Nestes tempos em que pululam os anões políticos, tempos de falta de vergonha, falta de amor ao país e ao povo e de total desrespeito à coisa pública, a perda para o Brasil do ex-governador e ex-ministro Waldir Pires é enorme. É natural. Ele era a antítese de tudo isso. Entra para a história como um dos políticos mais íntegros do Brasil. Ele nos deixou na sexta-feira (22), aos 91 anos de idade, vitima de uma pneumonia. Seus familiares e amigos, e também diversos políticos, se despediram do líder baiano no Mosteiro de São Bento, em Salvador, local onde ele celebrou, em 2001, suas bodas de ouro com Yolanda Pires, falecida em 2005.
Trajetória
Sua carreira política começou na década de 50, como Secretário de Estado, aos 24 anos. Em seguida foi eleito deputado estadual e depois federal. Foi vice-líder do governo de Juscelino Kubitschek. Em 1963 foi convidado pelo Presidente João Goulart para ocupar o cargo de Consultor-Geral da República, o que o tornou responsável pelas análises sobre as leis de Remessa de Lucros e Dividendos e da lei de Reforma Agrária, entre outras.
Exercia este cargo quando ocorreu o golpe pró-imperialista em 31 de março de 1964 e foi, junto com Darcy Ribeiro, o último membro do governo a sair do Palácio do Planalto, onde ficaram, a pedido do presidente, para tentar garantir o respeito à Constituição. Em 4 de abril, já na primeira lista de cassados e perseguidos, sai com Darcy Ribeiro de Brasília, de madrugada, num monomotor conseguido pelo deputado Rubens Paiva (PTB), e vai para o exílio no Uruguai, onde depois encontra sua esposa Yolanda e seus cinco filhos.
Em 1966 muda-se para a França onde, com auxílio de Celso Furtado, é indicado para lecionar Direito Constitucional Comparado e Ciências Políticas em Dijon e em Paris. Com a queda do AI-5, retomados os seus direitos políticos, ele volta para a vida pública na Bahia, visitando todos os rincões do Estado para fortalecer o então MDB – a frente democrática que lutava dentro do Brasil contra a ditadura. Ajudou na fundação do PMDB nos períodos finais do regime.
Em 1985 é convidado pelo presidente Tancredo Neves para o Ministério da Previdência Social. Foi mantido por José Sarney. Não propôs nenhuma “Reforma da Previdência” contra os aposentados. Concorre para o governo da Bahia em 1986 e torna-se o candidato mais votado da história daquele Estado. Numa demonstração de compromisso com o país e de empenho para que os destinos do povo não caíssem nas mãos de aventureiros que – como hoje – surgiam no cenário político, é lançado como companheiro de chapa de Ulisses Guimarães na primeira eleição presidencial após o fim da ditadura. No entanto, a onda neoliberal criada no fatídico “Consenso de Washington” atingiu em cheio o Brasil naquele período. Vários setores da vida nacional se confundiram e perderam o foco da Constituinte, e o pior ocorreu: Ulisses e Waldir amargaram a derrota e Collor de Mello foi eleito presidente. Depois desse desastre, o Brasil derrubou Collor e passou pelo rápido governo Itamar, barrando em parte a “onda” da destruição da economia nacional. No entanto, o povo experimentou, depois disso, os projetos políticos do PSDB, do PT e do PMDB de Temer, e, até agora, apesar de pequenos e efêmeros avanços, e de grandes e profundos recuos, não conseguiu se livrar totalmente desta triste e medíocre ideologia do “vale tudo por dinheiro”.
Convívio
Por ocasião desta eleição de 1989, eu tive o prazer de conviver muito proximamente com o “Dr. Waldir” na campanha presidencial. No pleito daquele ano, boa parte dos peemedebistas, não resistindo aos cantos de sereia de outras candidaturas, abandonou a chapa “Ulisses e Waldir”, que representava o PMDB na disputa para o Palácio do Planalto. Esta atitude levou o velho timoneiro a proclamar sua famosa frase “A Pátria não condecora os traidores!”. As correntes lideradas pelo então governador de São Paulo, Orestes Quércia, e os aguerridos militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), que integravam à época as fileiras do PMDB, mantiveram-se fieis ao partido e conduziram a campanha de Ulisses e Waldir até a eleição. Tive, então, nesta época, o prazer de participar por diversas vezes das reuniões da chapa, realizadas Comitê Central da campanha, em Brasília, onde eu residia e onde, frequentemente, estavam Ulisses Guimarães e Waldir Pires. Ali aprendi a admirar o ex-governador, pela sua simplicidade, por sua retidão e por sua simpatia no trato com as pessoas. Mas, principalmente, admirei-o também por seu compromisso e por sua fidelidade com Ulisses Guimarães, com o povo brasileiro e com a Pátria.
Posteriormente, em 1998, Waldir elegeu-se novamente deputado federal com a maior votação no Estado da Bahia. Em 2002 assumiu a Controladoria Geral da União e, em 2006, torna-se Ministro da Defesa. Pouco mais de um ano após assumir este cargo, uma crise no setor aéreo leva Lula a afastá-lo do cargo para colocar em seu lugar o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim.
Repercussões
O filho do ex-governador, Francisco Waldir Pires Júnior, afirmou que o pai deixa um legado que transcende a política. “Tinha muita serenidade e inteligência, sempre muito afável no trato com as pessoas”, diz. Ele recorda que o pai já não acompanhava o cotidiano da política brasileira, mas não deixava de falar sobre o tema.
Muitos políticos manifestaram seu pesar pela morte do ex-governador e ex-ministro. Amigo de Waldir, o ex-governador Roberto Santos chegou ao velório de cadeira de rodas. Mais próximo ao corpo de Waldir, levantou para se aproximar e se despedir daquele que, para ele foi um exemplo para a política e, em alguns momentos, foi até adversário.
“Tinha a serenidade dos sábios. Sempre mostrava respeito à democracia. Aliado a isso, tinha a seriedade pessoal e a tolerância, que é seu maior legado”, disse o ex-deputado Domingos Leonelli, primeiro secretário do PSB na Bahia. Leonelli esteve no front da campanha de Waldir ao governo em 1986 após o retorno do ex-ministro do exílio. “Ele foi um dos poucos líderes da esquerda, como Miguel Arraes e Leonel Brizola, que voltaram do exílio e retomaram a liderança política sem contestação”, disse.
Waldir foi uma das inspirações para a senadora Lídice da Mata (PSB). Na década de 1970, ela participou de atividades comandadas por ele. “Eu lembro que foi um momento muito marcante, quando ainda era estudante. Foi uma palestra com ele. Waldir era muito gentil e tinha uma oratória extraordinária. Era um líder inteligente e cativante”, afirma. O presidenciável João Goulart Filho (PPL) também lamentou a perda para o país: “Perdemos Waldir Pires. O Brasil perde um dos grandes estadistas deste país, um dos grandes democratas, um dos grande amigos de Jango na vida e no exílio e no sonho da construção daquele grande projeto de nação de 1964”, disse.
O governador Rui Costa (PT), que foi ao velório do ex-ministro, afirmou que Waldir tem uma história exemplar. “É uma referência para as novas gerações, para a juventude. Era um homem pouco apegado ao poder, mas apegado às ideias que poderiam contribuir para um Brasil melhor”, afirmou. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e a cantora Margareth Menezes também foram à celebração. “Waldir Pires é um gigante da política. É um homem que vai ser lembrado por muitas gerações. Era uma pessoa que tinha compromisso com o país e com os que mais precisavam, nesse enorme Brasil”, destacou Haddad, durante a missa deste sábado (23).
O prefeito de Salvador, ACM Neto, também manifestou seu pesar pela morte de Waldir Pires.”Estivemos em lados opostos, mas Waldir Pires nos deixa o exemplo de homem público que exerceu com serenidade o seu papel na política. É um personagem de relevância que escreveu seu nome na história de nosso país. Meus sentimentos aos seus familiares e amigos”, disse. Centenas de políticos de praticamente todos os partidos políticos lamentaram a morte do político baiano e mandaram mensagens de condolências aos amigos e familiares do ex-governador.
Despedida
No sábado foi realizada uma missa durante o velório do ex-governador e, neste domingo (24), uma nova missa será celebrada às 10 horas. Populares estiveram presentes para se despedir de um dos políticos mais populares da Bahia. Alguns deles levaram a bandeira da campanha de Waldir enrolada no corpo. Após a missa, o corpo de Waldir Pires será cremado no Cemitério Jardim da Saudade, às 11 horas de domingo.
SÉRGIO CRUZ