O deputado Eduardo Bolsonaro conseguiu seu primeiro feito como embaixador dos EUA no Brasil: trouxe, para aqui, um negócio chamado Conservative Political Action Conference (CPAC), que, no seu país de origem, reúne o que existe lá de mais estúpido, de mais racista – e, para rimar, de mais fascista.
Não se trata de uma daquelas sofisticadas reuniões promovidas, por exemplo, pelo David Rockefeller – o pessoal da velha Trilateral ou do mais novo Clube de Bilderberg.
A reunião que Bolsonaro importou é diferente: são os marginais do capitalismo financeiro norte-americano, aquela lumpen-burguesia que tem em Trump o seu principal representante, aqueles desclassificados que urram em lugar de pensar, e, quando urram, acreditam que estão pensando, embora não seja nada além do assalto, mero e grosseiro, às sobras que deixaram os mais poderosos.
Tanto isso é verdade que, apesar da importação de vários luminares dos EUA, quem roubou a festa foi a Damares.
Que Damares?
Como, minha senhora, que Damares?
Aquela mesma, que subiu no pé da goiabeira (aliás, no pé de goiaba) para ver o João de Deus (ou algo parecido).
Imagine o leitor um encontro intelectual – um encontro supostamente para discutir ideias – onde o maior destaque foi a Damares. Que coisa impressionante! E com a sensacional revelação de que a oposição não está possuída pelo Diabo. Na verdade, ela é o próprio Diabo, aliás, o Cão (“Nós não podemos subestimar o Cão”, disse a sábia teóloga)!
Já voltaremos ao discurso da Damares. Antes, algo que o leitor pode estranhar: o Bolsonaro não queria que o filho fosse embaixador do Brasil nos EUA?
Ledo engano, estimado leitor, o negócio é ser embaixador, nem tanto dos EUA, mas lacaio de Trump, ou seja, dessa marginália do capitalismo monopolista norte-americano. Se ele vai morar aqui ou em Washington é uma questão completamente irrelevante, exceto para o zero-três, que é, como o pai, um macaco de imitação do Trump.
Estamos exagerando? Então, leitor, antes de continuarmos, por favor, preste atenção nas duas fotos a seguir.
As duas foram tiradas durante o CPAC. A primeira, nos EUA; a segunda, durante o conclave de proxenetas em São Paulo.
A diferença entre essas duas fotos é que Eduardo Bolsonaro está com a bandeira errada.
Além disso, esse encontro – o de São Paulo – foi feito com R$ 1 milhão e 100 mil que os Bolsonaros garfaram do fundo partidário do PSL.
Em suma, gastaram mais de R$ 1 milhão de dinheiro público para fazer um encontro com alguns americanos que parecem remanescentes da Ku Klux Klan – e quem fez sucesso foi a Damares, que custa muito menos (talvez apenas o preço de uma poção do velho elixir paregórico) para se ouvir aqui no Brasil.
Por falar em Ku Klux Klan, somente depois da posse de Trump é que o CPAC achou prudente disfarçar suas relações com a KKK, o que fez expulsando Richard Spencer, autor do slogan “Heil Trump!”, aliás, muito original (v. The Washington Post 23/02/2017, Alt-right leader expelled from CPAC after organizer denounces ‘fascist group’ e The Guardian 26/02/2017, CPAC conservatives drink the Trump Kool-Aid, but who will pick up the tab?).
Spencer, cujo programa político é dividir os EUA em um território para os brancos e um território para “o resto”, e estava há séculos integrando o (ou será “a”?) CPAC, negou que fosse da KKK, aquela cujo chefe, David Duke – o mesmo que aparece no filme de Spike Lee, “Infiltrado na Klan” – é um apoiador eufórico de Bolsonaro (“Ele soa como nós. Ele é totalmente um descendente europeu. Ele se parece com qualquer homem branco nos EUA, em Portugal, Espanha ou Alemanha e França. E ele está falando sobre o desastre demográfico que existe no Brasil e a enorme criminalidade que existe ali, como por exemplo nos bairros negros do Rio de Janeiro”; v. HP 17/10/2018, Bolsonaro recebe apoio entusiástico do chefe da Ku Klux Klan).
Pois é. Deve ser só coincidência que o CPAC e a KKK apoiem tanto Trump quanto Bolsonaro.
COISAS ESTRANHAS
Então, por que a Damares fez tanto sucesso entre aqueles débeis mentais, a ponto de empanar o brilho (?) dos norte-americanos presentes?
Ficamos bastante desconfiados dos motivos desse sucesso, ao ouvir frases como “estou há 24 horas com esse público jovem e ninguém me ofereceu ainda um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina” (aplausos intensos).
Tudo é estranho nessa frase, que parece uma fantasia ligeiramente (hum…) pervertida.
Porém, o mais estranho é o “ainda”.
Não estamos sugerindo que essa fosse a expectativa, nem mesmo o desejo inconsciente da ministra, até porque certas questões devem merecer o devido recato.
Mas, então, por que esse “ainda”?
Ela poderia ter dito: “ninguém me ofereceu um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina”.
Já era esquisitice a dar com o pau (epa!).
Mas o que ela disse foi: “ninguém me ofereceu ainda um cigarro de maconha e nenhuma menina introduziu um crucifixo na vagina”.
“Ainda”?
De onde será que a ministra tira essas ideias?
Ou, aquela outra, que poderia ser um convite masoquista para a oposição: “Pode bater, esquerda. Quanto mais bate, mais esse governo cresce”.
Essas coisas não pegam bem. Sobretudo, em público.
Também não pega bem mentir (sobretudo, em público): “Foram cruéis comigo, foram muito malvados comigo. Não respeitaram a minha história, não respeitaram a minha dor. Riram de mim, riram quando eu tive a coragem de dizer pro Brasil que fui abusada sexualmente”.
Ninguém riu da ministra porque disse que foi abusada sexualmente. Pelo contrário. Essa foi a parte, do que disse, que mereceu extraordinário respeito.
No que concerne a nós, achamos até mais: que ela devia dizer o nome dos responsáveis, pois não se pode deixar esses monstros à solta, o que seria (e é) a mesma coisa que permitir – e até incentivar – que eles façam mais vítimas.
Além disso, desde 2012, o prazo para a prescrição dos crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes foi aumentado. Portanto, é provável – ou possível – que ainda haja tempo da ministra ir a uma delegacia registrar um BO.
A ministra deve – ou deveria – saber disso, pois é ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Não foi o seu relato de que sofreu abuso sexual na infância, portanto, o que causou a gargalhada geral.
O que causou hilaridade foi o outro relato, o de que encontrou Jesus ao subir numa goiabeira (perdão, “pé de goiaba”).
O motivo é que, fora alguns ingênuos e alguns tolos, todo mundo percebeu que isso foi uma invenção para se exibir diante de uma plateia algo sugestionável ou algo propensa a aplaudir encenações desse tipo.
A outra hipótese – uma dissociação histérica, como chamam os psiquiatras – pode ser descartada pelo próprio modo como a ministra (na época, assessora do infortunado senador Magno Malta) contou a história. Quem é que conta um encontro com ninguém menos que Jesus Cristo, daquele jeito?
A ministra, portanto, não tem grande consideração pela Lei de Deus, isto é, pelos Dez Mandamentos que Moisés trouxe do Monte Sinai.
Por exemplo, o Oitavo Mandamento: “Não levantar falsos testemunhos, nem de qualquer outro modo faltar à verdade ou difamar o próximo”.
Ou o Segundo Mandamento: “Não usar o Santo Nome de Deus em vão”.
E nem vamos falar dos Pecados Capitais.
A ministra foi muito aplaudida quando disse que “em torno de 40 povos [indígenas] no Brasil matam suas crianças quando nascem filhas de mãe solteiras, gêmeas ou qualquer deficiência física e mental e povo que tava aí no poder diz que não pode salvar essas crianças porque é cultura. Hipócritas”.
A plateia parecia querer acabar com os índios – e rápido.
Mas, debalde.
Primeiro, esses “40 povos” são por conta da ministra. Segundo os estudos, hoje, no Brasil, restam 13 tribos onde há sacrifícios de filhos, nascidos deficientes, ou por outras razões.
A prática era comum entre os primeiros romanos – e entre os hebreus da época de Abraão e Jacó (além do episódio de Isaac, no Gênesis, Thomas Mann, em sua tetralogia, solidamente baseada em pesquisas, “José e seus Irmãos”, refere o costume – que, no livro, é atribuído a Labão, pai de Lia e Raquel, portanto, sogro de Jacó – de matar o primeiro filho e encerrar seu cadáver na parede da casa, como oferenda à divindade).
É evidente que só o progresso dos indígenas fará com que esse costume social desapareça, assim como desapareceu entre romanos e hebreus.
Porém, a ministra é responsável pelo sequestro de uma indiazinha da tribo kamayurá, na época com seis anos de idade. Esta indiazinha, Kajutiti Lulu Kamayurá, não estava ameaçada por infanticídio algum (HP 31/01/2019, Índios relatam que filha “adotiva” de Damares foi sequestrada de tribo).
Até hoje, ela não devolveu a indiazinha, assim como não legalizou sua suposta adoção, vivendo em um limbo jurídico.
Esse é o jeito que ela quer tratar os índios.
A TURMA DE FORA
Bolsonaro gastou R$ 1,1 milhão do fundo partidário para realizar o encontro da “Conservative Political Action Conference (CPAC)”, mais R$ 500 mil, que foram gastos em um pré-encontro.
Trouxeram para São Paulo:
– o presidente da União Conservadora Americana (sigla em inglês: ACU) e proprietário da marca “Conservative Political Action Conference (CPAC)”, Matt Schlapp;
– sua esposa, Mercedez Schlapp, uma lobista ex-cubana, que foi diretora de Comunicações Estratégicas da Casa Branca, isto é, de Trump (atualmente é uma das chefes da campanha pela sua reeleição);
– o senador mais reacionário (e isso não é pouca coisa) do parlamento dos EUA, um certo Mike Lee, membro do Tea Party e conhecido “oil boy”, isto é, receptor do dinheiro dos monopólios petroleiros norte-americanos para defender seus interesses;
– uma senhorita de nome Kassy Dillon, blogueira e estrela eventual da Fox News, que acredita estar sendo perseguida pela Internacional Socialista (!?), que estaria destruindo seus panfletos nas universidades norte-americanas (v. o seu artigo “My Interaction with a Nazi at UC Berkeley”);
– um “cientista político” americano-libanês, Walid Phares, também da Fox News, conhecido por sua relação com as milícias anti-muçulmanas (aquelas dos massacres de Sabra e Chatila) durante a Guerra Civil do Líbano;
– um milionário, Sean Fieler, conhecido como financiador de grupos reacionários, a começar por aqueles que se opõem a que o ensino, nos EUA, seja mais democrático;
– James M. Roberts, da Heritage Foundation, o grupo que mandava e desmandava no governo Reagan;
– Christine S. Wilson, nomeada por Trump para a Federal Trade Commission – uma espécie de CADE norte-americano, com todas as implicações, no caso gigantescas, devido ao tamanho da economia dos EUA, que isso tem;
– Charles R. Gerow, um assessor de Reagan durante décadas.
E, depois disso tudo, ninguém sabe ou lembra o que esses sujeitos falaram.
Também ninguém lembra o que os olavistas presentes falaram.
Quem fez sucesso foi a mulher da goiabeira, pessoa de capacidade intelectual tão notável, que já tem gente achando que se trata de uma Rui Barbosa de saias.
Mas arrumaram um coro, no final, para o zero-três, chamado de “mitinho”.
Parece que era elogio.
CARLOS LOPES