Uma das coisas mais bizarras de Bolsonaro, Olavo de Carvalho & pupilos – incluídos os filhos do primeiro e outros milicianos – é como aparecem com as maiores aberrações, sem que nenhum deles haja estudado, nem ao menos se interessado em estudar, qualquer dos assuntos para os quais acharam soluções que querem impor aos outros, isto é, ao povo.
Sobre essas soluções… bem, primeiro foi a cloroquina – um plágio de Trump.
Agora, apareceu a ivermectina, excelente medicamento contra piolhos, sarna e vermes, que está sendo elevado à panaceia bolsonarista contra a COVID-19.
Como em medicina existem muitas descobertas fortuitas – Fleming não estava pesquisando antibióticos, que ainda não existiam, quando descobriu a penicilina, que seria o primeiro deles – esses infelicitadores da vida dos outros fizeram um alarde sobre isso na quarta-feira.
Tudo porque ouviram falar que alguém descobrira que in vitro (ou seja, fora do corpo humano e de qualquer outro organismo vivo), a ivermectina inibe o coronavírus.
Provavelmente, o cianureto, também.
No caso da ivermectina existe um único ensaio clínico (isto é, em pacientes) sobre o seu uso contra o coronavírus (v. Amit Patel, Usefulness of Ivermectin in COVID-19 Illness, SSRN, 19/04/2020), sem que haja segurança alguma sobre nada.
Ao mesmo tempo, existe certeza – porque já foi comprovada – sobre a ação da ivermectina no Sistema Nervoso Central, isto é, sobre o cérebro. A ivermectina é agressiva em relação ao cérebro humano. Daí, a recomendação da Anvisa de que, mesmo para piolhos, ela não pode ser usada “por pacientes com hipersensibilidade à ivermectina. Este medicamento é contraindicado para uso por pacientes com meningite ou outras afecções do Sistema Nervoso Central que possam afetar a barreira hematoencefálica, devido aos seus efeitos nos receptores GABA-érgicos do cérebro“.
A “barreira hematoencefálica” é a barreira que protege o cérebro.
Claro que tudo depende da dose, do paciente, etc. Mas o que entendem os bolsonaristas sobre isso, para que essas cavalgaduras aparecessem com uma suposta cura do coronavírus pela ivermectina, que dispensaria quarentenas, testagens (e outras coisas horríveis dessa maldita ciência)?
Existe outra possibilidade, lembra um amigo carioca, atualizando uma piada antiga: a ivermectina funciona em bolsonaristas, porque é muito boa para piolhos…
Porém, vamos à coisa mais séria.
O que teria acontecido no país, se Bolsonaro tivesse conseguido impor a sua tentativa de genocídio, acabando completamente com a quarentena contra o coronavírus?
“Quarentena”, como explicou o mais famoso dos médicos que estabeleceram essa estratégia, o Dr. Adrien Proust, pai do romancista Marcel Proust, é um bloqueio no trajeto de uma epidemia.
O conceito tem mais de 140 anos, desde que Proust (pai) publicou seus estudos sobre a propagação e defesa contra as epidemias de cólera, peste bubônica e febre amarela.
Na época, não havia vacinas (com uma exceção: aquela contra a varíola, descoberta pelo Dr. Edward Jenner em 1796, na Inglaterra, a partir da varíola do gado, doença que se chamava, precisamente, “vacina”).
Esse é exatamente o caso da COVID-19. Mas Bolsonaro, 140 anos depois, ainda não concordou com esse negócio de bloquear a transmissão da peste, do cólera ou da COVID-19.
Não porque espere alternativa melhor em futuro próximo: ele também deve ser contra as vacinas. Se a Terra é plana e o sol gira em torno dela, por que Bolsonaro acreditaria em vacinas?
SOBREVIVÊNCIA
Neste momento, o centro do combate contra a COVID-19 necessita passar, crescentemente, para a testagem da população, para identificar pessoas infectadas, dando-lhes, assim como a todos, melhores possibilidades de sobrevivência.
Mas isso não quer dizer que a quarentena (o chamado “distanciamento social”) seja dispensável ou já tenha sido superado.
Então, a questão é: qual foi, até agora, o resultado da quarentena?
O que teria acontecido, se Bolsonaro tivesse conseguido impor seu consumo de beberagens perigosas quanto à COVID-19, ao invés da quarentena?
Um estudo do Observatório COVID-19 BR, do último dia oito, permite tirar várias conclusões.
Primeiro, vejamos um gráfico da expansão da COVID-19 no Brasil.
Casos de COVID-19 no Brasil
(cf. “Avanço da COVID-19 no Brasil“, Observatório COVID-19 BR, 20/05/2020)
Agora, vejamos o que teria acontecido, se a quarentena não fosse estabelecida e mantida, contra Bolsonaro, à duras penas – e o que poderia acontecer, caso esse mentecapto tivesse alguma oportunidade de implementar a sua opção pelo genocídio (v. HP 18/05/2020, A opção pelo genocídio).
Considerando que o principal obstáculo está aboletado na Presidência da República, o povo brasileiro não está se saindo mal. Não é a alternativa de Bolsonaro que tem prevalecido.
Para que serve ter na Presidência da República alguém que, quando o povo do país é ameaçado, se coloca ao lado da ameaça, contra o povo e o país (ou, pior, é mais uma ameaça a ser enfrentada), aí, já é outra questão.
(CARLOS LOPES)
COMPARAÇÃO ENTRE CENÁRIOS
OBSERVATÓRIO COVID-19 BR
(Última revisão em 19 de maio, 2020, 15:38, horário de Brasília)
As projeções de médio prazo para a epidemia de Covid-19 referem-se ao Município de São Paulo, local mais atingido do país.
1) As medidas tomadas até agora surtiram algum efeito?
Cenário A
Número de pessoas infectadas
Número de mortos
As simulações apresentadas nas figuras acima ilustram o importante efeito das medidas de distanciamento social implementadas até agora: o pico de infectados, em um cenário sem quaisquer medidas de distanciamento adotadas, poderia já ter ocorrido no início de abril e contado com milhões de casos (cenário A), mas devido às medidas de mitigação já tomadas, esse pico foi adiado e achatado.
Estima-se que o número real de infectados no começo de abril foi, ao menos, 10 vezes menor, se comparado ao pico que teria sido observado no cenário hipotético de evolução descontrolada da doença (nota do HP: grifo nosso).
2) O que podemos esperar daqui para frente?
Cenário B (fim das medidas atuais a partir de 31 de maio de 2020) e Cenário C (manutenção das medidas atuais até o fim do ano)
Se expandirmos os resultados da simulação para os próximos meses, podemos ter uma ideia da importância das medidas de distanciamento social a médio prazo.
Abaixo comparamos cenários em que, a partir de 31 de maio de 2020, (b) as medidas atuais são completamente descontinuadas e (c) as medidas atuais são mantidas indefinidamente com cobertura contínua e consistente com a do início das recomendações de distanciamento no município.
Número de pessoas infectadas nos três cenários
Mortes acumuladas nos três cenários
Nota-se que o pico de infectados, que poderia ter ocorrido no início de abril e contado com milhões de casos (cenário (a)), foi adiado e achatado (cenários (b) e (c), que aparecem sobrepostos nas figuras até 31 de maio).
Note-se, no entanto, que se abandonássemos as atuais medidas de mitigação no dia 31 de maio, a epidemia voltaria a se expandir formando um novo pico ao final do mês de maio, com um número de mortes quase tão alto quanto ao do cenário de expansão descontrolada da doença. Assim, o esforço feito até então seria em grande parte perdido.
Já no caso de manutenção de medidas (cenário (c)), a curva epidêmica se manteria com pico estimado para o final de maio e o achatamento evidente implicaria em cerca de 10 vezes menos infectados e mortos.
3) Qual o impacto que esperamos no sistema hospitalar?
Aqui apresentamos uma comparação entre casos hospitalizados em leitos comuns (primeiro gráfico abaixo) e casos hospitalizados em unidades de tratamento intensivo (UTI) (segundo gráfico abaixo) nos cenários em que:
(a) nenhuma medida de distanciamento social tivesse sido aplicada;
(b) as medidas e aderências nos níveis atuais fossem mantidas apenas até 31 de maio;
(c) se as medidas atuais forem mantidas, com níveis de adesão iguais aos do início do distanciamento social.
Número de pessoas hospitalizadas fora UTI
Pessoas internadas em UTI
As linhas horizontais tracejadas indicam a capacidade aproximada do sistema de saúde municipal para cada tipo de leito, baseada em dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) de fevereiro de 2020.
Note que o cenário (c) é o único entre os três cenários estudados que não prevê um colapso iminente do sistema de saúde, dado que o número de hospitalizações em leitos comuns e unidades de tratamento intensivo (UTI) ficariam em valores inferiores ao limite máximo comportado pelo município de São Paulo.
Ressaltamos ainda que os limiares representados nos gráficos devem ser apenas tomados como escala, pois estimam o total de leitos no município em fevereiro de 2020 e não o total atual disponível para tratamento de casos COVID-19.
Como outras doenças requerem os mesmos leitos, poderíamos já estar em um nível de ocupação que baixasse muito este limiar.
Por outro lado o número de leitos pode ter variado, podendo inclusive ter crescido, desde o início da epidemia.
No entanto, dados atualizados de número e ocupação de leitos no município não estão publicamente disponíveis, dificultando uma análise mais assertiva.
SOBRE O MODELO USADO NESTE TRABALHO
As previsões de médio prazo apresentadas aqui são feitas utilizando-se um modelo matemático de compartimentos que simula as características epidemiológicas da COVID-19, desenvolvido em colaboração com o Covid-19 International Modelling Consortium.
Cada compartimento populacional representa uma classe de pessoas (suscetíveis, expostas, infectadas e recuperadas, conforme imagem abaixo) e é estruturado por faixas etárias em intervalos de 5 anos.
O CoMo é um consórcio internacional de modelagem criado pela Prof. Lisa White (Universidade de Oxford, Inglaterra) visando utilizar modelagem matemática para contribuir no planejamento de políticas públicas de combate à pandemia de COVID-19. Dezenas de cientistas de diversas nacionalidades constituem subgrupos do CoMo, cada qual adequando a modelagem ao seu contexto específico regional.
O grupo brasileiro adaptou estrutura e parâmetros da modelagem à realidade paulistana, visto que é o local com maior concentração de casos e maior disponibilidade de dados atualmente, devido à nossa colaboração com o GT COVID-19 Sampa.
O Observatório Covid-19 BR participa do Grupo Técnico de Assessoramento em Epidemiologia e Modelagem Matemática COVID19 (GT COVID-19 Sampa) da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo. Este grupo analisa as bases de dados oficiais para o município, para subsidiar tomada de decisão.
OS LIMITES DAS PREVISÕES
Todos os resultados aqui apresentados se baseiam em projeções de cenários hipotéticos, alguns mais plausíveis que outros.
Como a adesão a tais intervenções é dependente de comportamentos da população, os resultados são melhor utilizados no contexto de comparação qualitativa entre cenários.
Números devem ser lidos apenas como estimativas da ordem de grandeza de casos ou mortes – e não como previsões absolutas.
Observatório COVID-19 BR
REFERÊNCIAS
1. CoMo Consortium, the COVID-19 pandemic modelling in context. Website of the Center for Tropical Medicine and Global Health, Nuffield Department of Medicine, University of Oxford.
2. Prem, K.; Cook, A. R.; Jit, M.. Projecting social contact matrices in 152 countries using contact surveys and demographic data. PLoS Comput Biol 13(9): e1005697. 2017.
3. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060, IBGE. Dados de 2020 e 2018.
4. Banco de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) em “Recursos Físicos” do TABNET. Dados de fevereiro de 2020.
5. Tabela 2679: Nascidos vivos, por ano de nascimento, idade da mãe na ocasião do parto, sexo e lugar do registro, IBGE. Dados de 2018.
6. Tábua completa de mortalidade para o Brasil – 2018, IBGE. Dados de 2018.
7. Tapiwa Ganyani, Cecile Kremer, Dongxuan Chen, Andrea Torneri, Christel Faes, Jacco Wallinga, Niel Hens. Estimating the generation interval for COVID-19 based on symptom onset data. MedRxiv 2020.03.05.20031815
8. The Incubation Period of COVID-19 From Publicly Reported Confirmed Cases.
9. Roman Woelfel, Victor Max Corman, Wolfgang Guggemos, Michael Seilmaier, Sabine Zange, Marcel A Mueller, Daniela Niemeyer, Patrick Vollmar, Camilla Rothe, Michael Hoelscher, Tobias Bleicker, Sebastian Bruenink, Julia Schneider, Rosina Ehmann, Katrin Zwirglmaier, Christian Drosten, Clemens Wendtner. Clinical presentation and virological assessment of hospitalized cases of coronavirus disease 2019 in a travel-associated transmission cluster. MedRxiv 2020.03.05.20030502
10. Linton, N.M.; Kobayashi, T.; Yang, Y.; Hayashi, K.; Akhmetzhanov, A.R.; Jung, S.-M.; Yuan, B.; Kinoshita, R.; Nishiura, H. Incubation Period and Other Epidemiological Characteristics of 2019 Novel Coronavirus Infections with Right Truncation: A Statistical Analysis of Publicly Available Case Data. J. Clin. Med. 2020, 9, 538.
11. Steven Sanche, Yen Ting Lin, Chonggang Xu, Ethan Romero-Severson, Nick Hengartner, Ruian Ke. The Novel Coronavirus, 2019-nCoV, is Highly Contagious and More Infectious Than Initially Estimated. MedRxiv 2020.02.07.20021154
12. Google COVID-19 Community Mobility Report. Dados de março de 2020.
Matéria relacionada: