
Com a palavra, agora, a Câmara dos Deputados e o presidente Arthur Lira
A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi apenas a gota d’água de um processo de denúncias caluniosas, ameaças e infrações cometidas contra o Supremo Tribunal Federal (STF), no qual não coube ao ministro Alexandre de Moraes outra decisão senão, nos autos do Inquérito 4781 – que apura as notícias fraudulentas (fake news) -, determinar a sua prisão em razão do conteúdo do vídeo divulgado pelas redes sociais pelo parlamentar.
Em sua decisão, afirmou o ministro:
“o referido deputado durante 19m9s, além de atacar frontalmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5; inclusive com a substituição imediata de todos os Ministros, bem como instigando a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes.”
Portanto, trata-se uma prisão de ofício do STF, ou seja, decretada pelo relator do inquérito, ministro Alexandre Moraes, sem qual manifestação prévia, seja da Polícia Federal ou da Procuradoria Geral da República.
A detenção de Daniel Silveira baseou-se na do Lei nº 7.170/73, sendo ele enquadrado nos crimes previstos nos artigos 17, 18, 22, I e IV, 23, I, II e IV e 26:
Art. 17 – Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.
Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 22 Fazer, em público, propaganda:
I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; (…)
IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.
Art. 23 – Incitar:
I – à subversão da ordem política ou social;
II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; (…)
IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Art. 26 – Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único – Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.
O ministro da Suprema Corte foi mais longe ao considerar o crime inafiançável, ensejando prisão preventiva (artigo 312, c/c 324, IV do CPP), tratando-se, portanto de flagrante delito, em razão do fato de que o vídeo “permanece disponível nas redes sociais”.
Como disse o governador Flávio Dino, do Maranhão, é importante não confundir imunidade parlamentar com impunidade.
No caso, é importante lembrar que os parlamentares estarão sujeitos a detenção em caso de flagrante de crime inafiançável, o que foi o que ocorreu.
Alexandre de Moraes considerou, ainda:
“Ressalte-se, ainda, que, a prática das referidas condutas criminosas atenta diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; apresentando, portanto, todos os requisitos para que, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, fosse decretada a prisão preventiva; tornando, consequentemente, essa prática delitiva insuscetível de fiança, na exata previsão do artigo 324, IV do CPP (“Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva). Configura-se, portanto, a possibilidade constitucional de prisão em flagrante de parlamentar pela prática de crime inafiançável, nos termos do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal.”
Os trechos das declarações do deputado bolsonarista, descritos pelo ministro em sua decisão, enquadram-se rigorosamente na lei que motivou a sua detenção.
Disse o parlamentar:
“(…) eu quero saber o que você vai fazer com os Generais… os homenzinhos de botão dourado, você lembra? Eu sei que você lembra, ato institucional nº 5, de um total de 17 atos institucionais, você lembra, você era militante do PT, Partido Comunista, da Aliança Comunista do Brasil (…) o que acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo… várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte
… quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra… Que que você vai falar ? que eu to fomentando a violência? Não… eu só imaginei… ainda que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime… você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível…. então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime
(…) vocês não tem caráter, nem escrúpulo, nem moral para poderem estar na Suprema Corte. Eu concordo completamente com o Abraham Waintraub quando ele falou ‘eu por mim colocava todos esses vagabundos todos na cadeia’, aponta para trás, começando pelo STF. Ele estava certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de brasileiros corroboram com esse pensamento.
(…) Ao STF, pelo menos constitucionalmente, cabe a ele guardar a constituição. Mas vocês não fazem mais isto. Você e seus dez ‘abiguinhos, abiguinhos’, não guardam a Constituição, vocês defecam sobre a mesma, essa Constituição que é uma porcaria, para poder colocar canalhas sempre na hegemonia do poder e claro, pessoas da sua estirpe devem ser perpetuadas para que protejam o arcabouço dos crimes no Brasil, e se encontram aí, na Suprema Corte
(…) Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze? que não servem para porra nenhuma para esse país ? Não.. não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.
(…) você desrespeita a tripartição dos poderes, a tripartição do Estado, você vai lá e interfere, comete uma ingerência na decisão do presidente, por exemplo, e pensa que pode ficar por isso mesmo. Aí quando um general das Forças Armadas, do Exército para ser preciso, faz um tuite, faz alguma coisa, e você fica nervosinho, é porque ele tem as razões dele. Lá em 64, na verdade em 35, quando eles perceberam a manobra comunista, de vagabundos da sua estirpe, 64 foi dado então um contragolpe militar, é que teve lá os 17 atos institucionais, o AI5 que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou 3 ministros da Suprema Corte, você lembra ? Cassou senadores, deputados federais, estaduais, foi uma depuração, um recadinho muito claro, se fizerem a gente volta, mas o povo, naquela época ignorante, acreditando na rede globo diz “queremos democracia” “presidencialismo”, “Estados Unidos”, e os ditadores que vocês chamam entregaram o poder ao povo.
(…) vocês deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita de onze novos ministros, vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin.
(…) Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda. Então como já dizia lá, Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer. E infelizmente, infelizmente é verdade. O Judiciário tem feito uma, vide MP, Ministério Público, uma sucessão de merdas. Um bando de militantes totalmente lobotomizado, fazendo um monte de merda”.
Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal, através do presidente Luiz Fux, pautou o assunto como primeiro item da pauta de seu pleno e decidiu, por unanimidade, acompanhar a decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Portanto, a decisão já não é mais monocrática, mas de todos os integrantes da Suprema Corte.
Com a palavra, agora, a Câmara dos Deputados presidida pelo deputado Arthur Lira, recém-eleito com o apoio declarado de Bolsonaro, que tem diante de si um outro problema no terreno da ética: o julgamento da deputada Flordelis, denunciada, sob fortes indícios, como mandante do assassinato do marido.
É razoável que a Casa que se diz do povo continue contemplando entre seus membros escrachados lixos morais representados por esses parlamentares?
Nem mesmo a conciliação a posturas dessa natureza são justificáveis, pois o que está sob ameaça é uma conquista que custou muito caro para o povo brasileiro – a democracia, odiada por Bolsonaro e seus lacaios porque foi obtida contra eles e apesar deles.
A maioria dos partidos que a integram já se manifestou sobre a decisão do STF. Foram praticamente unânimes em apoiar o Supremo contra mais essa ameaça golpista. A Oposição anunciou que acionará o Conselho de Ética da Câmara para se manifestar sobre a conduta irresponsável do parlamentar e até o seu partido, o PSL, em nota assinada pelo presidente Luciano Bivar, comunicou a expulsão do parlamentar da legenda.
Cabe notar que os vídeos ameaçadores de Daniel Silveira contra o Supremo Tribunal Federal e seus ministros acontecem dias depois de Bolsonaro editar quatro decretos que facilitam a aquisição e o porte de armas e de defender, mais uma vez, não apenas a censura, mas o fechamento dos meios de comunicação.
Além disso, há um outro movimento, que teria sido objeto de negociação na eleição de Arthur Lira, para que a deputada bolsonarista Bia Kicis, outra investigada no inquérito das fake news no STF, assuma a presidência da toda poderosa Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Kicis, em sua entrevista mais recente, defendeu uma mudança regimental urgente para anular o papel da oposição no parlamento, inclusive com a supressão do direito de obstrução, reconhecido como uma norma legislativa democrática há muitos anos.
A sucessão desses fatos demonstra que a pretensão e as manifestações golpistas reveladas por Bolsonaro e sua trupe ainda em seu primeiro ano de governo, em 2019, ficaram abafadas por um tempo, em razão da ampla frente política e social que se formou em defesa da democracia, mas, agora, volta à tona com os mesmos objetivos: rasgar a Constituição, ameaçar a Justiça e tornar o ambiente no Congresso Nacional propício à continuidade da agenda de desmontes de direitos e de alienação do patrimônio nacional, conduzida por Guedes.
A obsessão golpista tornou-se uma marca do atual governo. Está no DNA de Bolsonaro e dos que o cercam mais proximamente, razão pela qual tal ameaça à democracia, à Constituição e às instituições republicanas se fará sempre presente, com maior ou menor intensidade, enquanto ele estiver ocupando a Presidência da República.
Dizem, em Brasília, que Daniel Silveira falou o que falou para agradar e impressionar Bolsonaro. Certamente agradou, pois disse o que Bolsonaro, como presidente, não pode dizer.
Todavia, não esperavam uma reação tão pronta, firme e altiva do Supremo, que, espera-se, seja reproduzida com igual intensidade no Parlamento ao qual pertence Daniel Silveira, para desonra do povo e do país.
Apenas uma palavra ao deputado encarcerado: a ditadura que micróbios políticos como ele e outros bolsonaristas querem impor ao país é a pior e mais apodrecida de todas – a tentativa de submeter os interesses do povo e da nação a uma tirania miliciana que até pouco tempo atrás encontrava-se nos esgotos da sociedade e que só ganhou a luz do dia graças a uma figura como Bolsonaro.
Impensável imaginar que o país, que não se submeteu e derrotou uma ditadura como a que existiu durante o AI-5, vá se intimidar com o estrume político e moral que representa essa gente.
(MAC)