bastante moderada. A incredulidade de ouvir alguém se jactar, assim, de suas conquistas e governo incomparáveis, acabou sendo sucedida pelo riso. Dali em diante, foi o que se esperava, um festival de sandices – ou, como alguém notou, um comício voltado a seus eleitores, que ele precisa desesperadamente levar às urnas de novembro.
Daí as proclamações sobre o “patriotismo” no lugar do “globalismo” – como se a globalização não tivesse sido imposta exatamente pelos bancos e corporações ianques e seus instrumentos, como o FMI e o Pentágono. Ou as exortações à guerra comercial total, à agressão militar (tipo “todas as opções estão sobre a mesa”) e expondo uma concepção suis generis de “patriotismo” e “soberania” em que todas as demais soberanias têm que se adaptar ao que Washington quiser, aos interesses de Wall Street & Big Oil e às leis norte-americanas.
Mas rir do valentão do pedaço, meio que por surpresa, também não deixa de ser um sintoma da crise que vive unilateralismo sob o tacão dos EUA, em vigência desde a queda da URSS, mas com sinais agravados de decadência econômica pós-crash de 2008. A percepção de que, ao invés de “a nação indispensável” – como Obama gostava de encher a boca para expressar seu chauvinismo -, os EUA cada vez mais generalizadamente são vistos como um país pária, que empurra o mundo para o caos e a confrontação, na tentativa de manter o status quo e a dominação. É essa crise e degeneração que explica a ascensão de um tipo como Trump (e o fato de sua oponente na eleição passada ser a favorita de Wall Street).
Como se estivesse se olhando – e a seus antecessores na Casa Branca – em um espelho, Trump teve a petulância de atribuir ao Irã, o que quase universalmente é tido como a característica essencial da política externa dos EUA: “não respeitam seus vizinhos ou fronteiras, ou os direitos soberanos da nação” e “semeiam o caos, a morte e a destruição”. Das colinas de Montezuma, às praias da Líbia, passando pela Coreia, Vietnã, Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria, a lista é extensa.
Em seus comentários sobre o quadro interno dos EUA e as alternativas, Trump foi igualmente sugestivo, do muro na fronteira com o México à exaltação da bolha de tudo em Wall Street. Também não se furtou de comemorar como aquele que ia “drenar o pântano” o encharcou com mais US$ 1,5 trilhão em cortes de impostos.
Na lata, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, respondeu – sem citá-lo – que era lamentável que governantes pensem que podem obter apoio popular através do “nacionalismo extremista, racismo e tendências xenófobas, que se assemelham a uma disposição nazista”. Em seu discurso, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, advertiu contra o unilateralismo e as políticas de confrontação e lamentou a falta de solução para a Síria e Iêmen. O presidente francês, Emmanuel Macron, condenou a imposição da “lei do mais forte” e advogou pelo multilateralismo. A China repeliu os comentários de Trump contra o socialismo como tentativa de voltar à Guerra Fria, o que não é desejado pela imensa maioria dos países. No seu primeiro discurso na ONU, o presidente cubano Miguel-Días Canel exigiu o fim do bloqueio dos EUA a Cuba.
Trump também caiu de pára-quedas numa reunião do Conselho de Segurança da ONU, da qual sumiu um tempo depois. As redes sociais se divertiram com seu agradecimento ao presidente da Bolívia, “Thank you, mister president”, após Evo Morales ter discursado desancando o intervencionismo e a falta de democracia dos EUA. Parece que sequer ouviu a tradução ou o que fora dito. A Assembleia Geral da ONU vai até 1º de Outubro, e ainda há tempo para Trump dizer muita estultice.
ANTONIO PIMENTA