No dia 18 de junho de 1936 falecia Máximo Gorki, glória da literatura russa, vítima de envenenamento criminoso ordenado pela direção do “bloco direita-trotskista” e organizado pelo então presidente da GPU, Genrikh Yagoda. O assassinato de Gorki foi descrito e analisado, detalhadamente, nas duas sessões do dia 8 de março de 1938 do Colégio Militar da Corte Suprema da URSS, conforme as transcrições das atas dos “Processos de Moscou”, que publicamos sem cortes, em primeira mão, no Brasil, para os leitores da Hora do Povo.
Além do assassinato de Gorki, as duas sessões do tribunal, realizadas naquela data, enfocam também o de seu filho Max Pechkov; o de Menjinski, que antecedeu Yagoda na presidência da GPU; o de Kouibyschev, membro do Burô Político do PCUS; o atentado contra Kirov, chefe da seção Leningrado do PCUS, bem como as motivações dos criminosos e seus vínculos com os serviços secretos das potências estrangeiras, particularmente com os facistas alemães.
As atas dos “Processos de Moscou” foram trazidas ao Brasil, em sua íntegra, pelo nosso inesquecível camarada Claudio Campos, secretário-geral do MR8, que teve acesso a elas, pela primeira vez, através de pesquisa realizada na biblioteca do Instituto Maurice Thorez, em Paris.
Durante anos, o camarada Cláudio e outros dirigentes do nosso movimento estudaram minuciosamente esses documentos e firmaram a convicção de que não se pode avaliar em profundidade o processo de construção do socialismo na URSS e o significado das lutas que ele engendrou sem o conhecimento do conteúdo dessas atas.
A primeira coisa que salta aos olhos, através de sua leitura, é a de que não há qualquer possibilidade de que os confrontos da promotoria com os acusados e destes entre si, em audiências públicas, tenham sido objeto de uma encenação. Essa versão disseminada, após a Segunda Guerra Mundial, por escritores a soldo da CIA, do MI-5 e por trotskistas desavisados ou não revela-se insustentável e mesmo pueril quando cotejada com as atas dos processos.
Nos cadernos especiais que publicamos nesta e na próxima edição do HP, damos uma mostra desse fato. Em edições seguintes, iremos revelando o vasto e elucidativo conteúdo das atas, em sua íntegra.
O texto referente às sessões de 8 de março de 1938, foi traduzido pelo camarada Valério Bemfica. (SR)
SESSÃO MATUTINA DE 8 DE MARÇO DE 1938
Oficial da Corte – A Corte! Todos de pé, por favor.
Presidente – Podem sentar-se. A audiência continua. Passemos ao interrogatório do acusado Levine. Acusado Levine, o senhor confirma as declarações feitas durante a instrução prévia?
Levine – Confirmo.
Presidente – Camarada Procurador, o senhor tem alguma pergunta?
Vychinski – Sim, ainda tenho algumas questões. Acusado Levine, conte-nos em que momento e sob quais circunstâncias o senhor conheceu Yagoda, e quais foram os resultados da sua intimidade com ele.
Levine – O começo de minhas relações com Yagoda remonta a, aproximadamente, 1920. Eu tratava, então, de Dzerjinski, Menjinski, hoje já falecidos. Eu via Yagoda eventualmente, e também o tratava. Nossos encontros tornaram-se mais freqüentes em torno de 1928, com a chegada de A. M. Gorki a Moscou. Todos sabem que, desde a sua juventude, A. M. Gorki sofria de uma forma muito grave de tuberculose. Antes da Revolução e depois da Revolução, a partir de 1921, ele havia vivido alguns anos na Itália. Durante esses anos A. M. Gorki sentia grandes saudades da URSS; a grande distância da URSS e a impossibilidade de receber notícias freqüentes pesavam-lhe enormemente. Ele começou a falar cada vez mais da necessidade de retornar. Como o estado de sua saúde não lhe permitia voltar em definitivo, ele tomou a decisão de vir à URSS periodicamente. Depois de 1928, ele veio a Moscou nos meses de verão, já que as condições climáticas dos arredores da cidade são relativamente favoráveis aos doentes dos pulmões e do coração, quando na Itália, ao contrário, faz muito calor nessa época. A partir daquele ano ele esteve por aqui no verão e retornou à Itália no inverno. Havia sido decidido que na Itália ele ficaria sob os cuidados de um médico soviético. Sendo eu considerado seu Médico de Família, fui encarregado de escolher um grupo de médicos e de professores que dividissem entre eles esse semestre em três períodos de dois meses; assim, cada um deles permaneceria dois meses na Itália e não seria afastado em definitivo do trabalho que fazia aqui. De tal grupo faziam parte vários médicos de Leningrado, de Moscou e eu mesmo. Todas as vezes eu o acompanhava em sua partida da Itália, chegava com ele a Moscou e o despachava para casa, na qualidade de Médico de Família. Os outros cumpriam seus papéis. Durante os períodos de Gorki em Moscou, eu ia vê-lo frequentemente, como Médico de Família. Ele morava nos arredores de Moscou. Eu passava a noite em sua casa, mesmo quando ele não precisava nada de urgente. Nesta época Yagoda era também freqüentador da casa. Nos encontrávamos lá amiúde. As relações entre nós estabeleceram-se não como médico e paciente, mas como pessoas conhecidas. A esta altura tornaram-se mais freqüentes também minhas visitas a Yagoda, em sua casa ou na sua casa de campo, pois em torno de 1930, se não me engano, sua mulher – Averbach – estava seguidamente enferma; atacada por uma doença crônica, ela tinha seguidas crises, devido ao tipo mesmo de seu mal. Durante tais crises ele chegava a me levar à sua casa todos os dias, sozinho ou acompanhado de um dos médicos do serviço de saúde da GPU, ou até mesmo do falecido cirurgião (feu) Rozanov, que, como médico, era freqüentador desta casa. Foi assim que nossas relações se estreitaram cada vez mais. Devo dizer que Yagoda comportava-se muito bem diante de mim, dando-me diversas provas de estima. Falando francamente, isso não me parecia nada de extraordinário, pois nós, médicos, vemos muito amiúde os pacientes desejarem nos agradecer de uma maneira ou de outra, demonstrarem sua consideração. Em uma palavra, não via nisso nada de surpreendente ou incompreensível para mim. Sua consideração me lisonjeava.
Vychinski – E como se exprimia esta atenção?
Levine – Bom, por exemplo: ele tinha umas flores maravilhosas, uma estufa, e ele me enviava flores, enviava também excelentes vinhos franceses. Um dia ele me deu um presente que, para mim, foi muito precioso: ele me destinou, com exclusividade, nos arredores de Moscou, uma casa de campo onde, durante cinco ou seis anos, passei o verão com minha família.
Vychinski – Ele mandou construir uma casa de campo para o senhor?
Levine – Não, ele destinou uma exclusiva…
Vychinski – Quer dizer que ele lhe deu de presente uma casa de campo?
Levine – Sim, eu considerei aquilo como um presente.
Vychinski – Yagoda ofereceu seus préstimos em suas viagens ao estrangeiro, liberando o senhor das formalidades alfandegárias?
Levine – Sim, ele fazia saber à Aduana que eles podiam me deixar passar, quando eu retornava do exterior, sem inspecionar minha bagagem.
Vychinski – E como o senhor aproveitava isso?
Levine – Eu trazia roupas para minha esposa, para minhas noras, diversos objetos para crianças, para senhoras, trazia pequenos presentes para os colegas…
Vychinski – Em uma palavra, o senhor trazia tudo o que queria sem pagar o imposto de importação, sem pagar as taxas alfandegárias?
Levine – Sim, mas não eram objetos preciosos.
Vychinski – Evidentemente, o senhor não fazia comércio de objetos preciosos.
Levine – Eu os trazia para meus parentes próximos.
Vychinski – Eu compreendo: para o senhor mesmo, seus parentes próximos, seus amigos, seus conhecidos.
Levine – É a mesma coisa.
Vychinski – E isso durou quanto tempo?
Levine – Em 1934 eu ainda estive no exterior.
Vychinski – E esta atenção “especial”, quando o senhor acha que começou?
Levine – A partir da minha primeira viagem com Alexei Maximovitch, em 1928 ou 1929, e até pouco tempo atrás.
Vychinski – Bom, e depois? O senhor considerava tudo isso como sinais normais de atenção? Em geral é assim que os pacientes expressam sua consideração aos médicos?
Levine – O senhor provavelmente sabe que não.
Vychinski – Nem com viagens ao exterior, nem com presentes, nem com uma casa de campo, nem com o imposto de importação ou as taxas de aduana?
Levine – É evidente que não.
Vychinski – Assim então, o senhor considerava a coisa como normal?
Levine – Para ele era provavelmente normal.
Vychinski – E para o senhor?
Levine – Para mim não era, evidentemente, uma coisa normal.
Vychinski – Sendo assim, o senhor não se perguntou qual o motivo de tanta atenção?
Levine – Eu nem pensei nisso, pois avaliei que, para ele, a coisa não tinha muita importância. Considerando sua posição, não era grande coisa.
Vychinski – Mas considerando a posição do senhor, era normal?
Levine – É evidente que não, que não era uma coisa normal. Mas tampouco se tratava de um paciente normal.
Vychinski – Então um paciente especial testemunhava-lhe uma atenção especial?
Levine – Isso, isso, evidente.
Vychinski – Diga-nos, por favor, qual foi o resultado de tudo isso?
Levine – Para um paciente normal é difícil dar um presente, visto que…
Vychinski – Perdão, mas devo interromper-lhe mais uma vez. Quando lhe dispensavam de qualquer tipo de inspeção aduaneira, o senhor considerava tal prática como natural e legal?
Levine – Eu não considerava como normal e legal, mas sabia que era uma prática corrente.
Vychinski – Prática corrente de quem e aonde, o senhor sabe?
Levine – Sei que várias pessoas se beneficiam de passaportes diplomáticos, etc.
Vychinski – Então o senhor se considerava um diplomata?
Levine – Não, claro que não me considerava como tal.
Vychinski – O senhor compreende que se aproveitou de uma grave infração às leis soviéticas e que aceitou tal violação de forma interesseira?
Levine – Sim, eu compreendo. Mas devo dizer que o prejuízo causado ao Estado foi muito pequeno: eu trazia algumas gravatas, bagatelas.
Vychinski – Mas os pequenos prejuízos freqüentemente repetidos fazem um grande prejuízo. Além disso, é assim que todos os criminosos justificam seus crimes. Mesmo aquele que rouba um milhão de rublos-ouro pode dizer que para um Estado tão poderoso, tão rico como o nosso, o prejuízo causado ao Estado não é muito grande.
Levine – Permita-me continuar seu pensamento e calcular em dinheiro o que a Aduana deveria ter arrecadado. Obteremos uma soma pequena.
Vychinski – Até agora o senhor não compreendeu a gravidade de seu crime?
Levine – Sim, sim, é claro que compreendi.
Vychinski – Então continue com suas explicações.
Levine – Devo confessar que uma tal atenção realmente me lisonjeava. Era uma atenção revelada pelo dirigente de um organismo como a GPU. Eu via como um reconhecimento justo e um testemunho da confiança que me demonstrava o dirigente daquela instituição. Nunca me veio à mente o que eu vejo agora.
Vychinski – Mas depois lhe veio à mente.
Levine – Sim.
Vychinski – Como isso se passou?
Levine – Em 1932 Alexei Maximovitch havia decidido instalar-se definitivamente em Moscou, com toda a sua família. No começo de 1933, quando de uma visita minha a Yagoda, à sua casa de campo, durante uma caminhada ele tratou comigo de um assunto ao qual ele voltaria muitas vezes depois, um assunto sobre o filho de Gorki, Máximo Alexeievitch Pechkov. Ele me disse que estava descontente com seu modo de vida, com sua conduta. Estava descontente de não vê-lo interessado por nenhum trabalho, de não vê-lo fazer nada. Ele estava descontente de vê-lo abusar das bebidas alcoólicas. Mas era um assunto que correspondia mais ou menos à realidade: naquela época M. A. Pechkov, pai de dois filhos, não tinha nenhum trabalho fixo, nenhuma ocupação obrigatória, precisa; simplesmente ele vivia na casa de seu pai. De sorte que suas palavras não apontavam então para nenhuma suspeita grave. Durante uma destas conversas, Yagoda disse: Veja você, Max (era assim que ele o chamava), não é simplesmente um homem que não serve para nada, ele exerce sobre seu pai uma influência nefasta. Seu pai o ama, e ele se aproveita para criar um ambiente indesejável e nocivo na casa de Alexei Maximovitch. É necessário descartá-lo. É preciso fazer com que ele pereça.
Vychinski – Quer dizer?
Levine – Fazê-lo morrer.
Vychinski – Ou seja, matá-lo?
Levine – Isso mesmo.
Vychinski – E Yagoda, então, propôs ao senhor que o fizesse?
Levine – Ele disse: “Você deve nos ajudar nisso”. É desnecessário que eu descreva aqui minha sensação psicológica, o terror que eu senti escutando estas palavras – penso que isso é bastante compreensível, meu transtorno é interminável. Passaram-se já seis anos, de maneira que não posso garantir as palavras exatas da narração, mas simplesmente seu conteúdo. Ele falou a seguir: O senhor sabe quem está lhe falando, o dirigente de qual instituição? O senhor sabe que defendo a política do partido e a vida dos principais dirigentes do partido e do governo, assim como a vida e a atividade de Gorki; no momento em que se faz necessário, no interesse dele, livrar-se de seu filho, você não deve furtar-se ao sacrifício.
Vychinski – Foi assim que ele justificou a coisa?
Levine – Sim.
Vychinski – E que pensou o senhor?
Levine – Eu não pensei nada. Ele me disse: por enquanto não faça nada, reflita em casa, e dentro de alguns dias eu o convocarei.
Vychinski – Em que o senhor deveria refletir?
Levine – Se eu aceitava ou não.
Vychinski – E ainda, refletir em que mais?
Levine – Nos meios de execução. Ele disse: “Não se esqueça que o senhor não pode não me obedecer; o senhor não me escapará. A partir do momento em que eu lhe confiei esta questão, do momento em que o senhor soube deste assunto deve avaliá-lo e executá-lo. O senhor não pode contá-lo a ninguém. Ninguém acreditará no senhor. É em mim que acreditarão. Não vacile, execute. Reflita bem sobre como pode fazê-lo e quem poderá envolver. Dentro de alguns dias eu o chamarei.” Ele repetiu ainda uma vez que a não execução do que ele me pedia seria minha perdição, minha e de minha família. Considerei que não tinha outra saída, que deveria submeter-me a ele. Naturalmente, quando olho à distância, quando hoje olho para 1932, quando vejo a que ponto Yagoda me parecia, a mim, sem partido, a que ponto ele me parecia todo-poderoso, é evidente que me muito difícil furtar-me de suas ameaças, de suas injunções.
Vychinski – E você tentou furtar-se?
Levine – Eu tentei, na minha consciência.
Vychinski – Na sua consciência, mas não houve resposta da sua parte?
Levine – Não.
Vychinski – O senhor tentou protestar, contar para alguém, informar alguém?
Levine – Não, não fiz nada disso, não tentei me desvencilhar. Não disse nada a ninguém e me decidi. Quando me decidi, fui encontrá-lo. Yagoda me disse: “Será difícil para o senhor conseguir sozinho. Em quem o senhor pensou para ajudá-lo?” Eu lhe respondi que em geral introduzir um novo médico na casa de Gorki era muito difícil, que eles não gostavam. Mas havia um médico que visitara Gorki durante uma de minhas férias, era o doutor A. I. Vinogradov, do Serviço de Saúde da GPU. Krioutchkov o conhecia bem. Foi ele que, se não me engano, trouxe Vinogradov (Krioutchkov era o secretário permanente de Gorki). Eu disse que era imprescindível fazê-lo participar da ação. Disse também que se fosse preciso ainda recorrer a algum dos consultores, o único deles que freqüentava a casa era o professor Dmitri Dimitrievitch Pletnev. Não falei dele então como um auxiliar realmente, disse apenas que se a doença exigisse a presença de um consultor a única pessoa que poderia se apresentar na casa era D. D. Pletnev. Assim passou-se o ano de 1933. Ele me apressava.
Vychinski – Ele quem?
Levine – Yagoda. Naquela época uma nova idéia tinha germinado em sua mente. Quando me encontrava, Yagoda perguntava sempre sobre o estado de saúde de Viatcheslav Roudolphovitch Menjinski, então presidente da GPU e que estava gravemente doente. Yagoda era vice-presidente da GPU. É preciso dizer que Menjinski, desde os primeiros anos da Revolução, era meu cliente fixo. Em 1926 ele sofrera um ataque muito grave de angina de peito. Desde então sua saúde permaneceu abalada, e ele tinha seguidas crises. No estado em que ele se encontrava eu não podia prestar-lhe grande ajuda, como tampouco poderia qualquer outro terapeuta. E, como o sofrimento era constante, ele começou a procurar por milagres. Nesse tempo um dos milagres era o “myol”, uma preparação do doutor Schwartzmann, que ele dizia ser imbatível contra a angina de peito. Fizeram vir Schwar-tzmann de Odessa, e ele produziu, durante certo tempo, uma boa impressão sobre Menjinski. Depois veio a decepção. Em seguida ele ouviu sobre a propaganda que se fazia sobre Ignati Nicolaievitch Kazakov, e ele (Menjinski) procurou Kazakov. Por volta de 1932 Menjinski tornou-se cliente permanente de Kazakov. Não somente tornou-se seu cliente como alimentava sua fama, ele fazia parte de um pequeno número de pessoas que tinham a impressão que Kazakov os ajudava tremendamente. E o barulho em torno de Kazakov, as contínuas discussões sobre seu nome, em Moscou, tiveram por resultado que no Conselho dos Comissários do Povo teve lugar uma sessão especialmente consagrada aos métodos de tratamento preconizados por Kazakov, sessão à qual assistiu Menjinski que, também lá, defendeu o renome de Kazakov.
Vychinski – As sessões que aconteceram nos órgãos de Estado não têm nada a ver com a questão presente.
Levine – Eu falo da sessão na qual foi examinada a questão dos lisados de Kazakov.
Vychinski – Conte-nos então o que Yagoda disse de concreto ao senhor a propósito de Menjinski.
Levine – A essa questão eu respondi logo a Yagoda.
Vychinski – A qual questão?
Levine – Por diversas vezes ele me perguntou pela saúde de Menjinski, e em outubro ou em novembro, ele de novo me questionou: “Como vai a saúde de Menjinski?” Respondi que, segundo minhas informações, ele estava muito mal. Mas ele me disse: “Qual a vantagem de arrastar isso por mais tempo? É um homem condenado?”. Ele era, com efeito, considerado como um doente quase que sem esperanças, quanto à recuperação de sua capacidade de trabalho.
Vychinski – O senhor disse a Yagoda que Menjinski poderia lutar contra a morte por um prazo indeterminado?
Levine – Perdão, não ouvi sua pergunta.
Vychinski – Eu perguntei: à questão de Yagoda sobre o estado de saúde de Menjinski, o senhor não lhe informou que Menjinski poderia ainda lutar por um período de tempo indeterminado?
Levine – Sim, certamente.
Vychinski – E o que Yagoda lhe respondeu?
Levine – Ele me disse: “Segundo as minhas informações ele é um morto-vivo”.
Vychinski – Ele não disse, de outra maneira: “Qual a vantagem”?
Levine – Disse.
Vychinski – E ele não disse que era preciso apressar isso?
Levine – Disse. Eu chego lá. Estava dizendo que, desde 1932 ele era um fervoroso adepto do doutor Kazakov, e que se a questão se coloca assim…
Vychinski – Fale francamente, não se intimide.
Levine – Estou falando francamente.
Vychinski – Yagoda não lhe disse que era necessário matar Menjinski?
Levine – Disse.
Vychinski – E então, o senhor disse a ele quem deveria ser recrutado para isso?
Levine – O doutor Kazakov.
Vychinski – O senhor chamou Kazakov para que? Para tratar ou para assassinar?
Levine – Para a segunda dessas coisas.
Vychinski – E por que justamente Kazakov?
Levine – Ele tratava à base de lisados. Ora, esses lisados Kazakov os preparava em casa, no seu laboratório.
Vychinski – Então ele podia preparar tudo o que ele quisesse?
Levine – Ele podia preparar lisados que, ao invés de fazer bem, fizessem mal.
Vychinski – Ou seja, venenos.
Levine – Perfeitamente. Sobre isso falei com Yagoda: “Como há interrupções, pausas no tratamento, que durante elas eu visito Viatcheslav Roudolphovitch Menjinski, posso combinar os lisados com um cardiopático qualquer que, combinado aos lisados, poderia ser nocivo”.
Vychinski – O senhor explicou isso a Yagoda?
Levine – Sim, a Yagoda.
Vychinski – E Yagoda, o que disse?
Levine – Ele me disse que falaria com Kazakov e lhe daria as instruções necessárias. Quando encontrei Kazakov, no final de 1933, soube que Yagoda o havia chamado para um encontro; ele sabia o que tinha de fazer e me explicaria como seriam preparados os lisados. Ele me perguntou quais cardiopáticos eu iria receitar quando de minha visita.
Vychinski – Acusado Kazakov, o senhor confirma as declarações que Levine acaba de fazer?
Kazakov – No essencial sim.
Vychinski – O senhor confirma que Levine conversou com o senhor?
Kazakov – Sim.
Vychinski – O que ele lhe disse exatamente?
Kazakov – Estive com Levine três vezes e, aos poucos, ele acabou me recrutando. Nós tivemos um encontro em maio, um outro em junho e, finalmente, um outro em outubro.
Vychinski – De que ano?
Kazakov – De 1933.
Vychinski – Então, em 1933, houve três encontros?
Kazakov – Três.
Vychinski – Durante seu primeiro encontro, em maio, sobre o que os senhores conversaram?
Kazakov – Ele expressou-me sua simpatia; disse que eu estava isolado entre os médicos, que os outros médicos me atacavam e que eu me encontrava em uma situação bastante delicada. Ele me recomendava aproximar-me mais dos outros médicos e acrescentou: “Tenho um assunto particular para tratar com o senhor”. Perguntei: “Sobre o que?” Ele respondeu: “Sobre a saúde de Menjinski”.
Vychinski – Ele recomendou que o senhor se aproximasse de algum médico em especial ou dos médicos em geral.
Kazakov – Eu me mantinha afastado, pois a luta estava encarniçada.
Vychinski – E Levine expressou simpatia ao senhor?
Kazakov – Durante a conversa de maio ele me disse: “É em vão que o senhor enfrenta as dificuldades do tratamento de Menjinski, ele é um morto-vivo”. Eu era da opinião de que Menjinski desenvolvia uma infecção bacteriana e que ela iria evoluir. Levine não se pôs de acordo comigo, e o resultado é que fui afastado. Eu lhe disse, de forma contundente, que não estava contente com a sua conduta em relação a mim. Ele me respondeu: “Sobre este assunto falaremos em particular”. É verdade que esta sua resposta cínica, de que Menjinski era um morto-vivo, que não valia a pena incomodar-se por ele me revoltara.
Vychinski – Por que ela revoltou o senhor?
Kazakov – Porque era cínica. Eu sabia que Menjinski, quando tinha seguido meu tratamento, havia se recuperado.
Vychinski – Em resumo, a declaração dele pareceu cínica ao senhor?
Kazakov – Evidentemente. Assim que ele tinha uma melhora eu era afastado.
Vychinski – Quem o afastava?
Kazakov – Levine. Em 5 de março, de novo me apresentei e de novo fui dispensado, até o mês de junho. Reclamei com ele.
Vychinski – E o que ele respondeu?
Kazakov – Ele? Como sempre, com um leve sorriso…
Vychinski – E depois?
Kazakov – Eu o encontrei em junho. Ele ponderou que eu tinha razão quando fiz meu diagnóstico sobre a infecção que Menjinski desenvolvia como conseqüência da gripe. Um grupo de médicos presentes declarou não ter nada a objetar a que me fosse confiado o seu tratamento.
Vychinski – O senhor demora-se muito nos comentários. Nós ainda o interrogaremos à parte. Por hora conte-nos brevemente em que consistiu o segundo encontro.
Kazakov – Ele me disse: “Eu não me oponho a que o senhor comece a tratar Menjinski…”
Vychinski – Em uma palavra, ele deixou o senhor aproximar-se?
Kazakov – Sim. Comecei a tratar de Menjinski.
Vychinski – E isto não o espantou?
Kazakov – Ele me havia dito uma frase: “Acho que o senhor me entendeu.”
Vychinski – E o senhor o havia entendido?
Kazakov – Eu não tinha entendido nada.
Vychinski – Quando alguém não compreende quando lhe dizem “o senhor me entendeu”, pergunta: “O que?, Como?”. O senhor perguntou alguma coisa?
Kazakov – Havia em mim um grande negativismo.
Vychinski – Em russo isso significaria o que?
Kazakov – Inimizade com Levine.
Vychinski – Com mais razão ainda seria necessário perguntar o que ele estava querendo dizer.
Kazakov – É verdade, mas não perguntei nada.
Vychinski – Talvez o senhor o tivesse compreendido?
Kazakov – Não, não.
Vychinski – Então ele lhe disse: “O senhor me entendeu”. E o senhor, o que respondeu?
Kazakov – Fiquei só olhando, de olhos arregalados, não disse nada. Comecei a cuidar de Menjinski e ele se pôs em pé.
Vychinski – Fale menos de seus méritos e responda a questão de fundo que lhe foi posta. Por que o senhor não lhe perguntou: “O que? Não o compreendo.” Em geral, se alguém não pergunta é porque compreendeu, não é mesmo?
Kazakov – É.
Vychinski – Naquele momento o senhor não desconfiou de nada?
Kazakov – Não, não desconfiei. Mais tarde, no mês de outubro, ele me disse: “Tomei-lhe por mais inteligente, mas vejo que não me entendeu”.
Vychinski – E em que a sua inteligência deveria se manifestar?
Kazakov – Ele me disse, em tom firme: “Eu me admiro que o senhor se tenha dedicado com tanto zelo a cuidar de Menjinski e que tenha mesmo fortalecido a sua saúde; foi em vão que o senhor o fez voltar ao trabalho.” E depois acrescentou: “Fazendo isso, o senhor irrita Yagoda.”
Vychinski – E o senhor, o que disse?
Kazakov – Ele acrescentou que disso não resultaria nada de bom.
Vychinski – E o senhor?
Kazakov – Eu escutava, para ver aonde a coisa daria.
Vychinski – Por que o senhor escutava? Não estava claro ao senhor do que se tratava?
Kazakov – Eu desejava escutar, para saber a que ele vinha.
Vychinski – E a que ele veio?
Kazakov – Em outubro Levine me disse: “Compreenda que Menjinski é, de fato, um morto-vivo; porém, restabelecendo sua saúde, fazendo-o retornar ao trabalho, o senhor joga Yagoda contra o senhor. Compreenda que Yagoda está interessado em ver Menjinski fora, e se o senhor não se submeter a ele, Yagoda terá motivos contra o senhor.”
Vychinski – Ele intimidou o senhor?
Kazakov – Sim. Não diga uma palavra a Menjinski, pois ninguém escapa de Yagoda. Ele não recuará diante de nada, achará você em qualquer lugar.
Vychinski – Foi assim que ele o intimidou?
Kazakov – Ele se expressou nestes termos.
Vychinski – O senhor sentiu medo?
Kazakov – Fiquei sorumbático. Depois Levine me disse: “Saiba que Yagoda vai falar com o senhor”. Falando francamente, eu estava completamente desamparado, senti medo e não sabia o que fazer.
Vychinski – E o que o senhor respondeu a Levine?
Kazakov – Não respondi nada.
Vychinski – De sorte que nas três vezes o senhor não respondeu nada. O senhor por um acaso é mudo?
Kazakov – Eu não sabia o que responder sobre seus propósitos cínicos. Talvez Levine fosse um agente de Yagoda, porque ele não tinha absolutamente nenhum motivo para me falar com tanta franqueza.
Vychinski – Em suma, o senhor afirma que Levine o intimidou, o ameaçou?
Kazakov – Sim.
Vychinski – Acusado Levine, o que o acusado Kazakov expôs é exato?
Levine – Não sei se devo objetar agora, neste momento, ou depois. Há tanta confusão…
Vychinski – A tarefa da instrução judiciária é justamente esclarecer todas as confusões.
Levine – Não sei o que fazem aqui expressões como “intimidação”, “olhos arregalados” e este argumento de que ele me compreendeu apenas através da expressão de meus olhos. Não considerava Kazakov assim tão inteligente para que pudesse me entender apenas por meu olhar. Acho que é inútil deter-se em tais detalhes. Evidentemente que se a corte desejar posso contar tudo em detalhes.
Vychinski – Eu lhe pergunto: o senhor realmente tentou intimidar Kazakov?
Levine – Isso é fantasioso, até porque meu encontro com Yagoda sobre Menjinski teve lugar no outono de 1933 e eu teria que saber em maio que era preciso matar Menjinski, pois Kazakov data nosso primeiro encontro em maio.
Kazakov – Nosso primeiro encontro foi em maio.
Vychinski – Durante o primeiro encontro o senhor foi intimidado?
Kazakov – Não. O segundo encontro aconteceu em junho.
Vychinski – O senhor foi intimidado?
Kazakov – Não.
Vychinski – Quando foi, então?
Kazakov – Em outubro, quando voltei de Kislovodski, ele me falou francamente.
Levine – Sim, então eu disse a Kazakov que Yagoda me havia dito isso e aquilo, que ele iria convocá-lo e contaria tudo em detalhes.
Vychinski (a Kazakov) – Levine disse isso ao senhor?
Kazakov – Sim.
Vychinski – Acusado Levine, o senhor nega ter intimidado Kazakov?
Levine – Eu disse que estava totalmente aterrorizado por Yagoda…
Vychinski – Que o senhor mesmo estava aterrorizado?
Levine – Eu disse que estava impossibilitado de lutar contra ele.
Vychinski – Acusado Kazakov, Levine diz a verdade?
Kazakov – Levine disse a seguinte frase: “Yagoda não recuará diante de nada, e se o senhor tentar resistir ele certamente lhe tirará a vida.”
Levine – Exato.
Vychinski – O senhor disse isso?
Levine – Sim.
Vychinski – E então?
Levine – Se o senhor assim o desejar, posso contar o encontro de maio-junho.
Vychinski – Não.
Levine – Também sou da opinião de que seria inútil.
Vychinski – Por que?
Levine – Se Yagoda estava disposto a tudo…
Vychinski – Convinha obedecer?
Levine – Sim.
Vychinski – O Senhor disse isso?
Levine – Sim, e nós nos decidimos.
Kazakov – Eu não decidi nada!
Vychinski – Levine disse-lhe que Yagoda iria convocá-lo?
Kazakov – Sim, disse.
Vychinski – O senhor respondeu?
Kazakov – Não, não respondi nada.
Vychinski – Em que ponto os senhores terminaram sua conversa?
Kazakov – Nós falamos…
Vychinski – Os senhores chegaram a um acordo?
Kazakov – Não, eu não lhe disse nada.
Vychinski – Acusado Levine, Kazakov não lhe disse nada?
Levine – Antes do encontro com Yagoda não.
Vychinski – Sua tarefa, então, era a de informar Kazakov de sua entrevista com Yagoda para um acerto criminoso.
Levine – Sim. Disse a Kazakov que Yagoda iria convocá-lo e que ele o encontraria logo.
Vychinski – Acusado Yagoda, o senhor encarregou Levine de informar Kazakov que ele seria convocado para uma reunião?
Yagoda – Vejo este homem pela primeira vez.
Vychinski – Então o senhor não encarregou Levine de tal missão?
Yagoda – Encarreguei Levine de tratar…
Vychinski – Com quem?
Yagoda – Com Kazakov, mas pessoalmente eu nunca o recebi.
Vychinski – Não perguntei se o senhor o recebeu ou não, perguntei se o senhor encarregou Levine de tratar com Kazakov?
Yagoda – Eu não o encarreguei de tratar com Kazakov.
Vychinski – O senhor acabou de dizer que lhe havia dado esta missão.
Yagoda – Tinha determinado a Levine a tarefa de matar Alexei Maximovitch Gorki e Kouibychev, isso é tudo.
Vychinski – E em relação a Menjinski?
Yagoda – Não assassinei nem Menjinski, nem Max Pechkov.
Vychinski – Isso nós examinaremos quando de seu interrogatório. O que me importa agora é verificar se Levine fala a verdade quando declara que o senhor o tinha incumbido de tratar com Kazakov e de informar-lhe que o senhor o convocaria.
Yagoda – Nunca determinei que Levine tratasse com Kazakov.
Vychinski – O senhor não lhe deu tal incumbência?
Yagoda – Não.
Vychinski – Levine, o senhor ouviu a explicação de Yagoda?
Levine – Ouvi.
Vychinski – Quem, então, diz a verdade?
Levine – Não sei como interpretar agora a declaração de Yagoda. Que Kazakov tenha sido chamado para falar com Yagoda, Kazakov em pessoa…
Vychinski – Eu não lhe perguntei isso. Yagoda deu-lhe tal missão?
Levine – Sim.
Vychinski – O senhor a comunicou a Kazakov?
Levine – Comuniquei.
Vychinski – Kazakov foi chamado?
Levine – Sim.
Vychinski – Como o senhor sabe que ele atendeu à convocação?
Levine – Ele mesmo declarou.
Vychinski – De onde o senhor sabe que ele atendeu?
Levine – O próprio Kazakov me falou.
Vychinski – Senhor Kazakov, o senhor foi convocado por Yagoda?
Kazakov – Sim, no dia 6 de novembro de 1933, às 3 horas da tarde.
Vychinski – O senhor atendeu à convocação?
Kazakov – Sim, um carro veio me buscar.
Vychinski – Yagoda o recebeu?
Kazakov – Sim.
Vychinski – Antes disso, o senhor já havia estado com Yagoda?
Kazakov – Não, era a primeira vez.
Vychinski – E sobre o que falou Yagoda?
Kazakov – Devo fazer primeiro uma pequena digressão. Porque me apresentei no 6 de novembro. No dia 5 de novembro à noite Menjinski havia sido transportado de Chestye Gorki para Moscou, para um hotel particular recém reformado, na rua Mechtchanskaia. Eu não via Menjinski há duas ou três semanas. No dia 6 de novembro uma viatura da GPU veio me buscar e eu fui levado ao hotel. Quando entrei nos aposentos para aonde Menjinski havia sido levado na véspera, encontrei um ar extremamente sufocante.
Vychinski – Poupe-nos dos detalhes, por favor. Nós o interrogaremos especialmente. Diga-nos o que nos interessa sobre a declaração de Yagoda, que alega nunca lhe ter visto.
Kazakov – Em 6 de novembro, depois de ter sido levado a Menjinski, recebi um telefonema avisando-me que um carro estava chegando para me buscar, a pedido de Yagoda. Foi naquele carro que eu fui conduzido à porta número 1 da GPU.
Yagoda veio ao meu encontro e perguntou-me: Como o senhor avaliou a saúde de Menjinski? Disse-lhe que naquele momento, depois dos ataques de bronquite asmática, ele encontrava-se em um estado muito grave. Depois ele me perguntou se eu havia conversado com Levine. Respondi que sim, que estivera com Levine. Então, por que tantos melindres, perguntou Yagoda, por que não age logo? – Eu cuidei de Menjinski, ele estava em um estado deplorável. Ajudado pelo motorista, cheguei mesmo a levá-lo para a varanda, pois ele estava prestes a sofrer um ataque, devido à atmosfera do local. “E quem lhe pediu para cuidar de Menjinski?” Yagoda foi literalmente tomado pela raiva, e me disse: “Todos se desinteressam de Menjinski, em vão o senhor se ocupa dele. Sua vida não é cara a ninguém, ele incomoda a todo mundo. Convido-o a trabalhar junto com Levine em uma forma de tratamento que permita acabar rapidamente com Menjinski. E saiba que se o senhor tentar não me obedecer, saberei dar-lhe um fim bem rápido.”
Vychinski – E o que o senhor respondeu?
Kazakov – Yagoda prosseguiu: “Sei reconhecer aos que me obedecem. O senhor não saberá como escapar de mim.” Eu perguntei o que ele queria de mim. Ele repetiu que eu devia falar com Levine e elaborar um tratamento que permitisse acelerar a morte de Menjinski. Eu estava completamente desamparado. De medo, obedeci. Disse-lhe que veria Levine. No final de dezembro encontrei com Levine.
Vychinski – Acusado Yagoda, Kazakov declarou que o senhor o mandou chamar, que o viu e que o encarregou de uma tarefa específica. O que o senhor tem a dizer?
Yagoda – Nas declarações de Kazakov foi dito que ele veio em minha casa, à noite.
Vychinski – Responda à minha pergunta: o senhor o chamou e esteve com ele?
Yagoda – É aqui que vejo este homem pela primeira vez. Jamais me encontrei com ele nem tratei de tais assuntos.
Vychinski – Por que o senhor fez declarações diferentes sobre o assunto, durante a instrução prévia?
Yagoda – O que disse na instrução prévia é falso.
Vychinski – Peço vênia para citar o volume 2, página 196 das Declarações do acusado Yagoda, de 28 de dezembro de 1937.
“Sabia-se que, nos últimos anos, Menjinski estava sempre doente, que ele não trabalhava. Era eu que dirigia o trabalho. Era claro que, depois de sua morte, eu seria o presidente da GPU. Eu tinha certeza disso, e esperava a morte de Menjinski, mas ele não morria. Quando atribuí a Levine a tarefa de eliminar Max…”
Vychinski – Acusado Levine, quem é Max?
Levine – Máximo Alexeievitch Pechkov.
Vychinski – “Eu pensei: por que não fazer o mesmo com Menjinski? Durante uma de minhas conversas com Levine disse-lhe claramente. Ele já estava ligado a mim pela preparação de outros crimes e não poderia recusar-se.”
Acusado Yagoda, Levine estava ligado ao senhor em ações criminosas?
Yagoda – Em relação a Max, não.
Vychinski – Em relação a quem, então?
Yagoda – A Kouibychev e Máximo Gorki.
Vychinski – Mas o que eu li, foi o que o senhor disse na instrução prévia?
Yagoda – Foi.
Vychinski – “Mas ele disse que não tinha acesso a Menjinski, que o médico encarregado era Kazakov, que não seria possível evitá-lo. Encarreguei Levine de envolver Kazakov no assunto.”
O senhor deu estas declarações, acusado Yagoda?
Yagoda – Já disse que fiz estas declarações, mas que elas são inexatas.
Vychinski – Por que o senhor fez as declarações, se são inexatas?
Yagoda – Não sei porque.
Vychinski – Sente-se.
“Chamei Kazakov, confirmei minha ordem e ele fez seu trabalho. Menjinski morreu.”
O senhor fez esta declaração, acusado Yagoda?
Yagoda – Sim.
Vychinski – Então, o senhor encontrou-se com Kazakov?
Yagoda – Não.
Vychinski – Por que o senhor prestou falso testemunho?
Yagoda – Permita-me não responder a esta pergunta.
Vychinski – O senhor nega ter organizado o assassinato de Menjinski?
Yagoda – Nego.
Vychinski – Mas nestas declarações o senhor confessou?
Yagoda – Sim.
Vychinski – Quando o procurador da URSS o interrogou, como o senhor respondeu à pergunta sobre seu envolvimento com o assassinato de Menjinski?
Yagoda – Confirmei, da mesma maneira.
Vychinski – O senhor confirmou. E por que o fez?
Yagoda – Permita-me não responder a esta pergunta.
Vychinski – Então responda à minha última pergunta. O senhor formulou alguma reclamação ou queixa sobre a instrução prévia?
Yagoda – Nenhuma.
Vychinski – E agora, o senhor deseja formular alguma?
Yagoda – Não.
Vychinski – Sente-se. Continue, acusado Levine.
Levine – Deixei escapar um detalhe que é preciso assinalar. Yagoda me disse que ele tinha tido um encontro com Krioutchkov.
Vychinski – Acusado Krioutchkov, que encontro foi esse?
Krioutchkov – Yagoda disse-me que era preciso livrar-se de Máximo Pechkov.
Vychinski – O que quer dizer “livrar-se”?
Krioutchkov – Matar. “Não se trata de Pechkov, me havia dito, mas principalmente de Gorki. É preciso diminuir a atividade de Gorki, ela incomoda certas pessoas.” Pelo desenrolar da conversa notei que ele falava de Rykov, de Bukharin e dos outros. Durante a conversa soube de Yagoda que um golpe de estado contra-revolucionário estava sendo preparado, e que ele estava envolvido. Disse-me claramente: Na URSS haverá, em breve, um novo poder, que corresponderá melhor ao seu estado de espírito.
Vychinski – Estado de espírito de quem?
Krioutchkov – Ao meu.
Vychinski – E qual era seu estado de espírito?
Krioutchkov – Conforme a conversa que eu tivera com ele por volta de 1933, ele pôde concluir que eu estava próximo da organização dos direitistas. Perguntei-lhe: Que devo fazer? Ele me respondeu: Você sabe o quanto Gorki ama seu filho. A morte dele será um grande golpe e fará dele um velhinho inofensivo. Você deve matá-lo. Acrescentou então algumas frases ameaçadoras. Aceitei a proposta de Yagoda. Ele falou: Antes você bebia com Max, deve agora começar a intoxicá-lo de bebida.
Vychinski – Acusado Yagoda, o senhor conversou sobre o complô com Krioutchkov?
Yagoda – Não, jamais falei com ele sobre complô.
Vychinski – O senhor conversou com ele sobre temas políticos?
Yagoda – Não, nunca confiei nele.
Vychinski – De sorte que tudo isso que ele disse…
Yagoda – É tudo mentira!
Vychinski – O senhor não lhe deu nenhuma tarefa em relação a Máximo Pechkov?
Yagoda – Eu declarei, cidadão procurador, que no concernente a Máximo Pechkov eu não deleguei nenhuma tarefa, eu não via nenhuma utilidade no seu assassinato.
Vychinski – De maneira que Levine está mentindo?
Yagoda – Ele mente.
Vychinski – Kazakov mente?
Yagoda – Ele também mente.
Vychinski – Krioutchkov?
Yagoda – Mentiras.
Vychinski – O senhor não encomendou a Krioutchkov a morte de Máximo Pechkov? Durante a instrução prévia o senhor…
Yagoda – Eu menti.
Vychinski – E agora?
Yagoda – Agora falo a verdade.
Vychinski – Por que o senhor mentiu no inquérito?
Yagoda – Já disse. Permita-me não responder a essa pergunta.
Vychinski – Continue, acusado Levine.
Levine – Como conseqüência de nossos estratagemas criminosos, no mês de maio, quase no mesmo dia, um dia após o outro, morreram Viatcheslav Roudolphovitch Menjinski e Máximo Alexeievitch Pechkov. Rogo à corte e ao senhor, cidadão procurador, que me permita não me deter agora nos detalhes, na maneira como fomos apanhados, e falar sobre um encontro ulterior com Yagoda, a propósito de nossas vítimas seguintes. Penso em escolher esta ordem em minha exposição porque, para que os senhores possam compreender, para os que não são médicos consigam compreender em que consistiam nossos estratagemas, será necessário que eu faça um breve, muito breve panorama médico, e então os senhores compreenderão nossa maneira de agir, única para os quatro casos. Assim, então, direi apenas que, por conseqüência de nossas ações criminosas conjugadas, Menjinski morreu no dia 10 de maio de 1934 e, no dia seguinte, Pechkov. Estes crimes estavam concluídos. Inútil dizer a que ponto são ignóbeis, odiosos, na mão de médicos, qualquer que seja o paciente e quaisquer que sejam as condições em que são perpetrados. Mas o que menos posso me desculpar é o de Menjinski, por quem eu tinha particular simpatia…
Vychinski – Nota-se.
Levine – … e que havia também me demonstrado simpatia e, sobretudo, o que concerne ao filho de Alexei Maximovitch Gorki.
Mas naquele momento eu não sabia ainda o que me esperava. Alguns dias depois dos funerais de Menjinski e de Pechkov, Yagoda chamou-me novamente e me disse: “Pois bem, agora que o senhor cometeu estes crimes, está completamente em minhas mãos, e deve aceitar fazer o que vou propor-lhe, e que é muito mais grave e importante. Eu lhe previno que o que vou determinar ao senhor agora é tão obrigatório quanto minhas ordens precedentes. Mas para que o senhor compreenda o que lhe direi e que o senhor deverá executar, devo dar-lhe algumas breves informações sobre a situação do país. Assim então o senhor, homem distante da política, sem partido, compreenderá melhor o que deve ser feito.” Ele então contou que no seio do partido crescia e se fortalecia uma grande revolta contra a direção do partido, que uma mudança de poder era inevitável, que estava decidida e era inelutável, que na cabeça do movimento estavam Rykov, Bukharin e Enoukidze. E como era inevitável, como estava prestes a acontecer, então quanto mais cedo melhor. Ora, para que aquilo acontecesse mais rápido, para facilitar o processo, precisávamos eliminar da arena política certos membros, como Máximo Gorki – era uma necessidade histórica. Mas, cidadão procurador, o senhor interrompeu quando quis contar, sobre isso, o meu sentimento pessoal. É por isso que não falo nada: farei simplesmente a exposição seca dos fatos, da maneira que o senhor deseja. Após uma pequena pausa, ele me disse: “O senhor se preocupa desnecessariamente, compreenda que isso é inevitável, que é um momento histórico, uma necessidade histórica, uma etapa da revolução que nós devemos transpor, e que o senhor transporá conosco, da qual o senhor será testemunha; e que o senhor deve, pelos meios de que dispõe, ajudar-nos e, ao invés de ficar nervoso, o senhor deve dizer de quem mais o senhor pode encarregar-se, além de Máximo Gorki.” Também agora deixo de lado outras coisas, e digo que não nos falamos mais naquele dia. Passados alguns dias apresentei-me novamente a Yagoda e disse-lhe que estava obrigado a cumprir também aquela missão que ele me havia dado. Durante a conversa ele acrescentou: “Gorki é muito próximo da alta direção do partido, um homem muito devotado à política atualmente desenvolvida no país; ele é particularmente dedicado a Stálin, é um homem que não o trairá jamais, que não marchará jamais conosco. E o senhor sabe, por outro lado, da autoridade que possui a palavra de Gorki entre nós, no nosso país e mesmo muito longe de nossas fronteiras, a influência que ele possui e o quanto sua palavra pode fazer de estragos em nosso movimento. O senhor deve decidir-se por esta ação, e colherá os frutos com a chegada do novo poder.” Quando Yagoda me perguntou de quem mais eu poderia encarregar-me, disse que poderia fazê-lo em relação a um homem que estava frequentemente enfermo, que seguidamente precisava de auxílio médico, com o membro do Birô Político Valerian Vladimirovitch Kouibychev. Eu poderia envolver Dimitri Dimitrievitch Pletnev, que conhecia Kouibychev. Ambos o conhecíamos há doze anos, como nosso paciente. Disse-lhe ainda que nos meios médicos de Moscou todos sabiam que Pletnev era de índole anti-soviética, que ele consentiria mais facilmente do que algum outro. Yagoda disse então: “Falarei com ele pessoalmente. Por outro lado, em tudo o que se refere a Gorki, Krioutchkov pode lhe ajudar; no que concerne a Kouibychev, seu secretário Maximov estará a par.”
Vychinski – Então o senhor organizou o assassinato de Máximo Gorki?
Levine – Sim.
Vychinski – Quem o senhor envolveu nesta ação criminosa?
Levine – O professor Pletnev.
Vychinski – Quem era cúmplice da ação?
Levine – Piotr Petrovitch Krioutchkov.
Vychinski – Sob ordens de quem agiram?
Levine – De Yagoda.
Vychinski (dirigindo-se à Corte) – Permitam-me interrogar o acusado Yagoda.
Presidente – À vontade.
Vychinski – Acusado Yagoda, o senhor confirma esta parte da das declarações do acusado Levine?
Yagoda – Confirmo.
Vychinski – O senhor deu tais ordens?
Yagoda – Dei.
Vychinski (a Levine) – Sob as ordens de quem o senhor igualmente organizou o assassinato de Valerian Vladimirovitch Kouibychev?
Levine – Sob as ordens de Yagoda.
Vychinski – Quem o senhor envolveu no crime?
Levine – Maximov e o professor Pletnev.
Vychinski – Acusado Krioutchkov, o senhor confirma o que disse Levine?
Krioutchkov – Confirmo que Yagoda me havia encarregado de matar A M. Gorki.
Vychinski – Acusado Maximov-Dikovski, o senhor confirma as acusações de Levine?
Maximov-Dikovski – Confirmo, porém não foi Levine que me envolveu, mas Enoukidze e Yagoda.
Vychinski – Acusado Pletnev, o senhor confirma as declarações de Levine relativas a sua participação neste crime?
Pletnev – Confirmo.
Vychinski – Sentem-se. Não tenha mais perguntas a fazer no momento.
Presidente – Acusado Levine, prossiga.
Levine – Eu solicito que me permitam fazer uma pequena digressão para dar algumas explicações puramente médicas, para que todos possam compreender melhor como foi que agimos.
Presidente – Por favor.
Levine – Para que alguém esteja sujeito a uma doença infecciosa qualquer – a difteria, por exemplo – não é absolutamente necessário que o bacilo da difteria esteja em sua boca, assim como para ser atacado por uma broncopneumonia não é preciso que um pneumococo, agente dessa doença, encontre-se em nossas vias respiratórias. As bactérias podem alojar-se em nosso organismo e, durante um certo tempo, não causar mal, elas não são virulentas. Mas chega o momento em que elas tornam-se virulentas. Para que chegue este momento é preciso criar, no organismo um estado tal que ele perca a resistência, a capacidade de defesa, torne-se um terreno propício a uma infecção qualquer. Para cair doente de uma pneumonia ou de outra doença aguda basta às vezes um simples resfriado. Estou firmemente convencido disso, ainda que haja médicos que considerem que um resfriado é coisa sem importância. Mas eu estou firmemente convencido de que, se abrirmos as janelas daqui dos dois lados, amanhã muita gente faltará. Para debilitar a resistência do organismo é preciso saber o que, naquele organismo é mais fraco, aquilo que, naquele organismo é o ponto de menor resistência, quais órgãos estão mais irritados e são mais sujeitos a falhas. Enfim, é preciso acreditar que o homem se intoxica apenas por venenos. É preciso saber que cada remédio, em sua composição, encerra um veneno, tudo depende da dose; qualquer remédio, o mais simples, em uma dose contra-indicada e em um momento contra-indicado, pode se tornar um veneno. Darei um exemplo prático. Todos sabem que, em casos de diabetes, o tratamento é à base de insulina; os pacientes aplicam, eles mesmos as injeções de insulina, duas vezes por dia; eles as carregam consigo, e injetam doses elevadas, entre 80 e 100 unidades. Ora, se os senhores injetarem uma pequena dose, de 5 a 10 unidades, em um sujeito para quem a insulina é contra-indicada, alguém que tenha uma taxa baixa de açúcar no sangue, ele pode morrer de um ataque, do que chamamos de choque hipoglicêmico. Partindo de tais considerações, nós analisamos nossas vítimas. Não desejando usar venenos violentos, agimos através de tratamentos contra-indicados.
Vychinski – “Nós” quem?
Levine – Eu, Pletnev, Vinogradov, Kazakov. Todos aqueles a quem eu já citei.
Vychinski – Este plano o senhor traçou sozinho ou com algumas das pessoas mencionadas?
Levine – Em relação a Gorki e Kouibychev, com o professor Pletnev. Com Menjinski, junto com Kazakov.
Vychinski (dirigindo-se à Corte) – Permitam-me fazer uma pergunta a Pletnev.
Acusado Pletnev, o senhor elaborou um plano deste tipo com Levine?
Pletnev – Sim.
Levine – Eu exporei os quatro casos. Quando se colocou a questão da morte de Pechkov, nós preparamos a debilitação de seu organismo pelo uso exagerado de bebidas alcoólicas. Em relação ao vinho é preciso dizer que há pessoas que suportam muito bem a bebida. Toda a Europa bebe vinho, e não é a todo o mundo que ele faz mal. Mas existem organismos para os quais o vinho, mesmo em pequenas quantidades, faz muito mal. O organismo de Pechkov era um destes. Com ele podíamos utilizar muito facilmente três sistemas: seu sistema cardiovascular, facilmente excitável, seus órgãos respiratórios, não tuberculosos, mas fracos, como os de seu pai e por fim o sistema nervoso vegetativo. Mesmo em pequena quantidade o vinho influenciava seu organismo e, apesar disso, ele bebia muito. Este era seu pecado. Krioutchkov lhe fazia companhia. Krioutchkov bebia relativamente bastante vinho, mas com a diferença de que a bebida fazia-lhe bem, ele a tolerava bem, enquanto que para Pechkov era o inverso. Foi assim que começou a preparação do enfraquecimento do organismo de Pechkov. Aumentamos a quantidade de bebida que ele consumia, o que era muito fácil e agradável para o paciente. Não o incomodava, mas debilitava bastante seu organismo. Em seguida, em um dia muito quente de abril – e a primavera estava extremamente quente em Moscou naquele ano – Max, cuja saúde era frágil, foi colocado para dormir, com muito calor, todo suado, sobre um banco, perto do rio, aconselhado por Krioutchkov, que tratava, ele também, de debilitar Pechkov. O vento soprava sobre ele, ele estava suado, ele ficou assim exposto, durante duas horas, sem camisa. Obviamente, ele tomou frio, caiu doente e, no dia seguinte, foi constatada uma broncopneumonia. Tal foi a primeira parte do crime, a preparação do doente. A preparação foi feita. O paciente estava muito fraco, seu coração se encontrava em muito mal estado, e nós sabemos que o sistema nervoso joga um papel muito grande no desenvolvimento das doenças infecciosas. Todo o seu organismo estava superexcitado. Tudo estava debilitado nele, e a doença adquiriu um caráter extremamente grave. Eu lhes disse que, durante minha primeira conversa com Yagoda, eu lhe havia declarado que não sabia se faria participar disso o professor Pletnev, e não fiz, pois a gravidade da doença era evidente. Convidei Pletnev para uma consulta, retornamos duas vezes e constatamos que o andamento da doença estava perigoso. A. I. Vinogradov, chamado como médico de plantão, foi igualmente convidado para a consulta. O que agravou o desenvolvimento da doença foi a supressão dos meios que poderiam ser de uma grande ajuda para o coração; ao contrário, administramos remédios que o atacavam. Finalmente, como já disse, dia 11 de maio, atacado por uma broncopneumonia, ele sucumbiu. Assim foi executado nosso primeiro crime. Passo ao segundo crime, a morte de Menjinski…
Yagoda (dirigindo-se à Corte) – Permitam-me fazer uma pergunta a Levine.
Presidente – Quando ele terminar suas declarações.
Yagoda – É relativa à morte de Máximo Gorki.
Presidente – Quando o acusado Levine tiver terminado o senhor poderá fazer sua pergunta.
Levine – Eu me encontrava muito raramente com Kazakov na casa de Menjinski. Normalmente ele chamava ora um, ora o outro. Naquela época ele admirava muito Kazakov. Como já disse, havia pausas no tratamento que oferecia Kazakov, momentos nos quais eu ia na casa dele, quase sempre em companhia de um dos médicos do serviço sanitário da GPU. Há dois sistemas de lisados, um chamado de simpaticotropo, que era certamente funesto ao funcionamento do coração de Menjinski, e um outro sistema, de lisados vagotropos, que acalmam o coração e que lhe eram úteis. Kazakov começou a administrar o sistema de lisados, e sua junção, sua mistura, que prejudicavam o coração de Menjinski. Sabíamos também que os lisados, combinados aos medicamentos cardíacos podiam levar à aceleração do processo, ou seja, ao agravamento do fator essencial do problema de saúde de Menjinski – a miocardite e a angina de peito – o que, por sua vez, deveria resultar em um novo acesso de angina de peito. E foi logo após um novo acesso de angina de peito que faleceu Menjinski.
Presidente – Continue, continue.
Levine – E agora o caso de Kouibychev… O ponto fraco de seu organismo era o coração e sobre este ponto nós dirigimos nosso golpe. Nós sabíamos que desde há muito tempo seu coração estava em mau estado. Ele sofria de uma lesão nos vasos do coração, de uma miocardite, tinha pequenos acessos de angina de peito. Nestes casos é preciso poupar o coração, evitar os excitantes cardíacos violentos, suscetíveis de aumentar bruscamente a atividade do coração, tratando de diminuí-la cada vez mais. Não seria difícil encontrar um veneno entre estes medicamentos. A própria digitalina, que é útil quando administrada em doses moderadas a pacientes cardíacos com outros diagnósticos. Preparados de glândulas de secreção interna podem também ser igualmente úteis, mas devem ser administrados observando-se certos intervalos. Pois bem, nós receitamos para Kouibychev, sem intervalo, um tratamento que excitava o coração, por um período bastante longo, que durou até sua partida em missão para a Ásia Central. De agosto até setembro-outubro de 1934 foram-lhe aplicadas regularmente injeções de hormônios e de outras substâncias excitantes da atividade cardíaca. Isto havia ativado e tornado mais freqüentes os acessos de angina de peito. Foi em tal estágio da doença que ele partiu para a Ásia Central. Ele contraiu uma afecção aguda imprevista: uma angina conjugada com um abscesso na garganta, de caráter grave, que demandava uma intervenção cirúrgica. Kouibychev retornou de sua missão sem ter se livrado da angina. A auscultação do coração mostrava seu estado ruim. Seria preciso deixá-lo de cama, proibir-lhe qualquer trabalho, o que eu não fiz. E logo ele foi para a sede do Conselho de Comissários do Povo e lá, em seu gabinete, teve um acesso de angina de peito. Seu secretário, Maximov, fez uma coisa que certamente acelerou o fim de Kouibychev. Com efeito, quando me via, Maximov perguntava qual era o estado de Kouibychev e o que podia ser-lhe benéfico ou prejudicial. Nós não falávamos o que sabíamos um do outro. Eu havia lhe dito que Kouibychev estava na iminência de um ataque de angina, durante o qual deveria permanecer deitado, sem fazer qualquer movimento, em repouso absoluto. Eu dizia tudo isso a Maximov sabendo que ele faria o contrário, posto que Yagoda o havia informado sobre a preparação do assassinato de Kouibychev. E o que foi feito? Não sei se Maximov ou outra pessoa que estava ao lado do paciente, mas deixaram-no, durante o acesso de angina, sair da sede do Conselho de Comissários do Povo, sozinho, para sua casa; ele saiu pela porta principal, passou pela arcada, ao lado do dispensário onde ficam os médicos, mas estes não foram chamados em seu auxílio. Ele subiu ao segundo andar. Por acaso a empregada estava em casa. Quando ela viu que seu estado era grave, ligou para Maximov. Só depois é que o médico de plantão foi chamado. Em seguida fui avisado por telefone, e quando cheguei Kouibychev já estava morto. E, finalmente, a última morte: a de Máximo Gorki. Naquela época ele era um homem muito doente. O estado de seus pulmões era grave, realmente perigoso depois do acesso de tuberculose que, como já disse, estavam-se repetindo amiúde. Por outro lado, as modificações sofridas pelos pulmões afetaram terrivelmente a atividade do coração, de maneira que seu estado era muito grave, tanto pelos pulmões quanto pelo coração. No inverno de 1935, como Gorki se encontrava na Criméia, tive um encontro com Krioutchkov, que ia frequentemente à Criméia e que, de maneira geral, tomava conta de tudo na casa de Gorki. Nos entendemos sobre quais medidas poderiam ser funestas para Gorki. Disse-lhe que Gorki gostava muito das caminhadas. Entretanto as grandes caminhadas eram-lhe nocivas, fatigavam-lhe muito. Ele dizia sofrer ficando o dia inteiro sentado, levando uma vida sedentária. Disse-lhe que ele deveria fazer caminhadas. Gorki também gostava de trabalhos manuais, gostava de cortar os galhos secos das árvores no parque, no jardim ou de arrumar as pedras. Tudo isso lhe foi permitido, em prejuízo de sua saúde. E ele ficava muito cansado. Depois de um dia inteiro no escritório ele ia caminhar e, durante uma hora e meia, durante sua caminhada, executava tais trabalhos extenuantes. Sua segunda paixão era o fogo. Gorki adorava o fogo, as chamas, o que foi aproveitado por nós. Faziam uma fogueira para ele. Depois de terem-lhe cansado no trabalho manual, recolhiam os galhos cortados e faziam o fogo. Gorki ficava em frente à fogueira, fazia calor, e tudo isso abalava sua saúde. Ajustamos também para que a chegada de Gorki a Moscou fosse em um momento em que ele pudesse contrair gripe. Ele era bastante suscetível à gripe, que geralmente se complicava com uma bronquite ou uma pneumonia. Sabendo de um surto de gripe na casa de Gorki (as crianças estavam gripadas), Yagoda avisou Krioutchkov na Criméia, que fez com que Gorki retornasse a Moscou. Com efeito, instalado neste apartamento pela gripe, Gorki a contraiu no segundo ou terceiro dia, e ela evoluiu rapidamente para uma broncopneunonia que teve, desde o começo, um caráter grave. Foi aí que decidimos, o professor Pletnev e eu, que nosso plano deveria começar a ser aplicado e que deveríamos utilizar, para tal fim, de remédios que pudessem prejudicar o paciente. Nós não lançamos mão de medicamentos especiais, que poderiam causar estranheza. Usamos apenas medicamentos dos quais um médico se serve em tais casos, mas em doses extremamente elevadas. Assim empregados eles têm o efeito contrário. Por outro lado o coração, motor sobre o qual exercíamos uma pressão contínua, falha, perde sua capacidade de trabalho e, finalmente, cede. Permitam-me dizer duas palavras sobre o que foi declarado ontem em relação aos medicamentos, quanto à carta do doutor Bielostotski, dizendo que foram feitas numerosas injeções e que foi utilizada, durante algum tempo, a estrofantina. Não sei, não há nada de novo aí. Não dissimulamos isso, nós a usamos em grande quantidade. A estrofantina é uma droga muito valiosa, tanto quanto a digitalina, mas que não me agrada muito, da qual tenho medo, à qual não recorro com freqüência; ela me foi recomendada durante uma consulta. Quando, como corretamente enfatizou o doutor Bielostotski, ele me perguntou se valia a pena continuar administrando-a, disse que não, visto que, de qualquer maneira, estávamos dando ao paciente digitalina. Portanto a carta não contém nenhum tipo de fato que tenhamos tentado dissimular. Ela se deve à vigilância de um médico soviético que quis declarar o que sabia e que apenas confirma o que acabei de dizer.
Presidente – O senhor terminou?
Levine – Terminei.
Presidente – A sessão está suspensa por meia-hora.
…
Oficial da Corte – A Corte! Todos de pé, por favor.
Presidente – Sentem-se, por favor. A audiência continua. Camarada Procurador, o senhor tem mais perguntas ao acusado Levine?
Vychinski – Sim. Mas acho que o acusado Yagoda desejava formular perguntas ao acusado Levine.
Presidente – Acusado Yagoda, o senhor pode fazer suas perguntas.
Yagoda – Peço a Levine que diga em que ano ele foi, ele Levine, por decisão da Comissão Médica do Kremlin, designado a mim, na qualidade de médico pessoal, e a que outras pessoas ele foi designado?
Presidente – Acusado Levine, o senhor lembra-se destes dados?
Levine – Não lembro o ano, mas posso dizer a quem fui designado: é uma longa lista de pessoas.
Presidente – Mas em qual época, aproximadamente?
Levine – Não lembro. Mas era, certamente, em torno do final de 1920.
Yagoda – A decisão da Comissão Médica do Kremlin estipulava que o senhor estava designado à minha pessoa na qualidade de médico pessoal?
Levine – Não é a Comissão Médica do Kremlin que designa, mas a Direção Sanitária; todavia a Direção Sanitária do Kremlin não adota decisões escritas sobre o assunto. As coisas se passaram assim: fui chamado ao gabinete do chefe da Direção Sanitária e me disseram: “Encarregue-se de cuidar de tais e tais militantes responsáveis”. Nos primeiros tempos eu tinha uma lista de 24 pessoas. Quando muitos pacientes já tinham saído de minha lista fui novamente chamado ao gabinete e me disseram: “Atualmente o senhor tem tal número de lugares vagos, encarregue-se de cuidar de outros Comissários do Povo”. Assim, jamais houve uma decisão que permitisse assinalar em que momento fui designado a tal ou tal paciente; minha designação a um paciente nunca era registrada em uma decisão formal. Havia listas na Direção Sanitária do Kremlin onde estava dito que Levine tratava tais pacientes e Bourmine tais outros.
Yagoda – Não tenho mais perguntas.
Vychinski – O histórico da doença de Pechkov era registrado?
Levine – Nós não tínhamos o histórico de sua doença.
Vychinski – Era registrado?
Levine – Não, com certeza. Tínhamos um sistema de registros médicos, de arquivos, e é nestes arquivos que são conservados todos os prontuários médicos.
Vychinski – E, realizando tratamento em Pechkov, o senhor não registrou nada em seu histórico?
Levine – Não, nada.
Vychinski – Por que?
Levine – Porque nós tínhamos um prontuário de Máximo Gorki; na ficha eram inscritos os membros de sua família, mas falando propriamente, era Gorki quem estava sob os cuidados da Direção Sanitária do Kremlin.
Vychinski – Mas então o senhor tratava de Pechkov sem registrar o histórico de sua doença?
Levine – Sim.
Vychinski – O senhor trata Gorki, que é registrado na Direção Sanitária. Há um filho, Pechkov, igualmente registrado, mas o senhor não tem um histórico de sua doença?
Levine – Não.
Vychinski – E por que? O senhor explica isso dizendo que não havia uma ficha de registro dele?
Levine – Não, é muito simples: a Direção Sanitária considerava que era o titular principal da ficha que estava aos seus cuidados e devia ser o objeto de toda a atenção. Quanto aos outros, são o que chamamos membros da família.
Vychinski – Por conseguinte, o histórico da doença não deve ser feito para os membros da família?
Levine – Não.
Vychinski – Os senhores normalmente registravam o histórico médico para os membros da família?
Levine – Não, não o fazíamos.
Vychinski – Todos aqueles que estavam sob os cuidados dos senhores têm um histórico médico?
Levine – Não. Os titulares principais da ficha têm o que chamamos de “caderneta sanitária”, conservada no serviço de registro médico.
Os membros da família nem mesmo têm o direito de utilizarem a Policlínica chamada de Central.
Vychinski – Para que serve o histórico médico? Qual é seu objetivo?
Levine – Veja só, quando um paciente é internado, ele é cercado por diversas pessoas…
Vychinski – Perguntei-lhe para que serve um histórico médico, qual é seu objetivo?
Levine – É para guardar um registro.
Vychinski – Pergunto-lhe se, no caso de Pechkov, tal registro foi conservado?
Levine – Não.
Vychinski – Precise a dosagem dos medicamentos que foram empregados para Máximo Gorki.
Levine – Para Gorki a estratégia adotada foi a seguinte: servir-se de medicamentos que eram indicados, de maneira geral, contra os quais não pudessem ser levantadas dúvidas ou suspeitas e que pudessem ser utilizados para intensificar a atividade cardíaca. Entre eles está a cânfora, a cafeína, o cardiazol, a digitalina. São remédios possíveis de utilização em doenças do coração. Mas, para Gorki, foram aplicadas doses enormes. Por exemplo, foram-lhe injetadas até 40 ampolas de cânfora.
Vychinski – Em que intervalo de tempo?
Levine – De trinta a quarenta injeções em 24 horas. Para ele, esta dose era excessiva.
Vychinski – Perguntaremos aos especialistas.
Levine – Perfeitamente. Um cirurgião injeta, de uma só vez, seis ampolas. Nós lhe injetávamos de 30 a 40. Por elas mesmas, as injeções não seriam nocivas.
Vychinski – 30 a 40 ampolas de cânfora, primeiro, e depois…?
Levine – Mais duas injeções de digitalina.
Vychinski – Somam 42. O que mais?
Levine – Mais quatro injeções de cafeína.
Vychinski – São 46. O que mais?
Levine – Mais duas injeções de estricnina.
Vychinski – Chegamos a 48.
Levine – 48. Além de mim estavam consultando ainda um professor conhecido de Leningrado, Lang, e um fisiologista eminente, o professor Speranski. Quero dizer que é possível valer-se de um número grande como esse de injeções, mas que isso não deveria ter sido feito para Gorki, não para ele. Eu me permito emitir uma pequena observação de ordem médica. Para outros poderia não ser terrível, mas para ele era…
Vychinski – Terrível?
Levine – Evidentemente. Para Gorki, depois de tudo o que ele passou, no estado em que se encontravam seu coração e seus pulmões, o emprego de tais doses era nocivo.
Vychinski – O senhor sabia que era nocivo?
Levine – Sem dúvida.
Vychinski – De que doença sofria Pechkov?
Levine – Broncopneumonia.
Vychinski – Utiliza-se o soro antipneumocócito nestes casos?
Levine – Utiliza-se.
Vychinski – O senhor utilizou?
Levine – Não.
Vychinski – Por que?
Levine – Com objetivos criminais.
Vychinski – Conscientemente o senhor absteve-se de empregar os meios que, normalmente, deveriam ser empregados?
Levine – Exato.
Vychinski – Com fins criminais? E entendi direito?
Levine – O senhor compreendeu exatamente.
Vychinski – E agora me permita perguntar de que meios e em quais doses o senhor valeu para tratar Máximo Gorki.
Levine – De 30 a 40 ampolas de cânfora por dia, duas ampolas de estricnina, duas de digitalina, quatro ampolas de cafeína. Esta era a norma que havíamos estabelecido, o professor Pletnev e eu, para cada dia, desde o primeiro dia da doença; é claro que estas doses foram aumentadas gradualmente, à medida que aumentava a debilidade do paciente, o que pareceu natural a todos, visto que o coração dele reclamava ajuda. Mas seu coração, seus pulmões estavam de um jeito tal que a dose era muito alta. E, por outro lado, eram-lhe injetados vários outros medicamentos que, todavia, eram úteis. Por exemplo, eram-lhe ministradas a urotropina, comumente utilizada para tais doenças, a glicose, excelente remédio, salutar ao coração. Isso era feito pelo doutor Bielostotski, que lhes enviou aquela carta, e a quem eu mesmo nunca chamei.
Vychinski – Em relação ao depoimento do doutor Bielostotski, pedirei à Corte para proceder seu interrogatório, quando ele poderá fazer aqui suas declarações.
Passo à questão seguinte. Gostaria que o senhor precisasse de quais medicamentos cardíacos o senhor se serviu para tratar Menjinski durante o último período de sua doença?
Levine – Repito, uma vez mais, tudo surgia da observação prévia que eu realizava. Se eu listar os medicamentos, os senhores não acharão nada de extraordinário. Eram a digitalina, a adonis vernalis, a estrofantina, todos eles tônicos cardíacos, excitantes. E Kazakov, com seus lisados, agia simultaneamente na mesma direção. Um estimulava o outro. Combinados, os remédios se intensificavam de uma maneira excessiva para o coração de Menjinski.
Vychinski – Mas a dosagem, particularmente, também influenciava?
Levine – Aqui as doses eram normais.
Vychinski – A chave do enigma não residia nas doses? Aonde, então, residia?
Levine – Na quantidade e naquilo pelo qual eu comecei: os métodos de tratamento eram contra-indicados (o que é bom para um é nocivo para outro).
Vychinski – Ou seja, serviram-se de meios legais, mas sua combinação, quantidade e indicação ao paciente em questão não correspondiam ao seu estado de saúde, ao seu organismo?
Levine – Sim. Menjinski tinha uma lesão enorme: o músculo do coração não era mais do que uma cicatriz.
Vychinski – E sob tais condições?
Levine – Não devem ser administradas substâncias tão fortes.
Vychinski – Mas o senhor administrou?
Levine – Sim.
Vychinski – Também com objetivos criminosos?
Levine – Evidentemente.
Vychinski – Permita-me solicitar-lhe uma exposição análoga sobre Kouibychev.
Levine – Hipertonia, pressão sangüínea elevada e sinais de estenocardia, isto é, uma pequena manifestação de angina de peito em seu começo. É preciso considerar aqui que os vasos coronários sofriam um processo de esclerose. O músculo cardíaco não podia mais se alimentar como ele fazia normalmente. O músculo cardíaco exige um afluxo constante de sangue, da mesma maneira que o músculo do braço, quando alguém trabalha, exige um afluxo extra de oxigênio. Se o fluxo não aumenta, pode ocorrer uma embolia, uma trombose, e foi o que ocorreu. A autópsia constatou uma embolia na artéria coronária. Foi o resultado de um acesso de angina de peito. A embolia tinha acelerado o acesso. Sem dúvida, pelo estado de saúde do paciente, ele teria acontecido posteriormente, mas ele foi precipitado.
Vychinski – Devido a…
Levine – Ações criminosas.
Vychinski – Devido ao dito “tratamento”?
Levine – Devido a ações criminosas.
Vychinski – Não tenho mais perguntas.
Defensor Braude (dirigindo-se à corte) – Permitem que eu faça algumas perguntas?
(dirigindo-se a Levine) – O senhor poderia nos dar algumas informações sobre sua biografia?
Levine – Serei breve. Nasci em 1870, em uma família pobre de pequenos burgueses. Com 14 anos, no liceu, já precisava ganhar dinheiro, como monitor, para poder continuar minha educação e ajudar minha família. Fiz meus estudos na faculdade de ciências naturais, em Odessa, e depois na faculdade de medicina em Moscou. Desde 1896, trabalho como médico, ou seja, há 42 anos. Antes da Revolução, sempre trabalhei em hospitais. Trabalhei no Hospital Operário de Moscou e, ao mesmo tempo, como médico de fábrica. Desde o começo da Revolução coloquei-me à disposição do Comissariado do Povo para a Saúde Pública. Obtive um emprego em um Hospital do Comissariado destinado à seleção de pacientes para as estações balneárias. A seguir fui mobilizado no Exército Vermelho, onde trabalhei nas tropas do serviço da segurança interna da República. Ao mesmo tempo, trabalhava na Comissão Médica Superior. Depois, em 1920, por decisão do Comissário do Povo para a Saúde Pública, fui designado para o Hospital do Kremlin, e a partir daí trabalhei, sem interrupção e sem intervalo – ou seja, sem outras tarefas – na Direção Sanitária do Kremlin. Trabalhei como médico titular e na qualidade de consultor do Serviço Sanitário do Comissariado do Povo para Negócios do Interior. Este é, por assim dizer, minha folha de serviços. Durante todo este tempo trabalhei sem que houvesse nenhuma mácula, nenhum registro judicial e foi aos 68 anos que, graças às faltas de Yagoda, fui levado ao banco dos réus.
Braude – Encarregando-lhe da morte de Pechkov, Yagoda fez alguma menção no sentido de que não era uma diretiva emanada apenas dele?
Levine – Ele disse que se tratava de um grupo de homens altamente posicionados politicamente, dentre os quais ele mencionou Rykov, Bukharin e também Enoukidze, que eu conhecia pessoalmente.
Braude – Ele não o colocou em contato com um dos membros da organização? Não o enviou a Enoukidze?
Levine – Sim, ele fez exatamente isso.
Braude – Por favor, conte-nos o que Yagoda disse sobre Enoukidze, e sobre o que o senhor conversou com Enoukidze.
Levine – Foi durante um encontro que aconteceu em 1934, no qual ele me falou de Kouibychev e de Gorki. Ele pediu que eu encontrasse Enoukidze, que sabia que eu estava encarregado da missão, e que desejava me falar. Enoukidze, ele também, era meu paciente, que eu tratava de forma permanente. Eu o encontrei no dia seguinte, no Kremlin. Ele também me perguntou de quem mais eu poderia me encarregar, e ficou muito decepcionado de me ouvir falar somente de Kouibychev. Ele disse: “Bem, comece por aí.”. Pediu-me para refletir sobre a escolha de um cúmplice, e eu respondi que refletiria e que diria a Yagoda.
Braude – Diga-me, por intermédio de quem mais Yagoda o influenciou? Quem era seu chefe direto no trabalho como médico?
Levine – Nos primeiros tempos era Khodorovski.
Braude – O senhor foi encaminhado a ele?
Levine – Ele primeiro me mandou a Metalikov. Saí em férias e, quando retornei (no outono de 1934) encontrei uma mudança na direção, não era mais Metalikov, mas Khodorovski o chefe da Direção Sanitária do Kremlin. Disse a Yagoda que Khodorovski era um recém chegado, que não o conhecia, mas ele me respondeu que Khodorovski estava a par, que fosse falar-lhe. Khodorovski tinha uma fala curta, seca. Ele não gostava de mim e, de minha parte, eu estava longe de o adorar. Entretanto, fui encontrá-lo, mas não ousei entabular de pronto uma conversa sobre o assunto, aproveitando a ocasião para falar da saúde de Enoukidze. Ele me escutou e perguntou: “O senhor não tem nada mais para me falar?”. Disse-lhe que ele me havia comunicado também outra coisa. Khodorovski respondeu: “Sei sobre o que os senhores conversaram. Não é preciso falar sobre isso. Aja, e se precisar de minha ajuda, venha me procurar, mas não o faça com freqüência, apenas em casos extremos.” Assim terminou nosso único e breve encontro.
Braude – E o senhor entendeu, pela conversa, que seu chefe direto…
Levine – Não se opunha…
Braude – Que ele aprovava seus atos criminosos e celerados?
Levine – Sim.
Braude – Diga-me, por favor, em que data, concretamente, começaram as conversações, conte-nos o momento onde o senhor foi engajado no caminho destes crimes?
Levine – Posso dizer-lhe exatamente. Foi no inverno de 1933.
Braude – Poderia o senhor resumir, concretamente, as razões interiores que o conduziram, o senhor, um velho médico com quarenta anos de serviço, a aceitar as proposições criminosas de Yagoda?
Levine – Já tentei falar de meu estado psicológico, mas…
Presidente – A defesa formulou-lhe uma pergunta, queira responder.
Levine – Foi uma espécie de ato de loucura de minha parte, um ato de idiotismo. De repente, sem nenhuma razão, matar Pechkov. Eu amava muito esta família, era um amigo da família. Amava muito Gorki, considerava-o um dos maiores homens de nosso país e do mundo inteiro. Como pude chegar lá e por que pode Yagoda afirmar aqui que eu resolvi matar sem indicações formais de sua parte? Já disse porque aceitei fazê-lo. Não o invoco como uma desculpa, mas como uma explicação. Sou um homem distante da política, um sem partido. Sem razão, talvez, mas eu estava cego pela autoridade do representante da GPU; ele me parecia um homem todo-poderoso, nas mãos de quem se concentrava um poder imenso, e a partir do momento em que este homem dizia que algo devia ser feito, eu aceitava. Psicologicamente, explico isso tudo por uma espécie de covardia, não era pela minha vida que eu temia, digo com toda a sinceridade. O que me apavorava sobremaneira era que ele ameaçava minha família. Mas minha família é uma boa família de trabalhadores soviéticos.
Braude – Diga-nos, por favor se houve diferença, do ponto de vista dos métodos empregados por Yagoda, entre o momento em que ele o convenceu a matar Pechkov e mais tarde, quando lhe falou do crimes seguintes?
Levine – Claro, a diferença era grande. No começo ele tinha me dito que eu participaria de uma ação necessária. Ele falava que tal crime era como um ato necessário para salvar Gorki de não sei quais inimigos. Depois, quando fui encontrá-lo, ele me falou à queima-roupa: o senhor está nas minhas mãos.
Braude – Ele lhe disse quais organizações dirigiam a empreitada?
Levine – Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo durante o processo.
Braude – Ele disse que existia um certo grupo que queria derrubar o poder soviético?
Levine – Ele dizia que era um grupo muito numeroso e influente.
Braude – E a partir de então o senhor teve o sentimento de estar ligado ao grupo, sabendo que era um grupo contra-revolucionário, e que sua sorte dependia da sorte deste grupo?
Levine – Tinha o sentimento de que se Yagoda caísse, eu cairia junto.
Braude – Não tenho mais perguntas.
Defensor Kommodov – Permitem-me fazer uma pergunta?
Presidente – Por favor.
Kommodov – Diga-me, senhor Levine, em que época deu-se sua conversa com Kazakov sobre a morte de Menjinski?
Levine – Foi no final de 1933.
Kommodov – Foi anterior à conversa de Kazakov com Yagoda?
Levine – Sem dúvida.
Kommodov – Foi antes ou depois da conversa com Kazakov que o senhor começou a servir-se de métodos criminosos no tratamento de Menjinski?
Levine – Depois.
Kommodov – Foi através de Yagoda que o senhor foi informado sobre o caso de Menjinski?
Levine – Eu sabia que Menjinski era tratado, de forma permanente, por Kazakov, e que ele detinha sua confiança. Lembro-me que quando Menjinski passou algum tempo em Sotchi, em 1932, quando ele passou mal, chamou Kazakov a Sotchi. Lembro-me também que, partindo para Kislovodski, em 1933, eu acho, Menjinski tinha expressado o desejo que Kazakov fosse junto. Ele era muito ligado a Kazakov e eu não poderia ter agido sem ele.
Kommodov – Mas foi depois da conversa de Kazakov com Yagoda, depois que Yagoda falou com ele que, na prática, o senhor começou o tratamento criminoso?
Levine – Depois do encontro de Kazakov com Yagoda. Depois dele nós estabelecemos, Kazakov e eu, nosso plano criminal, do qual já falei, o plano do tratamento do coração com lisados.
Kommodov – O senhor contou a Pletnev sobre os projetos de Yagoda, suas diretivas, sobre a conversa que Pletnev deveria ter com Yagoda?
Levine – Foi logo depois da morte de Pechkov. Disse-lhe que Yagoda o convocaria para um algo muito difícil, e que ele mesmo diria do que se tratava.
Kommodov – Antes da convocação de Pletnev por Yagoda o senhor realizou, em consulta com Pletnev, atos criminosos no tratamento de alguém?
Levine – Não. Foi apenas após o encontro do professor Pletnev com Yagoda. Nos reencontramos e ele me confirmou que, assim como eu, considerava inevitável a aceitação da diretiva de Yagoda, e deliberamos sobre os atos criminosos que iríamos realizar contra Kouibychev e Gorki. Foi então, precisamente, que decidimos começar por Kouibychev; foi o que fizemos em 1934; ele morreu no começo de 1935.
Kommodov – O senhor disse a Yagoda que ele mesmo deveria convocar Pletnev?
Levine – Eu havia dito a ele que Pletnev poderia ser escolhido como cúmplice. Ele falou: “O senhor advertirá Pletnev que eu o chamarei.” E creio que Yagoda o chamou com a desculpa de uma consulta médica. Não tenho certeza, Pletnev lhe dirá ele mesmo, mas creio que Yagoda o chamou sob o pretexto de consultá-lo sobre o estado de seu coração.
Kommodov – Assim, Yagoda disse-lhe que convocaria Pletnev sob o pretexto de pedir-lhe uma consulta?
Levine – Ele não me disse, mas creio recordar-me de que Pletnev disse. Talvez Pletnev desminta.
Kommodov – E ao senhor, foi Yagoda mesmo quem disse?
Levine – Sim, ele disse que ele mesmo convocaria Pletnev e que falaria com ele.
Bukharin – Gostaria de fazer uma pergunta ao doutor Levine.
Ele não participou, no dia seguinte à Revolução de Outubro e mais tarde, das sabotagens contra o proletariado insurgente?
Levine – Não apenas eu não poderia ser um dirigente como nem mesmo um participante das sabotagens, pois naquela época eu não trabalhava em nenhum hospital. Em que consiste a sabotagem? Em não fazer seu trabalho.
Bukharin – Eu sei. O doutor Levine nunca foi menchevique, ou simpatizou abertamente com os mencheviques?
Levine – Se o senhor me perguntasse agora o que é um menchevique, eu me cobriria de vergonha nesta sala, e é melhor não me perguntar.
Vychinski – Eu o questionei sobre a organização das mortes das quais o senhor falou aqui. Se eu o entendi bem, Yagoda expôs também os motivos políticos em nome dos quais agiam?
Levine – Expôs. Já falei deles. Ele dizia que o descontentamento contra a direção do Partido crescia no seio do Partido.
Vychinski – Foi Yagoda quem disse isso?
Levine – Sim. Que o descontentamento espalhava-se pelo país, que não havia quase nenhuma grande administração onde não houvesse gente descontente com a direção e desejando que ela fosse destituída e substituída por outros homens. Ele me disse, sobre isso, que outros homens deviam subir ao poder…
Vychinski – Por quais meios? Com a ajuda de quem?
Levine – Depois de terminar o preâmbulo histórico ele falou: Para facilitar as coisas nós devemos afastar da arena política alguns membros do Birô Político e Máximo Gorki. Na segunda conversa ele me explicou o porquê de Máximo Gorki: é que Gorki era partidário, um firme partidário da orientação ditada pela direção do Partido e, em particular, um grande admirador e também firme defensor de toda a política de Stálin; ele era também seu amigo pessoal, não o trairia nunca, em nenhuma circunstância, ele sempre se colocaria no nosso caminho, sempre nos prejudicaria. Era preciso eliminá-lo.
Vychinski – Acusado Levine, as mortes de homens políticos de nosso Estado, tramadas por Yagoda, tinham um caráter político contra-revolucionário manifesto, abertamente expresso diante do senhor?
Levine – Sim, tudo era muito claro.
Vychinski – E o senhor não considerava tal empreitada apenas como técnico, mas também como homem político?
Levine – Não sei como os senhores o consideram, mas eu nunca fui um homem político.
Vychinski – O senhor diz que nunca se ocupou de política.
Levine – Nunca.
Vychinski – Mas o senhor agiu como um inimigo político.
Levine – Agi como um instrumento nas mãos de um inimigo político.
Vychinski – E então?
Levine – Como um inimigo político.
Vychinski – O senhor envolveu-se, então, não apenas com estas mortes, mas com toda uma cadeia de crimes…
Levine – Eu servia involuntariamente aos conspiradores.
Vychinski – O senhor compreende que se tratava de uma luta contra o poder dos Sovietes?
Levine – O que compreendi aqui, durante o processo, eu não compreendia naquele momento.
Vychinski – O senhor viu durante o processo um quadro horrorizante…
Levine – Sim, até então eu não compreendia nada, não sabia disso tudo.
Vychinski – Mas o que o senhor sabia na época era igualmente de um horror chocante.
Levine – Sim, compreendo.
Vychinski – O senhor compreendia que se tratava da luta contra o poder soviético?
Levine – Compreendia.
Vychinski – E, envolvido pelas hábeis manobras de Yagoda, o senhor colocou-se ao lado dos inimigos do poder soviético? E na luta contra o poder soviético, luta à qual o senhor aderiu, o senhor igualmente assumiu seu papel?
Levine – Infelizmente sim. Mas eu só queria…
Vychinski – E esta foi uma atividade política?
Levine – Sim.
Vychinski – Ainda que ela tenha um caráter de banditismo, não é mesmo?
Levine – Sim. Mas eu só queria destacar que alguém pode aderir por simpatia, como participante, como ativista. Apenas quero sublinhar uma coisa, não para me desculpar, eu disse a verdade desde o primeiro dia da minha detenção, eu entrei nisso devido a um fatídico concurso de circunstâncias e não porque eu simpatizasse com a chegada ao poder…
Vychinski – Mas se o senhor fosse um homem honesto, um honesto cidadão soviético, o senhor deveria ter procurado alguém, falado com alguém sobre as ameaças, etc.?
Levine – Ele me dizia: Tenha certeza de que eu vigio cada um dos seus gestos – antes mesmo que o senhor tente dizer alguma coisa, cairá nas minhas mãos.
Vychinski – E agora o senhor diz…
Levine – Sim.
Vychinski – Se o senhor se considerasse como um honesto cidadão de sua pátria…
Levine – Eu me considerava como tal.
Vychinski – Como um médico soviético…
Levine – Eu me considerava como tal.
Vychinski – Após de ter sabido deste terrível complô, que deveria o senhor ter feito?
Levine – Deveria tê-lo denunciado.
Vychinski – Depois de ter sido convidado a ser cúmplice e, mais ainda, organizador da morte de homens soviéticos eminentes e do gênio da cultura russa, Gorki, o que o senhor deveria ter feito se o senhor tivesse realmente amado Gorki e sua pátria?
Levine – Recusado-me a participar e denunciado tudo.
Vychinski – E por que não o fez?
Levine – Por covardia.
Vychinski – O senhor pensava, então que “não havia fera mais forte que o gato”?
Levine – Sim.
Vychinski – Que Yagoda era o gato mais terrível e mais forte?
Levine – Isso mesmo.
Vychinski – E o que o senhor acha hoje.
Levine – Hoje é mais claro.
Vychinski – Quero agora lhe pedir que responda com toda a sinceridade: o senhor pensa realmente que não havia nenhum recurso contra Yagoda?
Levine – Agora compreendo tudo ampla e claramente, quando lanço um olhar retrospectivo, me pergunto: “Meu Deus, por que não fiz isso, por que não agi assim?”
Vychinski – Quanto tempo durou sua participação nestas atividades criminosas?
Levine – Três anos.
Vychinski – Três anos! O senhor teve mil vezes a oportunidade de agir como um homem honesto.
Levine – Mas não as aproveitei.
Vychinski – E o senhor não as aproveitou porque, como o senhor disse, sentia medo?
Levine – Sim.
Vychinski – O senhor é assim tão covarde?
Levine – Sim, covarde.
Defensor Kommodov – Permitam-me dirigir uma pergunta ao acusado Levine.
Presidente – À vontade.
Kommodov – Em relação à pergunta que lhe fez o acusado Bukharin, diga-nos, por favor, o que o senhor fazia no momento em que estourou a Revolução de Outubro.
Levine – Na época existiam ainda em Moscou vários hospitais chamados de hospitais para as vítimas da guerra. Eu dirigia alguns destes hospitais.
Kommodov – E o senhor continuou trabalhando o tempo todo?
Levine – Sim.
Kommodov – O senhor não interrompeu seu trabalho nem um só dia?
Levine – Nenhum. Mais tarde, quando os hospitais foram fechados, obtive um emprego no Comissariado do Povo para a Saúde Pública. Quando meu trabalho no hospital terminou, fui ao Comissariado e pedi um emprego: algum tempo depois fui nomeado para o Hospital das Estações Balneárias.
Kommodov – De forma que as suspeitas de sabotagem de sua parte não se confirmam?
Levine – Não, em absoluto. Um residente dos hospitais teria podido fazer uma sabotagem, mas eu não era residente.
Kommodov – O senhor, alguma vez, participou de algum partido?
Levine – Não.
Kommodov – Talvez membro de algum partido nacional? Judeu, por exemplo?
Levine – Nenhum partido, membro do partido dos médicos, apenas.
Kommodov – Mas este nós não conhecemos.
Presidente – Os especialistas têm alguma pergunta a fazer ao acusado Levine?
Cherechevski e Vinogradov – Os especialistas não têm nenhuma pergunta, tudo está claro.
Presidente – A sessão está suspensa até as 18 horas.
O Presidente (assinado) V. V. Ulrich Presidente do Colégio Militar da Corte Suprema da URSS Jurista Militar do Exército
O Escrivão (assinado) A. A. Batner Jurista Militar de 1° Grau