
A ex-presidente argentina falou a milhares de apoiadores
“Desde 56, depois que Perón foi derrubado e o FMI foi introduzido, nunca tivemos esse grau de dependência e, como argentina, não me lembro de outro 9 de julho como este”, disse Cristina Kirchner, ao denunciar os governos do ex-presidente Macri e o atual de Milei na celebração do Dia da Independência da Argentina, quando discursou para mais de 10 mil apoiadores no Parque Lezama, em Buenos Aires.
Ela denunciou que as dívidas do “desgoverno” de Milei e o nível de endividamento da Argentina com o FMI põem em perigo a independência da Argentina.
De sua casa onde está cumprindo a ordem de prisão domiciliar, a mensagem para os apoiadores foi transmitida por áudio gravado. Ela disse ser imprescindível abordar esse problema com “cabeça, coração e coragem”, convocando o movimento peronista a defender e reconstruir a independência da Argentina. “Que nos acompanhem, porque vamos fazer isso, como já fizemos e vamos fazer de novo mil vezes!”
“O que estamos vivendo hoje na Argentina não é simplesmente um ajuste, nem uma crise, nem uma tempestade passageira, é um problema estrutural real. Os piores vencimentos de dívida, principal e juros com o FMI e os detentores de títulos terão que ser enfrentados pelos próximos dois governos. A ex-presidente questionou a “dependência externa” e convocou a militância a “se organizar para que a Pátria não seja completamente rendida”.
Leia o áudio transmitido do discurso de Cristina Kirchner na íntegra:
“Olá, tudo bem? Bem, como eles estão lá fora no Parque Lezama? Bem, embora possa não parecer, sou eu, Cristina. Com essa voz do além-túmulo, produto de uma gripe muito forte que ainda estou passando. Bem, também quero dizer que estou bem, que os ouço todos os dias quando passam por aqui, em San José 1111.
Buzinando ou gritando para mim da calçada com amor e carinho como sempre. Acredite em mim, acredite em mim que quando ouço você gritar: ‘Cristina, eu te amo, Cristina, eu te amo’ ou ‘Sai para a varanda porque tenho que ir trabalhar, não só rio muito, mas, sério, são verdadeiras carícias à alma. Então, obrigado, sério, do fundo do meu coração. Bem, hoje, no Dia da Independência da Pátria, acredite em mim que, como argentina, não me lembro de outro 9 de julho como este.
Desde 1956, depois que Perón foi derrubado e fomos levados ao Fundo Monetário, nunca tivemos esse grau de dependência. Porque quando se para para pensar sobre o que significou essa independência e a compara com esta Argentina em que vivemos, a pergunta obrigatória que devemos nos fazer, como argentinos, é: somos realmente livres ou independentes? Ou estamos mais uma vez executando políticas ditadas de fora, aceitando sem questionar condições do FMI ou de outros que tanto prejudicam nosso povo?
Porque o que está sendo vivido hoje, o que está sendo vivido hoje na Argentina não é simplesmente um ajuste, nem uma crise, nem uma tempestade passageira. É um verdadeiro problema estrutural.
Olhe, para que se entenda, os piores vencimentos da dívida, do principal e dos juros, com o FMI e os detentores de títulos, terão que ser enfrentados pelos próximos dois governos. Nem um único peso de capital foi pago ao Fundo.
A partir do dia 27, a partir do próximo governo, a Argentina, mais do que um muro de vencimentos, tem um muro intransponível que tem que pagar em dólares duros e frios.
Se nós, sinceramente, como argentinos, somos… sejam eles de esquerda, de direita, de baixo, de cima, peronistas, antiperonistas, o que você quiser, não pensamos em como enfrentar e resolver essa questão, somos um bilhete, somos um bilhete. E tenha cuidado, eu digo resolver, não adiar, como todo mundo faz quando chuta as coisas para frente. Temos que começar a trabalhar e resolver com os três C’s, como eu digo, os três C’s: cabeça, coração e coragem.
Como Néstor Kirchner fez. Por um lado, realizou a reestruturação da dívida mais importante de que se tem memória e, por outro, pagou ao Fundo Monetário. E quero dizer-lhes uma coisa, meus queridos compatriotas, que hoje, hoje, o problema é muito mais grave do que naquela época. Temos de ter uma dimensão justa do problema.
Devemos ao Fundo Monetário mais de 65.000 milhões de dólares, os 45.000 que deram a Macri, mais os 12.000 que deram a Milei até agora, porque poderia ser mais, porque eles prometeram a ele uma abertura de mais 8.000 milhões.
E devemos isso ao credor de último recurso, que é o Fundo. Ou seja, para que seja entendido, para quem te empresta na vizinhança, quando ninguém mais quer te emprestar porque sabe que você não pode pagar e isso suga seu sangue.
Devemos mais àquilo que é o Fundo Monetário do que a qualquer outra pessoa. E também, como se isso não bastasse, somos seu primeiro devedor em nível global. Mais desastre não pode ser imaginado. É muito grave, compatriotas. Mas vamos ter que pensar, encarar e resolver, porque temos que deixar claro que Milei já está falhando em cumprir as metas que ele mesmo concordou com o Fundo Monetário.
Na semana passada, a própria porta-voz do Fundo reconheceu isso, que disse: o acúmulo de reservas na Argentina é notável por sua ausência. E claro, é lógico, como eu disse anos atrás, e repito novamente, a Argentina não produz dólares suficientes para desenvolver e ao mesmo tempo pagar a dívida serial, compulsiva e fugitiva a que os governos de Macri e Milei nos sujeitaram.
É por isso, é por isso que acredito que uma parte do povo argentino está desorientado, não sabe se vai escapar de um para cair em outro pior. E enquanto isso, espere e observe. E enquanto isso, o desgoverno de Milei sobrevive, eles estão emprestando e emprestando a ele para mantê-lo com água até o pescoço, mas sem se afogar.
Esperando o quê? Esperando para consolidar um modelo no qual tentam fechar os números macroeconômicos? Como? Simples. Fazendo desaparecer a classe média argentina. Como o modelo peruano, aquele que Toto Caputo tanto gosta. Eles querem que um país se consolide para os 30% mais ricos e o resto, queridos, condenado a viver sem mobilidade social, sem dignidade, sem futuro.
E já estamos vendo como esse modelo funciona para o povo, onde não só o país está endividado, mas também as famílias estão endividadas. 90% da população argentina tem dívidas e 12% das famílias têm mais de 3 dívidas ao mesmo tempo. 70%, não, 76% dessas dívidas não têm como pagá-las. Muitos já estão em atraso. E você tem que saber uma coisa importante, que de cada 4 dessas dívidas, 3… De cada 4, 3 se originaram em 2024. Durante o primeiro ano do economista especialista em crescimento com ou sem dinheiro, mas ele teria que explicar melhor para o povo, o homem, certo?
Dívida por cartões, dívida por serviços, dívida por comida, mantimentos, impostos, dívida por aluguel, até mesmo por remédios. Esse é o modelo de Milei: dívida pública, dívida familiar e dívida privada, como já começamos a ver, certo? Empresas que caem em inadimplência, fábricas que suspendem atividades e pessoal ou demitem diretamente. E novamente, como nos anos 90, começa a ser gerado o medo de ficar na rua sem emprego. E, portanto, como você tem medo, qualquer condição de trabalho é aceita sem a necessidade de qualquer reforma da flexibilidade trabalhista.
Em suma: sociedades fragmentadas, desiguais, empobrecidas e resignadas. Pergunta: Isso é independência? Isso é liberdade? Isso é liberdade? Seriamente? Jesus. Este nunca foi o projeto da Argentina. E em datas como hoje, 9 de julho, é muito bom relembrar isso. É por isso que nós, os peronistas, temos que pensar além do curto prazo. Pensar sobre a Argentina que queremos ter em 27, 31, 35 e como chegamos lá sem deixar ninguém para trás.
“E para isso, compatriotas, é essencial enfrentar o problema do endividamento. Com os três C’s, como eu disse no início, cabeça, coração e coragem. Porque neste 9 de julho não basta lembrar a independência. Devemos reconhecer que essa independência, que custou tanto para construir, que levou nossos heróis a sacrificar suas vidas, é a que está em perigo e é a que temos que defender e reconstruir.
E essa tarefa cabe a todos nós, os peronistas. Como de costume. Se não fizermos isso, ninguém o fará. Também temos que pedir que nos acompanhem, porque vamos fazê-lo, como já fizemos, e vamos fazê-lo novamente mil vezes. Portanto, compatriotas, neste 9 de julho, feliz Dia da Independência da Argentina.