“É bom relembrar que a Petrobras já perfurou mais de 3 mil poços, sem vazamentos”, argumentam os especialistas em favor da exploração da Margem Equatorial
O Brasil deve abandonar sua produção de petróleo e gás?
ALLAN KARDEC DUAILIBE BARROS FILHO*
RONALDO GOMES CARMONA**
Vivemos um momento de transição para uma economia de baixo carbono. Como está o Brasil neste cenário? Alguns defendem o fim da exploração dos hidrocarbonetos em nossas terras. Devemos abraçar essa causa? A quem interessa essa decisão? Em breves palavras, abordamos o problema.
O fato é que a posse ou o acesso em condições favoráveis de fontes de energia continua sendo fator-chave ao desenvolvimento de um país. A energia permanece no topo dos fatores críticos para uma nação ser autônoma e soberana. Mais ainda, está claro que a transição energética tem de ser financiada, assim como deve andar de braços dados com o combate à desigualdade e à fome.
Adicionalmente, relembremos que a guerra na Ucrânia explicitou como a posse de excedentes de energia, ou seu contrário, a dependência de fatores energéticos, converte-se num fator de força ou de vulnerabilidade de uma nação. A Alemanha, por exemplo, coração industrial da Europa, viu explicitada sua fragilidade energética ao revelar a dependência, em 40% de sua matriz energética, de gás proveniente da Rússia. Outros grandes países da Europa vivem problemas similares, ou seja, não são autossuficientes em energia e, portanto, dependem dos grandes produtores de energia, seja ela renovável ou fóssil.
Um primeiro fato a se reconhecer é que há pressão, sobretudo por parte de países europeus, pela aceleração na transição energética. Outro é que os Estados Unidos se tornaram o maior produtor de petróleo e gás do planeta nos últimos anos, ultrapassando a Rússia e a Arábia Saudita, a partir de 2015. Isso por conta do investimento em tecnologia de gás não-convencional, aliado a uma extraordinária estrutura de gasodutos. Esses dois aspectos estão ilustrados na Figura 1 e podem explicar muito dos movimentos geopolíticos mundiais que testemunhamos.
No entanto, há um motivo de preocupação recente dos especialistas e estudiosos em energia do Brasil: embora a produção de petróleo esteja ainda em escala ascendente, as reservas de petróleo do pré-sal estão diminuindo, conforme mostrado na Figura 2. A expectativa é que, no início da década de 2030, a produção brasileira também comece a cair. Nesse cenário, o Brasil perderia sua autossuficiência e recomeçaria a importar esse hidrocarboneto. A opção possível de solução é a exploração da Margem Equatorial Brasileira (MEQ), que se apresenta como a segunda maior fronteira exploratória do planeta, atrás apenas do Alasca, que já iniciou sua exploração, recentemente autorizada pelo Presidente Joe Biden.
As descobertas de hidrocarbonetos na Margem Equatorial Africana e, mais recentemente, de reservas expressivas na Guiana e Suriname impulsionaram o interesse pela exploração de petróleo na MEQ. As bacias que a compõem apresentam semelhanças geomorfológicas em relação a bacias homólogas na costa ocidental africana e pela proximidade imediata com a Guiana. Nós, juntos com o geólogo Pedro Zalan, publicamos uma nota técnica denominada Um novo Pré-Sal no Arco Norte do território brasileiro?, estudo que estimou a possibilidade de existirem reservas de 20 a 30 bilhões de barris de petróleo recuperáveis na Bacia Pará-Maranhão.
Por outro lado, reconhecidamente possuidor de uma matriz energética limpa – certamente, de longe, a mais diversa entre os grandes países (veja figura 3) –, o Brasil viu crescer aceleradamente nos anos mais recentes a participação de diversos tipos de energia, entre elas as de origem de biocombustíveis, como etanol de cana de açúcar ou biodiesel de soja, além de eletricidade gerada a partir de sistemas eólicos e solares na sua matriz, fatores que as projeções do Ministério de Minas e Energia (MME) indicam que irão se exponencializar nos próximos anos. Essa política também fortaleceu a posição estratégica do país na diminuição da emissão de gases de efeito estufa.
Defendemos que haja a voz da Ciência esclarecendo, dentro de nossas possibilidades, todos os aspectos envolvidos, inclusive o combate à desigualdade. A desigualdade de renda é talvez a sua forma mais tangível e mensurável. Ela se refere à disparidade na distribuição de recursos econômicos entre indivíduos ou grupos dentro da sociedade e é frequentemente representada por indicadores como o coeficiente de Gini, que mede a distribuição de renda ou consumo de uma população.
Em nossa opinião, há duas propostas hoje no Brasil sobre a exploração de petróleo no mundo: uma é uma adesão a um projeto tendo como eixo central as pautas prioritárias da União Europeia, enquanto a outra é dos que abraçam um projeto nacional de defesa da nossa soberania e combate à desigualdade no Arco Norte – a parte do Brasil situada acima do paralelo 16. Nesse aspecto, uma boa análise é observar o retrato de hoje das terras colonizadas da Guiana, Suriname e Guiana Francesa e seus respectivos colonizadores. Por exemplo, o PIB per capita e o índice Gini no Arco Norte, como mostrado na Figura 4.
Por isso, já prevendo a celeuma histórica que o Brasil hoje vive em torno da exploração do petróleo na MEQ é que, há cinco anos, iniciamos a criação da Rede Amazônia Azul: o maior agrupamento de especialistas, professores, doutores e pesquisadores sobre a Margem Equatorial do Brasil. Fazem parte dela pesquisadores da Unifap, Ufma, Ufpa, UFF, UFRJ, Uema, UnB, Uern, UFJF, Ufes, Remanor, Retamane, Univali e Tamar, portanto composta de entidades locais e outras com tradição na área.
Vamos aproveitar para tecer alguns comentários sobre o que temos lido e escutado Brasil afora. Por exemplo, um grupo de estudiosos menciona um certo “Grande Sistema Recifal da Amazônia”. Não há ainda nenhuma confirmação independente de que esse sistema exista. O que encontramos em termos de referências bibliográficas foram dois artigos de um mesmo grupo de pesquisa que, por sua vez, se referem ao original, que é “Grande Sistema Recifal”, que se situa na Austrália – este, sim, já reconhecido internacionalmente. Mais ainda, há outros estudiosos de alto gabarito e enorme experiência, com várias publicações na área, que contestam tal afirmação. Ou seja, trata-se de uma afirmação controversa e não consolidada cientificamente.
Há também uma tentativa de criminalização da perfuração, com o argumento de que “vazaria”. Primeiro, é bom relembrar que a Petrobras já perfurou mais de 3 mil poços, sem vazamentos. Segundo: essa mesma lógica de vazamento tem de servir às dezenas de navios que já trafegam diariamente naquela área, inclusive adentrando o Rio Amazonas: todos são movidos a diesel e alguns são navios petroleiros carregando toneladas de petróleo, gasolina ou diesel. Ora, a lógica do vazamento desses navios – autorizados a navegar na costa brasileira – terá obviamente que servir ao poço a ser perfurado – e vice- -versa. Terceiro, a Petrobras já́ perfurou cerca de 700 poços em águas rasas na Margem Equatorial Brasileira; destes, cerca de 90 poços foram perfurados nas águas rasas na Bacia da Foz do Amazonas, sem vazamentos.
Para encerrar, é importante esclarecer que há uma confusão entre “Bacia da Foz do Amazonas” e a foz do Rio Amazonas. A primeira é uma bacia sedimentar que abrange uma área de aproximadamente 350.000 km2 , ou seja, maior que a área somada dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro e a segunda é onde deságua o conhecido rio. O fato é que a Margem Equatorial é vista como a grande agenda de futuro da energia no Brasil. Com ela, continuaremos a ser autossuficientes e independentes de outros países do mundo na produção de petróleo e gás. Este fato não destoa de outros países como os Estados Unidos, que avançaram no Alasca ou de países da Ásia ou África, que não se submeteram ao projeto europeu. Além de termos a matriz energética mais limpa do planeta, temos de reconhecer que o Brasil está onde o mundo gostaria de estar em 2050! Por outro lado, a MEQ é uma das maiores oportunidades que o Brasil tem de combater a desigualdade secular no Arco Norte do território nacional.
* É PhD pela Universidade de Nagoya, no Japão; pós-doutorado na Riken, no Japão; professor titular da Ufma; ex-diretor da ANP; e presidente da Gasmar.
** É doutor em Geopolítica pela USP e professor da Escola Superior de Guerra.
Artigo reproduzido do Jornal dos Economistas do Corecon-RJ
Estudo da Noruega: país se tornou rico com a descoberta de petróleo no
mar do norte, IDH é de 0,957….e a descoberta de petróleo no Brasil? Em 2006, descoberta do
pré-sal, o país tinha um IDH de 0,807, após a descoberta de petróleo caiu para 0,758…Todas
as vantagens competitivas do país foram anuladas por economistas e políticos…Quanto mais
riquezas descobre, mais pobre fica. Não descubra tanto
Mas disso não se conclui que foi errado descobrir e explorar economicamente o pré-sal. O que pode-se concluir é que existe uma casta de banqueiros e financistas, com seus representantes políticos e acadêmicos, que espolia o país – uma casta que reside principalmente nos EUA, mas tem um braço por aqui. A diferença entre o Brasil e a Noruega é que nós somos um país subordinado ao imperialismo, ao capitalismo financeiro e monopolista da metrópole. A Noruega, não.