“Por exemplo, o fim do IOF sobre operações cambiais deverá ser prejudicial para nós, assim como a perda do status de país em desenvolvimento na OMC”, avalia o economista Nelson Marconi
Na opinião do economista Nelson Marconi, professor dos cursos de pós-graduação em Administração Pública e Governo, na FGV-SP, e consultor econômico do presidenciável Ciro Gomes (PDT), o Brasil só ganhará na discussão sobre a entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) “se souber defender seus interesses”.
“Por exemplo, o fim do IOF sobre operações cambiais deverá ser prejudicial para nós, assim como a perda do status de país em desenvolvimento na OMC”, avalia o economista, em entrevista ao HP, concedida nesta quarta-feira (26). O Brasil terá de negociar em condições iguais com países ricos, abrindo mão de vantagens como prazos mais longos para a implementação de acordos e compromissos ou medidas para aumentar as oportunidades comerciais.
As decisões tomadas pelo colegiado do órgão, com voto unitário de cada um dos 37 países membros, são obrigatórias para todos os seus membros.
Estas duas condições, o fim do IOF nas operações de especulação cambial e a perda de status de país em desenvolvimento, que ferem os interesses nacionais, tirando a autonomia do país para a definição de parâmetros de política econômica, já foram aceitas de pronto pelo ministro Paulo Guedes. Aliás, ele já vem praticando essa política e destruindo a economia nacional há algum tempo.
Ou seja, a adesão deste governo aos acordos da OCDE tendem a aumentar ainda mais a submissão, que já é intensa por parte do Planalto, ao mercado financeiro.
O professor Marconi pondera que, “se fosse para ampliar a participação do Brasil no comércio global, com o governo defendendo os nossos interesses, seria positivo”. O que o Brasil teria de vantagem é o direito a participar de órgãos técnicos, reuniões de grupos de trabalho e seminários de compartilhamento de informações – além de fazer parte de pesquisas e indicadores internacionais como o PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
Em tese, o Brasil poderia ganhar novos parceiros e acordos comerciais – e ser mais “bem-visto” em termos de relações exteriores. A OCDE é uma organização que foi criada em 1948, financiada pelos Estados Unidos e, originalmente, se apresentava como uma continuação da organização econômica ocidental do pós guerra, sob hegemonia dos EUA.
A OCDE oferece como uma das vantagens para quem participa da entidade um fórum no qual os governos podem trocar experiências entre si.
A organização também analisa fatores que influenciam diretamente a vida da população, como os impostos e a seguridade social. Duas áreas em que as políticas neoliberais vigentes na maioria de seus integrantes impedem que um grande número de países enfrentem seus problemas estruturais.
A comparação dos sistemas educacionais e previdenciários dos países permite que a organização possa recomentar políticas semelhantes nessas áreas. Ou seja, haverá mais pressões contra aposentadorias e contra gastos públicos e programas sociais.
Mas, o fato é que, ao aderir acriticamente, como fez Guedes e Bolsonaro, ao acordo, onde se usam condições do tipo “economias de mercado abertas, competitivas e sustentáveis”, metas que na verdade escondem pressões econômicas de todos os tipos, como, por exemplo, o estímulo à especulação cambial, pressões por mais privatizações e cortes de investimentos públicos, o governo já sinaliza com mais submissão aos centros financeiros internacionais.
O Brasil terá que provar que mantém práticas econômicas, diplomáticas e comerciais alinhadas com os demais participantes – ou seja, alinhadas com os países ricos, que definem essas práticas monopolistas e rentistas como as “melhores práticas globais”.
Qual é a lógica, por exemplo, de se criar subsídios para as operações cambiais, suspendendo a cobrança de IOF? Quem vai ganhar com o fim da cobrança de IOF neste tipo de operação?
O que se assiste hoje é um ganho extraordinário nas atividades especulativas, inclusive cambial, enquanto os investimentos nas atividades produtivas são cada vez mais raros. Isso tem mantido um grande número de países, inclusive o Brasil, na estagnação e com o desemprego nas alturas. Não se vê, por exemplo, exigências pela OCDE de redução nível de desemprego, de ampliação de investimentos em serviços públicos e programas sociais.
Com o desastre neoliberal imposto ao país nos últimos anos, o Brasil tem perdido posições no cenário internacional, já foi a sétima economia do mundo, e hoje amarga a décima terceira posição. A indústria, que já representou 30% do PIB (Produto Interno Bruto), hoje não passa de 11%. Então, por que vamos abrir mão das vantagens dadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) a países em desenvolvimento nas relações comerciais, se não avançamos no nosso desenvolvimento? Só para dizer que entramos para o Clube dos Ricos? Mesmo nos mantendo como um país em desenvolvimento? Que vantagem há nisso?
Nelson Marconi tem toda razão. Se nem a China, que, apesar de ser considerada hoje a fábrica do mundo, deixou de se beneficiar desta condição de país em desenvolvimento pela OMC, não há nenhuma lógica e nenhum interesse concreto para o Brasil na mudança deste status. E foi exatamente por defender seus interesses nacionais com firmeza e determinação que a China, que na década de 1980 tinha uma indústria menor que a do Brasil, hoje é o principal centro industrial do mundo.
Isso tudo sem falar na hipocrisia que significa Bolsonaro, o amigo dos desmatadores e garimpeiros ilegais, o incentivador da derrubada de árvores e a destruição de cavernas, se apresentar como o paladino do meio ambiente. “Nesse contexto, o Brasil está comprometido a adotar e a implementar políticas públicas em linha com suas metas climáticas, tomando medidas concretas para realizar esse objetivo, incluindo trabalhar coletivamente para impedir e reverter a perda de florestas e a degradação do solo até 2030”, disse Bolsonaro. Isso, convenhamos, não parece coisa séria.
SÉRGIO CRUZ