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Áudios obtidos pela Polícia Federal comprovam que o ex-presidente Jair Bolsonaro manteve “manifestantes” em Brasília e preparou um golpe com seus aliados para impedir a posse de Lula, mas recuou porque o Alto Comando das Forças Armadas não aceitou participar do crime contra o país.
Novas gravações obtidas na investigação foram divulgadas pelo programa Fantástico, da TV Globo, no domingo.
O general Mário Fernandes, que era o número dois da Secretaria-Geral da Presidência, à época comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, falou para outro militar das Forças Especiais que “o decreto é real. Foi despachado ontem com o presidente. É, hahaha”.
Outra gravação, desta vez feita pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, reforça que o ex-presidente preparou um decreto para instalar uma ditadura.
Bolsonaro “entende as consequências do que pode acontecer. Hoje, ele mexeu naquele decreto, ele reduziu bastante, fez algo muito mais direto, objetivo e curto. E limitado, né?”, disse.
Em sua colaboração premiada, Cid contou aos investigadores que Jair Bolsonaro recebeu de um assessor uma proposta de decreto presidencial que anulava as eleições e determinava a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro pediu que o documento fosse reduzido e fosse decretada somente a prisão do ministro Alexandre de Moraes.
Mauro Cid também falou em áudios que o governo Bolsonaro recebeu hackers, matemáticos e especialistas que diziam ter indícios de fraude nas eleições de 2022, mas nada relevante foi apresentado.
ACAMPAMENTO
O general Mário Fernandes mantinha contato com líderes do acampamento golpista que foi montado em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília e buscava “orientar tanto o pessoal do agro, como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG”, segundo falou em gravação.
Falando com Mauro Cid, Fernandes pediu que Jair Bolsonaro ou seu gabinete presidencial fosse usado para proteger os caminhoneiros que supostamente estavam sendo presos ou alvos de busca e apreensão por parte da Polícia Federal.
“Já andou havendo prisão realizada ali, pela Polícia Federal. Se o presidente puder dar um input ali pro Ministério da Justiça pra segurar a PF… Eu tô tentando agir diretamente junto às Forças, mas pô, se tu pudesse pedir pro presidente ou pro gabinete do presidente atuar”, disse o general bolsonarista. Ele falou que queria “proteger esses caras”.
Um acampado, Rodrigo Yassuo Faria Ikezili, contou para o general que estava “precisando de um apoio aqui, porque a gente comprou uma tenda e o pessoal não tá deixando ela entrar pra trocar. A Polícia do Exército daqui do QG. Eu preciso de um apoio pra liberação”.
Lucas Rotilli Durlo, um caminhoneiro que também estava no acampamento, pediu orientações ao general: “Eu queria ver com o senhor aí, qual é a perspectiva? Até quando vocês querem que a gente fique aqui, general? E ver com o presidente aí. Eu não saio daqui, quero ser o último a sair. Somos um soldado”.
O tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, que estava no Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército enquanto Jair Bolsonaro planejava o golpe, disse em gravações que os “manifestantes” deviam sair do acampamento e invadir o Congresso Nacional.
“Não adianta protestar na frente do QG [Quartel General] do Exército, tem que ir pro Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder. Todo mundo quer as Forças Armadas por quê? Quer um mecanismo de pressão chamado arma”, disse o tenente.
“Eu acho que o pessoal poderia fazer essa descida aí, né? E ir atravancando mesmo. Porque, pô, com a massa humana chegando lá não tem PM [Polícia Militar] que segure. Porra, vai atropelar a grade e invadir. Depois não tira mais, né?”, continuou.
Isso foi exatamente o que ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023, quando o bando bolsonarista invadiu as sedes dos três Poderes pedindo um golpe contra o recém empossado Lula.
Guilherme Marques de Almeida falou nos áudios que estava “participando de vários grupos civis” para influenciar os movimentos. Ele defendia que, “pra apaziguar, a gente resolve destituir, invalidar a eleição. Colocar voto impresso e fazer uma nova eleição”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o general Mario Fernandes e o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por terem integrado, “de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa” feita “com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito”.