Democratas apostam todas as fichas na guerra contra a Rússia e na submissão da Europa antes de partir para a guerra total contra a China. Já os republicanos vêm dando mostras de que estão ansiosos para iniciar um confronto direto com o gigante asiático
O atentado a Trump na Pensilvânia no sábado (13) parece ter sido apenas a ponta do iceberg do que está se movimentando no chamado “Estado Profundo” americano.
O comportamento do serviço secreto antes e durante o tiroteio, um atirador visto por muita gente e mesmo assim ainda poder atirar na orelha do candidato, a falta de varredura, etc, tudo isso está sendo investigado e poderá trazer alguma luz ao que realmente ocorreu no comício de Trump.
HEGEMONIA AMEAÇADA
O fato é que, neste momento, as decisões políticas pretendidas pelas duas candidaturas movimentam centenas de bilhões de dólares. Elas envolvem guerras e simplesmente a disputa de hegemonia mundial, ameaçada por um quadro de completa decadência da economia americana.
O complexo industrial/financeiro/militar dos Estados Unidos está neste momento empenhado em escalar conflitos e aumentar o seu faturamento bilionário. É praticamente o único setor, junto com a banca, que vai bem no país. A diferença de estratégias entre os dois candidatos que disputam a presidência dos EUA está em quem eles projetam como “inimigo principal” dos Estados Unidos.
Democratas apostam todas as fichas na guerra contra a Rússia e na submissão da Europa antes de partir para a guerra total contra a China. Já os republicanos vêm dando mostras de que estão ansiosos para iniciar um confronto direto com o gigante asiático. Não é por outro motivo que Trump tem afirmado que, se for eleito, o país vai trabalhar pelo fim da guerra na Ucrânia. Seu candidato a vice, o senador J.D. Vance também diz isso publicamente. Tudo parece ser uma dúvida entre ganhos financeiros certos, na Ucrânia, ou ganhos duvidosos, na Ásia.
Há, no entanto, sinais de que o “dinheiro organizado”, forma como o saudoso ex-presidente F. D. Roosevelt se referia ao capital financeiro – numa alusão comparativa ao crime organizado -, parece não excluir mais, com a mesma ênfase de antes, as ideias fascistas de Donald Trump, bem como a sua fixação doentia em “destruir” a todo custo o poder do Partido Comunista Chinês e barrar o espetacular avanço tecnológico, econômico e social do país de Xi Jinping. A aliança estratégica, então, entre a China e a Rússia está apavorando o capital financeiro.
GUERRA CONTRA A CHINA
Um artigo assinado por Matt Pottinger e Mike Gallagher, intitulado “Sem substituto para a vitória”, publicado na edição de maio/junho na revista Foreign Affairs, porta-voz dos interesses hegemônicos dos Estado Unidos, defende claramente a estratégia de Trump de priorizar a guerra contra a China na batalha pela recuperação da posição perdida pelo país no cenário internacional.
Os autores até elogiam as medidas tomadas recentemente pelo governo de Joe Biden contra os produtos e a tecnologia chinesa, mas consideram essas medidas insuficientes. Editorial da última revista Monthly Review (Julho/Agosto) destaca que Pottinger e Gallagher apoiam fortemente a posição do governo Joe Biden em relação à China, mas argumentam que ainda não é suficiente, porque ele não declarou oficialmente uma “Nova Guerra Fria” com a China.
Pottinger foi ex-vice-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA na Casa Branca de Trump entre 2019 e 2021. Gallagher foi deputado de Wisconsin entre 2017 e 2024 e ex-presidente do Comitê Seleto da Câmara sobre o Partido Comunista Chinês. Ele agora está trabalhando para a corporação Palantir Technologies, uma multinacional de vigilância e mineração de dados dos EUA apoiada pela CIA com fortes conexões com o “Estado profundo” e Israel.
O fato da Foreign Affairs publicar o artigo desses dois autores aponta para a menor resistência da “elite” dirigente dos Estados Unidos a um possível futuro governo Donald Trump. Significa também que os articulistas ganharam, em certa medida, o apoio bipartidário da ordem estratégica dos Estados Unidos.
Pottinger e Gallagher argumentam que “é absolutamente essencial que a oposição à China e, em particular, ao Partido Comunista da China seja apresentada como o que é: uma Nova Guerra Fria, a ser ganha ou perdida”.
ESTADO FINAL
“O esgarçamento dos formuladores de políticas dos EUA sobre o termo ‘guerra fria'”, dizem os autores, “faz com que eles ignorem a maneira como ele pode mobilizar a sociedade. Uma guerra fria oferece uma estrutura relacionável que os americanos podem usar para orientar suas próprias decisões, permitindo assim que o governo dos EUA (…) possa recrutar a próxima geração de guerreiros frios… [no] contexto com a China”, argumentam.
O dois autores defendem também que os preparativos de guerra dos EUA contra a China, “devem ser muito expandidos, aumentando a presença militar dos EUA no Indo-Pacífico, e Washington deve armar todas as suas relações políticas e econômicas na super-região estratégica”, numa referência ao Indo-pacífico.
Pottinger e Gallagher argumentam ainda que nas Relações Exteriores, Washington deve ser claro sobre o “estado final” que está almejando na Nova Guerra Fria com a China, que nada mais é do que o fim do governo de Xi e a destruição do Partido Comunista da China, replicando os objetivos do período Gorbachev na União Soviética.
“Em vez de se moldar a Gorbachev, como esperavam as potências ocidentais, Xi, modelou-se com base em “Josef Stalin”, reclamaram os autores prestigiados pela Foreign Affairs.
Como parte da Nova Guerra Fria contra a China, o governo Biden já vinha dando passos na direção da política de seu adversário. O governo atual não apenas manteve as tarifas de Trump que politizaram as relações comerciais, mas em maio de 2024 as elevou ao que a revista Economist chamou de níveis “ultra-altos”.
FOREING AFFAIRS
A tarifa sobre veículos elétricos chineses quadruplicou de 25% para 100%, enquanto a tarifa sobre células solares aumentou de 25% para 50%, baterias de íons de lítio de 7,5% para 25% e seringas e agulhas de 0% para 50%. Longe do livre comércio, trata-se de guerra comercial.
“O ‘estado fim’ a ser promovido é o mesmo que o presidente Ronald Reagan avançou em relação à URSS: acabar com o ‘mal no mundo moderno’ através da destruição externa e interna do Partido Comunista da China em um fim final para a Revolução Chinesa, agora com setenta e cinco anos”, prossegue o editorial do Monthly Review.
Essas discussões reforçam a avaliação do jornalista Chris Hedges que, em artigo publicado no domingo (14), afirmou que a sociedade americana está sem alternativa nessa quadra histórica. “O assassinato de Trump não removeria o anseio de dezenas de milhões de pessoas exploradas pelos grandes monopólios”, afirmou.
“Expomos o absurdo de culpar nossa decadência a grupos demonizados como trabalhadores sem documentos, muçulmanos, afro-americanos, latinos, liberais, feministas, gays e outros”, disse Hedges. “Damos às pessoas uma alternativa que é um falido Partido Democrata – cujo candidato presidencial está em claro declínio cognitivo – que é um parceiro pleno na opressão corporativa e não pode ser reabilitado”, completou Chris Hedges. A decadência americana parece não ter fim.
SÉRGIO CRUZ
Excelente artigo, seja pelo nível de informação e elucidação, seja pela imparcialidade, além da clareza e didatismo. Obrigado.
adorei o artigo. Queria compartilhar no facebook mas não consegui.