“Nada que implique em regramentos sobre o aumento das despesas pode ser considerado bom”, disse o economista. “Devemos alterar a meta de inflação”, argumenta
O professor de Economia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Elias Jabbour avaliou, nesta sexta-feira (31), como insuficiente o arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, um dia antes. “Nada que implique em regramentos sobre o aumento das despesas pode ser considerado bom”, disse o economista.
No entanto, ele considera que, dentro da atual correlação de forças foi como se tirasse “leite de pedra”. Ele destaca como um dos avanços “as despesas não poderem cair nunca e devem ter crescimento mínimo de 0,6% em relação ao ano anterior”.
Jabbour defende também que se concentrem os esforços no enfrentamento da política monetária. “Os alvos devem ser o centro da meta e a temporalidade do regime de metas. Temos pouca energia a ser dispensada neste momento da história. Devemos concentrá-la”, afirmou o especialista. Confira suas opiniões, enviadas ao HP e expressas em suas redes sociais.
ELIAS JABBOUR
Muita gente séria sendo xingada desde ontem por ainda não ter se pronunciado sobre as novas regras fiscais por várias razões. Desde a “espera de cargos” até a omissão pura e simples.
De antemão, posso dizer duas coisas. Nada que implique em regramentos sobre o aumento das despesas pode ser considerado bom. Neste sentido o atual arcabouço tem, sim, algo de continuidade em relação ao momento anterior. Ao mesmo tempo que se trata de um comportamento político vil acreditar que podemos trocar o teto de gastos por mecanismos explícitos de princípio da demanda efetiva.
O atual arcabouço fiscal seria excelente em uma economia com crescimento autônomo em relação ao gasto público. Não é o caso do Brasil e o tratamento dado ao investimento nesta regra é muito insuficiente.
Mas essa regra tem dois pontos que considero um imenso avanço em relação ao que nos acostumamos a ver: as despesas não podem cair nunca e devem ter crescimento mínimo de 0,6% em relação ao ano anterior. Isso é quase um salto civilizatório diante da criminalização do gasto público que víamos há anos.
Isso implica em que no investimento privado? O empresário poderá minimamente prever algum nível de investimento sem que haja cortes abruptos de gastos e essa é a maior vitória possível nos marcos da atual correlação de forças na sociedade e na política. Quem disser que faria algo além disso estará mentindo por deixar de lado algo básico: a política.
Repito, esse arcabouço fiscal é muito insuficiente para dar conta das imensas demandas da sociedade brasileira, mas para ir além precisaríamos de muita força política. Diante da força política que dispomos, cabe a letargia ou usar da correlação de forças como uma zona de conforto para governismos desnecessários? Não. Primeiro, nosso inimigo não está no ministério da fazenda e sim no BC. Ele já deu claros sinais de que não vai ceder. Neste sentido é possível um impeachment de Campos Neto?
Não. O que é possível fazer? O Ministro da Fazenda, por ordem do presidente Lula, chamar o Conselho Monetário Nacional e demonstrar que dado o fato de a nossa inflação média desde 1999 ser de 6%, é impraticável uma meta de 3,25% acrescida de um momento internacional que tem levado os países que usam da régua das metas de inflação a elevarem o centro da meta, como foi o caso da Índia.
E mais, nossa economia é useira e vezeira em criar choques sazonais de preços implicando em uso indiscriminado da taxa de juros. É hora de rever a temporalidade das metas de inflação. Não acredito que o centro da luta de classes no Brasil hoje seja em torno dos rumos da política fiscal. Com todos os limites deste arcabouço, tirou-se leite de pedra diante da atual correlação de forças.
O problema é a política monetária. Escolher o principal e o secundário na luta de classes é fundamental. Os alvos devem ser o centro da meta e a temporalidade do regime de metas. Temos pouca energia a ser dispensada neste momento da história. Devemos concentrá-la.