O novo ministro da Defesa, Braga Neto, assinou nota sobre o golpe de Estado de 1º de abril de 1964, que destituiu o presidente eleito constitucionalmente, João Goulart, e implantou 21 anos de ditadura contra o povo e a Nação – incluídos 10 anos de ditadura terrorista e sanguinária, sob o Ato Institucional nº 5 (AI-5), onde todas as leis, inclusive a Constituição do próprio regime, foram submetidas ao arbítrio de quem estivesse no Planalto.
Em sua nota, Braga Neto diz que “o movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”.
É verdade que o golpe de 1964 é “parte da trajetória histórica do Brasil”.
O incêndio de Roma também é “parte da trajetória histórica” do Império Romano.
Os massacres de Tamerlão também são “parte da trajetória histórica” dos tártaros.
O assassinato de 1 milhão e 800 mil armênios também é “parte da trajetória histórica” dos turcos.
A marcha sobre Roma, de Mussolini, também é “parte da trajetória histórica” dos italianos, assim como a chacina dos etíopes e líbios.
O genocídio de soviéticos e judeus pelos nazistas, também é “parte da trajetória histórica” dos alemães.
Nem por isso, alguém de bom senso – e com senso de humanidade – irá propor que o incêndio de Roma, por Nero, seja “celebrado”.
Ou os massacres de Tamerlão; ou o genocídio de armênios, judeus, soviéticos, etíopes e líbios merece “celebração”.
Ou a marcha de Mussolini sobre a capital italiana.
Por que, então, Braga Neto acha que um golpe que implantou uma ditadura antinacional e antipopular, que promoveu um jorro de sangue na História do Brasil, merece ser “celebrado”?
Porque essa não é a opinião dele, mas do seu chefe, o calígula que habita o Alvorada – e os senadores que se cuidem, pois não há muita diferença entre nomear um cavalo para o Senado, como fez o Calígula original, e querer Eduardo Bolsonaro na embaixada em Washington, ou Ernesto Araújo nas Relações Exteriores, ou Weintraub na Educação.
Aliás, nomear um cavalo para o Senado seria mais inofensivo do que qualquer um dos outros – ainda que fosse um desrespeito aos nossos senadores.
A nota assinada por Braga Neto não se refere à ditadura. No momento em que a alta cúpula das Forças Armadas reafirmou seu compromisso com a Constituição – isto é, com a democracia – e preferiu sair do que continuar sob Bolsonaro, Braga Neto tomou cuidado.
Assim, o golpe de Estado, na nota, é algo suspenso no ar, ou seja, um ato isolado da “trajetória histórica” do Brasil, sem continuidade alguma, assim como sem ruptura, tornando o texto um saco de incoerências.
A nota diz apenas que o golpe de 1964 foi para defender a democracia – a mesma democracia que foi abolida pelos golpistas apenas oito dias após o golpe, quando, a 9 de abril de 1964, a Constituição foi rasgada definitivamente pelo Ato Institucional nº 1.
Assim, segundo pode-se deduzir da nota, a ditadura foi instalada para defender a democracia.
E, provavelmente, a tortura de democratas e patriotas foi instituída para defender os direitos humanos.
E o assassinato de oposicionistas foi implantado para defender a vida deles.
Assim como as cassações de mandatos e de direitos políticos existiam para defender as prerrogativas dos eleitos pelo povo.
E a censura, devia ser a melhor defesa da liberdade de imprensa e de expressão.
Ah, sim, as prisões políticas – essas eram a melhor forma de preservar a liberdade dos oposicionistas que estavam presos.
Parece uma casa de doidos – no pior sentido da palavra “doido” -, leitor?
Parece.
Mas são apenas reflexos do pensamento (????) do calígula do Alvorada.
Por exemplo:
“O erro da ditadura foi torturar e não matar” (Bolsonaro, entrevista à rádio Jovem Pan, 08/07/2016).
“Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura” (Bolsonaro, entrevista ao programa Câmera Aberta, na TV Bandeirantes, 1999).
“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente” (Bolsonaro, entrevista ao programa Câmera Aberta, na TV Bandeirantes, 1999).
“Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo” (Bolsonaro, Discurso na Câmara, junho de 1999).
“[Se fosse presidente da República] Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia. No mesmo dia! O Congresso hoje em dia não serve para nada” (Bolsonaro, entrevista ao programa Câmera Aberta, na TV Bandeirantes, 1999).
Calígula, provavelmente, era mais discreto.
CARLOS LOPES