MARCO CAMPANELLA (*)
A manifestação bolsonarista de 26 de maio foi marcada muito mais pela estridência do que pela expressividade.
Bem que alguns setores da grande mídia tentaram dar uma ajudinha associando o movimento à defesa da “reforma” da Previdência e do pacote anticrime de Moro, mas a contundência dos fatos falou mais alto e essas “bandeiras” sumiram em meio às manifestações mais legítimas do bolsonarismo.
A caricatura delas foi denunciada por três imagens, cada qual com sua capacidade de reproduzir-se e multiplicar-se nesse lamaçal que se transformou o bolsonarismo: a retirada, sob palmas e apupos histéricos, de uma faixa em defesa da educação em Curitiba; manifestantes embalados com a bandeira norte-americana; e, outros, portando estandartes pela redenção da monarquia.
O bolsonarismo, aos poucos, com Guedes na Economia e outras figuras de estirpe assemelhada em outras posições do governo, vai se conformando numa espécie de ideologia tosca baseada no ultraliberalismo econômico, no obscurantismo político e no fundamentalismo religioso.
Essa é a “nova política” que estão propondo ao país, no lugar daquela representada pelo “Centrão”, Maia e Alcolumbre, dos quais se pretende os votos necessários para aprovar o malfadado desmonte previdenciário, ainda que tenham sido achincalhados nas ruas no último domingo, enquanto os aplausos destinavam-se a Guedes (que pretende entregar o Banco do Brasil ao Bank of America), a Moro (do qual subtraíram o COAF por ter desvelado alguns podres do bolsonarismo no Rio), ao próprio Bolsonaro, é claro, e ao seu guru ideológico, Olavo de Carvalho (se é que podemos identificar algum rastro de ideologia, ainda que a mais obscurantista, nessa figura caricata que renegou o Brasil e adotou os EUA como sua mãe-pátria). Como diria nosso saudoso Cláudio Campos, com sua verve inconfundível, os representantes da “velha política” e os militares que se encontram no governo, em relação a Bolsonaro, são santos que devem ser canonizados e ganhar o caminho dos céus.
No DNA dessa “nova política” está algo do qual Bolsonaro e seu núcleo mais próximo não conseguirão se desvencilhar pela sua natureza: o ódio a toda e qualquer expressão, no terreno material e imaterial, do que é nacional, democrático e popular.
Daí a explicação para os mais extravagantes, excêntricos e, até, bizarros atos contra conquistas do povo brasileiro, muitas delas consolidadas ao longo da história no plano cultural, econômico, social e político. Os representantes da “velha política”, ainda que secundariamente, têm alguma identidade com essa história. A fúria desfechada contra os nacionalistas, democratas e, principalmente, os comunistas, explica-se pelo que o bolsonarismo representa de negação dos valores que construíram a nacionalidade e do papel que cada uma dessas correntes teve nessa construção.
Não por outra razão alguns integrantes da base de apoio a Bolsonaro tentaram impedir, sem sucesso, a manifestação dos “fanáticos” e “neuróticos” (sic), pois, ela acontecendo, como aconteceu, poderia dar um “tiro no pé” pelo seu poder de corrosão no Parlamento, de onde esperam extrair o desmonte da Previdência Pública para entregá-la aos bancos.
O fato é que a aprovação ao governo derrete como manteiga no fogo diante da crise econômica sem freio, agravada pelo desmantelamento generalizado de alguns instrumentos do Estado e marcos regulatórios, vitais e indispensáveis para o seu enfrentamento.
Trata-se de um caminho sem volta e não há nada que indique uma mudança de rota: o “mercado” mandou avisar que a “reforma” pretendida na Previdência não mexerá positivamente com a economia; o IBGE anunciará na próxima quinta-feira (30), quando a educação explodirá de novo nas ruas, o PIB negativo do primeiro trimestre de Bolsonaro e decretará a chamada recessão técnica; e os trabalhadores, no dia 14 de junho, deverão realizar uma contundente greve geral contra o assalto às aposentadorias.
Nesse cenário, uma inevitável certeza: o bolsonarismo, cada vez mais isolado, tornar-se-á ainda mais ruidoso e agressivo diante da inexorável desidratação de sua base social e, por tabela, de sua sustentação política e parlamentar; e uma crescente necessidade social: a construção da mais ampla frente patriótica, democrática e popular, indispensável para impedir que essa tragédia que se abateu sobre o país não adquira proporções ainda mais avassaladoras.
(*) Jornalista, foi editor-chefe da Hora do Povo.
Artigo primoroso. Parabéns ao articulista pela sóbria e oportuna reflexão sobre esse momento político sombrio e conturbado da nossa história.
A verdade é que Bolsonaro tem prazo de validade. E o seu prazo é até a votação da PEC da Previdência. Depois disso, ficará na corda bamba.
O mercado e a grande mídia já viram que Bolsonaro não tem condição alguma de continuar governando o país. Em editoriais recentes e contundentes, os maiores jornais do país – O Globo, o Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo -, fazem duras críticas a Bolsonaro, e dão o tom do que sucederá ao presidente se a reforma da Previdência não passar.
Os que apoiaram a prisão política de Lula e financiaram as mentiras que levaram o fascista Bolsonaro ao poder, já começam a se decepcionar com o “mito” e perceber que seu apoio incondicional a Bolsonaro foi um grande equívoco, e que é preciso agora articular uma “saída” para consertar esse grave erro histórico a fim de evitar que o país (sobretudo a economia) mergulhe completamente no caos para onde parece caminhar.