Os problemas do ex-prefeito (e ex-ministro de Dilma e de Temer) Gilberto Kassab são os seguintes, segundo relatório da Polícia Federal (PF) e resumo da Procuradoria Geral da República (PGR), endereçado ao responsável, no STF, pelo inquérito, ministro Alexandre de Moraes:
1) Kassab recebeu R$ 28 milhões do PT para apoiar Dilma Rousseff em 2014;
2) A propina foi paga pela JBS sob a forma, sobretudo, de doação ao Diretório Nacional do PSD, partido presidido por Kassab.
3) O dinheiro passado pela JBS ao PSD, por sua vez, tinha como origem a conta corrente de propinas acertada pelo PT com a JBS: “… todos os valores repassados seriam provenientes de uma espécie de conta corrente de propina vinculada ao Partido dos Trabalhadores, criada a partir das tratativas com Guido Mantega, que era quem, no caso, teria dado a autorização de pagamentos à JBS” (cf. PF, Relatório de Polícia Judiciária nº 124/2018, p.3).
4) Além disso, Kassab recebia uma mesada de R$ 350 mil da JBS desde 2010. Ao todo, entre 2010 e 2016, foram repassados cerca de R$ 30 milhões a Kassab.
5) Essa propina era coberta com notas fiscais frias da Yape Consultoria e Debates Ltda, empresa de que Kassab era acionista e tinha um contrato fictício com a JBS.
O contrato fictício era chamado “over price” [sobrepreço], porque existia outro contrato, este verdadeiro, entre a Yape e a JBS.
Os documentos confirmaram inteiramente o depoimento de Wesley Batista:
“… o pagamento do ‘over price’ era feito para a empresa Yape Consultoria e Debates também por meio de pagamento de notas fiscais;
“… eram feitos pagamentos mensais de R$ 350.000,00 para a empresa Yape Consultoria e Debates referentes ao “‘over price’;
“… os pagamentos perduraram por sete anos, do início de 2010 até o final de 2016;”
Kassab afirmou, em depoimento à PF, que o dinheiro recebido através desse contrato (“over price”) era devido a “serviços referentes a consultoria na área de transportes e logística”.
Quis saber a PF: que serviços foram esses?
Disse Kassab que esses serviços foram “o monitoramento da frota do cliente (JBS). Em decorrência desses trabalhos, teriam sido entregues inúmeros relatórios, com detalhamento das operações realizadas pelo cliente em comparativo com alternativas mais viáveis economicamente. Um software teria sido desenvolvido especialmente para a situação da JBS. [Kassab] aduziu ainda que tais serviços teriam propiciado a alta direção da Companhia, no caso os diretores da JBS, adotar decisões estratégicas de modo a promover o aumento da rentabilidade na gestão da sua frota”.
O problema (de Kassab) é que nada disso existe – ou existiu – segundo os funcionários da JBS interrogados pela PF:
“… ouvidos em depoimentos, os funcionários responsáveis pela área de transporte da JBS, no período correspondente aos fatos sob apuração, Nelson Dalcanale e José Roberto Aguera Tranjan Junior, disseram desconhecer qualquer contrato de consultoria com a empresa Yape Consultoria, asseverando jamais terem recebido qualquer documento ou relatório dessa empresa, e aduzindo que, pelas funções e cargos que exerciam, caso tal serviço tivesse sido efetivamente prestado, certamente deles seria conhecido” (cf. Rel. cit., p. 11).
Em seu depoimento, Erika Henna, a secretária de Wesley Batista, relatou que o responsável pela Yape, Renato Kassab – irmão de Gilberto Kassab – foi várias vezes à sede da JBS, onde recebia envelopes fechados que ela lhe entregava.
Erika apresentou as mensagens de WhatsApp em seu celular, para confirmar seu depoimento. Com efeito, a PF constatou, pelas mensagens enviadas pelo irmão de Gilberto Kassab à secretária de Wesley Batista, que foram “recorrentes os pedidos de entrega de envelopes por parte deste [Renato Kassab]”.
Gilberto Kassab retirou-se da sociedade que tinha na Yape Consultoria em junho de 2014. Mas isso é pouco importante, quando os outros sócios chamam-se Cláudio Kassab, Pedro Kassab, Sérgio Kassab, Márcia Kassab Farias, Renato Kassab, Marcos Kassab, Pedro Grunauer Kassab, Flávio Castelli Chuery e Carlos Alberto Fonseca.
MERCADORIA
O principal depoimento – porque extensamente documentado – sobre a compra do PSD pelo PT, nas eleições de 2014, foi o do contador da JBS, Demilton Antonio de Castro. Disse ele:
“… em relação à compra do apoio político do PSD, era responsável por fazer o controle dos valores a serem pagos, determinando ao setor de contas a pagar a realização dos pagamentos de notas fiscais e doações eleitorais;
“… também era o responsável pelo controle dos recibos das doações eleitorais realizadas;
“… após a realização das doações eleitorais, pessoas ligadas aos beneficiados pela doação procuravam o Depoente para entrega do recibo;
“… em outras ocasiões quem entregava os recibos para o Depoente era Ricardo Saud [diretor financeiro da JBS];
“… todos os pagamentos de notas ficais e doações eleitorais eram determinados por Ricardo Saud e autorizados por Joesley Batista;
“… em relação aos pagamentos informados na tabela da fl. 175, confirma que todos foram determinados por Ricardo Saud e autorizados por Joesley Batista;
“… tem condições de afirmar que todos esses pagamentos constantes na referida tabela foram relacionados a Gilberto Kassab, em decorrência da compra do apoio político do PSD pelo PT;
“… não tem conhecimento de como ocorreu a negociação da compra do apoio político, sendo que apenas fazia o controle dos pagamentos conforme orientado por Ricardo Saud e autorizado por Joesley Batista”.
O depoimento de Ricardo Saud também é importante:
“… em meados de junho de 2014 houve um encontro entre Joesley Batista, Gilberto Kassab e o Depoente no apartamento de Gilberto Kassab no Shopping Iguatemi em São Paulo/SP;
“… nessa reunião Gilberto Kassab relatou ter vendido o apoio de seu partido político, PSD, para o Partido dos Trabalhadores, PT, sendo que a JBS havia sido indicada para a realização do pagamento;
“… nessa ocasião Joesley Batista respondeu que aguardaria a confirmação do PT para a efetivação do pagamento;
“… após a reunião, Joesley Batista se reuniu com Guido Mantega para acertar os detalhes do pagamento da compra do apoio do PSD pelo PT;
“… posteriormente Joesley Batista relatou que o PT confirmou a compra do apoio político do PSD e autorizou o Grupo J&F a realizar os pagamentos na ordem de R$ 28.000.000,00;
“… Joesley Batista determinou ao Depoente que operacionalizasse os pagamentos (…)”.
Saud, em seguida, detalhou com minúcias, em seu depoimento, cada repasse do PT, através da JBS, a Kassab.
Kassab, portanto, depois de vender o seu partido, não conseguiu esperar até que o comprador, o PT, avisasse ao pagador de propinas, a JBS, para que cobrisse a compra. Foi direto bater na porta do cofre.
C.L.