Atual dirigente do BC aponta prioridade na inflação. Economistas mostram que juros altos não resolvem inflação de custos
A fala do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, nesta quinta-feira (2) sobre inflação, durante um evento em Madri, é uma boa oportunidade para o início dos debates no novo governo em relação a este problema. Ele disse que trabalhará com o novo governo da melhor maneira possível e que sua prioridade é a inflação. Há um consenso generalizado de que o atual surto inflacionário do Brasil não é provocado por excesso de demanda.
INFLAÇÃO DE CUSTOS
Apesar de todo esse consenso, o Banco Central brasileiro aplicou um aumento da taxa Selic por 12 vezes seguidas desde janeiro de 2021. A medida ineficaz, já que o surto inflacionário não tem relação com demanda aquecida, apenas tornou o Brasil o campeão mundial dos juros altos, dificultou a retomada do crescimento e elevou a transferência de recursos da sociedade e do setor produtivo para o rentismo.
Artigo recente do economista Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores), destaca que o Brasil “vivenciou recentemente um quadro inflacionário que foi claramente provocado pelo aumento generalizado nos custos de produção de sua economia”.
“A doença que afligiu a economia no recente episódio inflacionário foi uma ruptura no sistema de preços relativos provocada principalmente pela alta de preços básicos da economia – energia e, como coadjuvante, alimentos – que por sua vez provocou um aumento generalizado dos custos de produção, gerando, como consequência, o sintoma conhecido como inflação”, afirmou o especialista.
“Esse aumento, por sua vez, teve sua origem – e não precisa ser nenhum gênio para perceber isso – na disparada no preço da energia, tanto na energia de origem química, os combustíveis, que têm seus preços atrelados à alta do petróleo, como da energia fornecida pelas distribuidoras de eletricidade. A alta dos alimentos, puxada pela disparada da commodities agrícolas no mercado internacional, foi um importante coadjuvante”, acrescenta Valporto.
RETRAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA
“A inflação de custos vem acompanhada de uma retração na atividade econômica. Diferentemente da inflação provocada por excesso de demanda, em que os preços aumentam porque as pessoas então comprando demais em relação à capacidade de oferta da economia, na inflação de custos os preços aumentam porque estão pressionados por seus custos de produção, apesar das pessoas estarem comprando menos justamente pelo aumento desses custos”, explicou o economista.
Antes dessas ponderações de Valporto, diversos outros economistas também já vinham apontando na mesma direção. Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas, destaca que medidas monetárias, como a elevação de juros para o atual cenário, não resolvem nada e só agravam a situação. “O controle da inflação deve incluir no radar as pressões de custos e não apenas de demanda”, afirmou o economista. “A política de preços da Petrobrás, especialmente, deve mudar”, prosseguiu o especialista.
“O que influiria mesmo na redução da inflação seria a mudança da política de preços da Petrobrás e investimentos em energia, não a alta dos juros”, afirmou o economista, que foi consultor econômico do presidenciável do PDT, Ciro Gomes. Para Marconi “a alta dos juros só prejudicará mais nossa combalida economia e as pessoas endividadas”. Marconi, assim como os outros economistas, considera que a inflação atual não é provocada por excesso de demanda.
CHOQUE DE OFERTA
Ao analisar o problema da inflação no Brasil, José Luís Oreiro, professor de Economia da UNB, destaca que “não existe pressão de demanda sobre a economia brasileira” que justifique o aumento da taxa de juros.
“A inflação é um problema de choque de oferta persistente, mas não permanente”, disse o professor da UNB. Em sua opinião, há inflação de alimentos e de energia subindo, “por conta de uma série de eventos que persistem no tempo, como: a guerra da Rússia e da Ucrânia, como os efeitos ainda da Covid-19 sobre a cadeia mundial de suplementos”. “Quer dizer, esses efeitos estão durando mais do que a gente havia esperado”, avaliou.
“Qual foi o efeito que teve sobre a inflação este aumento da taxa de juros? Nenhum. A inflação só cedeu um pouco nos últimos dois meses porque o governo reduziu o ICMS sobre os combustíveis e sobre eletricidade e isto deu deflação em dois meses. É por isto que a inflação este ano vai fechar menor que a previsão, não foi por causa da elevação dos juros”, explicou o economista.
Oreiro destaca que os aumentos na taxa básica de juros da economia (Selic) realizados pelo Banco Central (BC), além de não reduzirem a inflação, provocaram a transferência de renda da sociedade para o setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, que atingiu a soma de R$ 586,4 bilhões no acumulado de doze meses até julho. Em 12 meses até setembro, o governo Bolsonaro transferiu para o setor financeiro, por meio dos juros da dívida pública, a soma de R$ 591,996 bilhões.
A cifra bilionária gasta pelo governo Bolsonaro com juros representa 6,31% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo informações do BC. No mesmo intervalo de tempo do ano passado, a soma foi de R$ 323,5 bilhões (3,94% do PIB).
“É o maior programa de transferência de renda da história, de toda sociedade, para o 1% mais rico do País”, criticou o economista, ao destacar que o aumento da taxa de juros não teve impacto sobre a inflação. “Nós temos 33 milhões de brasileiros passando fome, e são quase R$ 600 bilhões transferidos para os mais ricos”, destacou Oreiro.
TESOURO ONERADO
Para o professor Nilson Araújo de Souza, da Cátedra Claudio Campos, da Fundação Maurício Grabois, os juros elevados, “além de não interferirem na inflação, que não é de demanda, onera o Tesouro nacional e compromete o investimento público”. “Além disso”, prossegue, “sacrifica o capital do setor produtivo com o aumento dos encargos financeiros; corte do investimento público, acarretando a redução também do investimento privado, à medida que aquele investimento tem sido a principal alavanca do desenvolvimento econômico no Brasil e no resto do mundo.”
Para Nilson o que há atualmente no Brasil é “uma política de alimentos que não faz estoques reguladores, como há décadas se vinha fazendo, e, ao contrário, se exporta essa produção. Com estoques reguladores, o governo poderia liberá-los durante a entressafra, bloqueando assim a pressão altista sobre os preços”.
“Temos uma política de combustíveis que exporta petróleo bruto e importa os derivados, cotados em dólar. Assim, qualquer mexida no dólar ou no preço internacional do petróleo afeta os preços dos combustíveis aqui no país. O Brasil é mais do que autossuficiente em petróleo; se a parcela da produção que abastece o mercado interno fosse toda refinada aqui, não haveria por que os preços internos serem referenciados no dólar. E há capacidade de refino que praticamente atende ao mercado interno”, defende.
Segundo Nilson Araújo, “nada disso se combate com elevação de taxa de juros. Como isso (o juro) vai bloquear a escassez de oferta de alimentos devido ao fato de haverem sido exportados e se deixou de fazer o estoque regulador? Como isso vai afetar o preço do combustível devido ao passeio pelo exterior que dá o petróleo produzido aqui? Como isso vai afetar a desorganização da cadeia mundial de suprimentos, que leva à escassez de determinadas matérias primas e bens intermediários?”
CAPACIDADE ESTATAL
Segundo Nilson, para o país crescer sem inflação é necessário “iniciar a reconstrução da capacidade estatal de atuar na economia, como a recomposição da Petrobrás, o desarme da armadilha da política econômica ancorada nos juros altos, na valorização da moeda e no superavit primário, bem como a extinção do teto de gastos”. É isso, inclusive, que o presidente eleito tem dito nos últimos meses. “Nós já provamos que o país pode crescer e o salário mínimo pode se elevar e não há inflação por causa disso”, tem defendido Lula.
O presidente do Banco Central aparentemente mostrou-se receptivo a essas ponderações de Lula e dos demais economistas. “Precisamos encontrar um caminho para o país crescer de forma sustentável e o mais importante para essas coisas para nós, agora, é continuar a agenda de digitalização. Vamos trabalhar com o novo governo da melhor maneira possível para que possamos alcançar essas coisas”, declarou Campos Neto.
Como sabemos, o presidente do Banco Central ali está não para atender aos anseios do conjunto da sociedade. Ele é um defensor precípuo dos interesses do setor rentista da sociedade. Será necessário, portanto, ampliar esse debate e elevar a pressão para que as reais causas da inflação – preços de energia dolarizados e falta de estoques reguladores de alimentos – sejam enfrentados e as taxas de juros voltem a níveis civilizados.
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Os depoimentos desses economistas mostram muito bem as razões da atual é péssima situação econômica-social de nosso país. Realmente a inflação atual não é de demanda de produtos, mas dos custos de produção criados na forma bem explicitada pelos os entrevistados.