Os crimes do cartel do bilhão contra o Brasil (1)
(HP 05/08/2015)
CARLOS LOPES
Nesta e nas próximas edições, publicaremos os principais trechos das denúncias, já aceitas pela Justiça, das atividades do chamado “Clube do Bilhão”, encimado pela Odebrecht e Andrade Gutierrez, que causaram um prejuízo de bilhões à Petrobras – corrompendo alguns funcionários, políticos e, ao que parece, partidos.
A nova (nova?) moda, no círculo que gira em torno do Planalto, é dizer que nada disso existe – assim como não existe recessão e desemprego no país.
Sendo assim, que os leitores julguem, pelas próprias denúncias e sua fundamentação, se isso existe ou não existe. Não insistiremos na fartura de provas ou na minuciosidade das investigações realizadas pela Polícia Federal (PF). Que o leitor julgue.
Para começar, escolhemos o caso do Consórcio OCCH, responsável por construir o centro administrativo da Petrobrás em Vitória, no Espírito Santo. Nossa escolha foi motivada por se tratar de um caso tão exemplar que parece didático – desde a licitação fraudada, passando pelos sobrepreços e aditivos, até as propinas. Não foi um contrato pequeno. Somados o preço inicial e os aditivos, foi uma obra que custou R$ 556.353.351,77 – mais de meio bilhão de reais.
Frisemos que a gravidade dos crimes cometidos é potencializada (à enésima potência) por sua vítima: a Petrobrás, empresa conquistada pelo povo, construída pela Nação, nossa principal chave para um futuro de desenvolvimento e justiça social.
Há poucos dias, um satélite planaltino disse em algum lugar que “não podemos abrir mão da engenharia brasileira”. Como se a engenharia brasileira fosse um monopólio da Odebrecht e assemelhadas. Como se não existissem inúmeras empresas de engenharia no Brasil que são sufocadas, abafadas, excluídas de grandes obras – exatamente por esse cartel que assaltou a Petrobrás. Como se a própria Petrobrás não fosse um dos principais – talvez o principal – repositório da engenharia nacional.
Realmente, não podemos abrir mão de nossa engenharia – mas, para isso, só existe um meio: acabar com o banditismo monopolista de empresas que degeneraram, mais ainda sob os favores do governo Dilma, em redutos mais financeiros que produtivos, amealhando bilhões com a parasitagem e roubo ao patrimônio coletivo, ao patrimônio nacional, ao patrimônio do povo brasileiro.
O caso OCCH (consórcio formado pela Odebrecht, Camargo Corrêa e uma empresa alemã, a Hochtief, conhecida pela construção do “bunker” de Hitler) mostra, entre outras coisas, como o interesse dessas empresas em engenharia tornou-se secundário, às vezes terciário – ou ainda menor.
Não é dos monopólios privados, que excluem brutalmente as empresas privadas não-monopolistas – não porque sejam mais competentes ou mais capazes, mas pelo maior poder financeiro –, que se pode esperar alguma contribuição para o progresso do país. Deles só se pode esperar especulação, sobrepreço, corrupção, miséria, estagnação. Além de, frequentemente (como se viu com nitidez no caso da Ambev), servirem como passo para o seu controle por monopólios privados de outros países.
O que vem abaixo é uma transcrição de linhas do processo, com o único objetivo de que o leitor faça um primeiro julgamento, sobre se deve – ou não – ler o resto desta série.
C.L.
Em datas compreendidas entre 22/06/2006 [data em que a Diretoria Executiva da Petrobras autorizou a instauração de processo licitatório para a obra da sede administrativa de unidades da Petrobras em Vitória/ES] e o final do ano de 2010, quando os valores da propina foram pagos [conforme se observa na planilha de Pedro Barusco], Rogério Araújo, Márcio Fariae Paulo Boghossian, na condição de administradores e diretores do Grupo Odebrecht, e sob orientação de Marcelo Odebrecht, gestor do Grupo Odebrecht, ofereceram e prometeram o pagamento de vantagens econômicas indevidas a Pedro Barusco e Renato Duque, então Gerente Executivo de Engenharia e Diretor de Serviços da Petrobras, correspondentes a, pelo menos, R$ 48.618.522,37, ou seja, 1% do valor do contrato original, para determiná-los a praticar atos que favorecessem as empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A., Camargo Corrêa e Hochtief do Brasil, bem como para que se abstivessem de praticar atos que viessem contra os interesses destas empreiteiras, seja no curso do procedimento licitatório ou por ocasião da execução contratual.
Marcelo Odebrecht, Marcio Faria, Rogério Araújo e Paulo Boghossian incorreram, assim, na prática, por duas vezes, no delito de corrupção ativa, em sua forma majorada, previsto no art. 333, caput e parágrafo único, do Código Penal, visto que os funcionários públicos corrompidos não só aceitaram tais promessas de vantagens indevidas, em razão da função, como efetivamente deixaram de praticar atos de ofício com infração de deveres funcionais e praticaram atos de ofício nas mesmas circunstâncias, tendo recebido as vantagens indevidas prometidas para tanto.
Em atos contínuos, executados entre 22/06/2006 e 19/01/2007, os denunciados Pedro Barusco e Renato Duque, em unidade de desígnios e de modo consciente e voluntário, em razão das suas funções, aceitaram tais promessas passando, em seguida, a receber para si e para outrem, direta e indiretamente, as vantagens indevidas oferecidas/prometidas, no valor total aproximado de, pelo menos, R$ 4.861.852,23, quantia esta correspondente a 1% do valor do contrato original celebrado entre o Consórcio OCCH e a Petrobras, no montante de R$ 486.185.223,77.
Visando à execução das obras da Sede Administrativa de Utilidades da Petrobras em Vitória/ES, vinculadas à Diretoria de Serviços da Petrobras, então comandada por Renato Duque, em 02/06/2006 a Gerência Executiva de Engenharia, vinculada à Diretoria de Serviços da Petrobras, comandadas por Pedro Barusco, solicitou à Diretoria Executiva autorização para instauração da Comissão de Licitação, tendo esta sido concedida em 22/06/2006, data em que se deu o início ao procedimento licitatório.
O valor da estimativa sigilosa da empresa petrolífera foi inicialmente calculado em R$ 436.668.932,76.
O procedimento licitatório foi nitidamente direcionado em favor do cartel antes mencionado, sendo que, das 10 empresas convidadas para o certame, sete eram participantes do cartel.
Mais especificadamente, foram convidadas as empresas: Carioca Christiani Nielsen Engenharia S.A., Construbase Engenharia Ltda., Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A., Construtora Andrade Gutierrez S.A., Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construtora OAS Ltda., Construtora Queiroz Galvão S.A., Hochtief do Brasil S.A., Racional Engenharia Ltda. e Schahin Engenharia S.A. [v. Relatório da Comissão de Licitação – Anexo 137, p. 15 e ss.].
Em um primeiro momento, foram apresentadas quatro propostas, sendo que a menor delas, pelo Consórcio OCCH, foi no montante de R$ 488.550.095,69, 11,88% acima da estimativa da Petrobras, dentro da faixa considerada aceitável para o percentual de erro de estimativa da empresa.
A partir de negociação, o consórcio deu desconto simbólico, sendo a proposta final de R$ 486.185.223,77.
Após as tratativas de praxe, foi celebrado, em 19/01/2007, o contrato entre a Petrobras e o Consórcio OCCH, no valor de R$ 486.185.223,77, tendo subscrito, pela Construtora Norberto Odebrecht S.A., Paulo Boghossian, gerente do contrato pela empresa no âmbito do consórcio, e Carlos José Vieira Machado da Cunha.
Consoante o esquema de corrupção, havia um acordo previamente ajustado entre os gestores das empresas integrantes do cartel e o então diretor Renato Duque, bem como o ex-Gerente de Engenharia da empresa, Pedro Barusco, de, respectivamente, oferecerem e aceitarem vantagens indevidas, as quais variavam entre 1% e 5% do valor total dos contratos celebrados por elas com a referida estatal.
Em contrapartida, Pedro Barusco, Renato Duque e os demais empregados corrompidos da Petrobras assumiam o compromisso de se omitirem no cumprimento dos deveres inerentes aos seus cargos, notadamente a comunicação de irregularidades em virtude do funcionamento do “Clube”, bem como, quando necessário, praticar atos comissivos no interesse do funcionamento do cartel.
Pedro Barusco anotou em sua planilha que houve, efetivamente, nesse caso, pagamentos de vantagens indevidas, na ordem de 1%, à Diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque, em decorrência do contrato firmado pelo Consórcio OCCH com a Petrobras.
Considerando-se que a Gerência Executiva de Engenharia é subordinada à Diretoria de Engenharia, pode-se afirmar que sem a anuência e o conhecimento de Renato Duque, o encaminhamento dos requerimentos, desde a instalação da licitação até a própria contratação do Consórcio OCCH, não seriam possíveis.
Ainda, comprova o aceite e recebimento das vantagens indevidas por Renato Duque, declarações de Augusto Mendonça, segundo o qual as empresas do “Clube”, por meio de Ricardo Pessoa, combinaram com o ex-Diretor de Serviços o pagamento de vantagens indevidas a fim de que fossem as divisões de obras havidas dentro do cartel efetivas [v. Termo de Colaboração no 02 (depoimento de Augusto Mendonça): “a exigência já era prévia, pois já existia um entendimento entre o Diretor de Engenharia, Renato Duque e Ricardo Pessoa, de modo que todos os contratos que fossem resultantes do ‘Clube’, deveriam ter contribuições a àquele”].
Nessa senda, no caso em tela, observando o contexto anteriormente narrado, tem-se que houve a promessa e o pagamento de propina correspondente a 1% do valor do contrato firmado com a Estatal à Diretoria de Serviços, notadamente a Pedro Barusco e Renato Duque.
Assim, pode-se confeccionar o seguinte quadro de pagamento de propinas sobre o valor do contrato inicial:
Do montante referente à aludida vantagem indevida, coube a Marcelo Odebrecht, gestor do Grupo Odebrecht, Rogério Araújo e Márcio Faria, na condição de administradores e diretores do Grupo Odebrecht, e Paulo Boghossian, representante da Odebrecht no Consórcio OCCH, oferecer e prometer vantagens indevidas, assim como viabilizar os seus pagamentos.
Diante de tal quadro, no período entre o início do procedimento licitatório (22/06/2006) e a celebração do contrato original, em 19/01/2007, Marcelo Odebrecht, Rogério Araújo, Márcio Faria e Paulo Boghossian, após reunirem-se entre si e com os representantes das demais empreiteiras cartelizadas e definirem o vencedor do certame, comunicaram a Pedro Barusco e Renato Duque tal circunstância, prometendo vantagens indevidas que adviriam imediatamente após a celebração do contrato [Nota do MP: no que respeita à Odebrecht, na Diretoria de Serviços, o contato se dava através de Rogério Araújo com Renato Duque e Pedro Barusco, o qual recebia a sua parte e a de Renato Duque das propinas].
Aceitas as promessas de vantagens por parte de Pedro Barusco e Renato Duque, esses, no referido lapso temporal, mantiveram sua anuência quanto à existência e efetivo funcionamento do Cartel em desfavor da Petrobrás, omitindo-se nos deveres que decorriam de seu ofício para assim permitir que a escolha interna do Cartel para a execução da obra se concretizasse, adotando, ainda, no âmbito de sua Diretoria, as medidas que fossem necessárias para tanto.
Assim, uma vez confirmada a contratação da Odebrecht, em parceria com a Construtora Camargo Corrêa e a Hochtief do Brasil, por intermédio do Consórcio OCCH, para a execução da obra, Rogério Araújo, após acordar com Marcelo Odebrecht e Márcio Faria a forma de pagamento, efetuou tratativas com Pedro Barusco, agindo em nome próprio e como representante de Renato Duque, a fim de acertar a forma de pagamento.
Neste sentido, observe-se que Rogério Araújo foi indicado pelo colaborador Pedro Barusco como responsável pelas tratativas de efetivação do pagamento de vantagens indevidas em nome do Grupo Odebrecht. Ademais, na própria tabela de propinas de Pedro Barusco consta Rogério Araújo como responsável pelo pagamento da propina referente à contratação do Consórcio OCCH.
Ademais, Rogério Araújo compareceu à Petrobrás 20 vezes com a finalidade de visitar Pedro Barusco e Renato Duque entre a data de início do procedimento licitatório (22/06/2006) e o dia em que foi assinado o contrato (19/01/2007).
Nessas ocasiões não apenas discutiu assuntos ligados a contratos de interesse da Odebrecht, como também prometeu o pagamento das vantagens indevidas aos então empregados da Petrobrás, como também efetivamente combinou qual seria sua forma de pagamento.
Marcelo Odebrecht, por sua vez, na condição de gestor do Grupo Odebrecht orientou Rogério Araújo para que fossem as propinas oferecidas com a finalidade de ser a sua empresa, por meio do Consórcio OCCH, beneficiada. Márcio Faria, administrador e diretor do Grupo Odebrecht, tinha pleno conhecimento acerca da atuação da empresa no cartel, vez que a representava nas reuniões do “Clube” [neste sentido, observe-se os Termos de Colaboração 1 e 10 de Augusto Mendonça, Termo de Colaboração 1 de Julio Camargo].
Seguindo a mesma metodologia, em datas não precisadas, mas certamente no interregno entre 01/07/2010 [data em que Celso Araripe assumiu o cargo de Gerente de Implementação de Empreendimentos para Cabiúnas, em Vitória] e 12/11/2014 [data do último pagamento percebido por Celso Araripe, conforme demonstrado no tópico concernente à lavagem destes valores], Marcelo Odebrecht, gestor do Grupo Odebrecht, Rogério Araújo e Márcio Faria, administradores e diretores do Grupo Odebrecht, e Paulo Boghossian, representante da Odebrecht no Consórcio OCCH, prometeram, assim como adotaram as medidas necessárias para viabilizar o respectivo pagamento, vantagens indevidas de ao menos R$ 3.000.000,00 a Celso Araripe, funcionário da Petrobrás responsável pelo gerenciamento da obra, no propósito de obter a liberação de aditivos contratuais, sendo certo que pagaram vantagem indevida no montante de pelo menos R$ 1.461.318,32.
[Declarações de Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa): “o Gerente Local da Petrobrás na obra referida, Celso Araripe, por intermédio desses dois contratos, obteve vantagem indevida consistente nos valores que constam em cada um dos contratos, isto é, um total R$ 3 milhões de reais”.]
[No mesmo sentido] colocam-se as declarações de Dalton dos Santos Avancini (presidente da Camargo Corrêa).
Segundo então informado por Paulo, tanto o representante da Odebrecht, Paulo Boghossian, quanto da Hochtief, tinham conhecimento acerca da situação e com ela anuíram.
Considerando os termos aditivos do contrato, consolidou-se o seguinte quadro de aditivos: